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Subturma 10 no Divã da Psicanálise

Blog de Direito Administrativo. 2º Ano - Turma B, Subturma 10 (2016/2017).

Subturma 10 no Divã da Psicanálise

Blog de Direito Administrativo. 2º Ano - Turma B, Subturma 10 (2016/2017).

Simulação de julgamento: Defesa da junta de freguesia

Exmo. Senhores Drs. Juízes de Direito

Do Tribunal Administrativo do 2º Ano, Turma B, Subturma 10

da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

 

 

FÁBIO SEM TERRA, cidadão com CC nº XXXX, NIF YYYY, em colaboração com os moradores da Junta de Freguesia de Carnitas, Listejo, vem pela presente petição inicial propor ação de impugnação de ato administrativo, nos termos dos artigos 50º e ss. do CPTA, e providência cautelar, nos termos do artigo 182º, nº3, do CPA, contra CÂMARA MUNICIPAL DE LISTEJO, com em sede em ZZZZZ, Listejo, e EMULTA – Empresa Municipal de Parques de Estacionamento, com sede em Listejo, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:

 

I – DOS FACTOS

O Autor é Presidente da Junta de Freguesia de Carnitas, em Listejo.

 

Os moradores da freguesia de Carnitas alertaram, várias vezes ao longo dos últimos anos, para o agravamento da situação do estacionamento nesta zona, sobretudo no centro histórico.

 

Para dar resposta positiva a esses alertas, o Autor celebrara um acordo com a primeira Ré, na pessoa de Francisco Filão, Presidente da Câmara Municipal de Listejo, no qual esta se comprometeu a requalificar o centro histórico e a construir parques de estacionamento para a zona em questão.

 

No passado dia 31 (trinta e um) de março, a segunda Ré, por indicação da primeira, procedeu à instalação de parquímetros na zona histórica da autarquia.

 

Isto apesar de, até à data, os compromissos assumidos nesse acordo não terem sido cumpridos.

Ora, no passado dia 1 (um) de abril, um grupo de moradores de Carnitas, liderado pelo Autor, procedeu à retirada dos parquímetros instalados na zona do centro histórico da autarquia.

 

Os parquímetros ficaram guardados para serem devolvidos à segunda Ré, na sede da Junta de Freguesia.

 

Porém, os parquímetros acabaram por ter sido confiscados pela PSP.

 

No dia seguinte, a segunda Ré, na pessoa de Penélope Filão, Presidente do Conselho de Administração, e esposa de Francisco Filão, Presidente da Câmara Municipal de Listejo, ordenou a imediata recolocação dos parquímetros.

 

10º

Ao mesmo tempo, ordenou a Polícia Municipal «que repusesse e velasse pela manutenção da ordem pública na freguesia».

 

11º

Ora, o Autor, na sequência de uma reunião com os moradores de Carnitas, solicitou uma audiência urgente ao Presidente da Câmara para entregar um abaixo-assinado da população contra a instalação dos parquímetros.

 

12º

O Autor pretende também reagir contra a recolocação forçada dos parquímetros por ação da Polícia Municipal e obrigar a primeira Ré a cumprir os seus compromissos relativos à requalificação do centro histórico e à construção de parques de estacionamento.

 

 

 

II – DOS FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

A) Da audiência de interessados

 

13º

Os moradores de Carnitas, estando sujeitos à instalação dos parquímetros nessa zona, são interessados no procedimento (artigo 68º/1 CPA), pelo que são sujeitos da relação jurídica procedimental (artigo 65º/1 CPA).

 

14º

Não houve audiência prévia dos interessados para o ato de instalação dos parquímetros em Carnitas.

 

15º

A audiência prévia dos interessados é uma das fases do procedimento administrativo, consagrada nos artigos 80º, 100º e 121º e ss. CPA, e onde os interessados têm “o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final” (artigo 121º, nº1, CPA).

 

16º

Não se prevê quaisquer das situações dispostas no nº1 do artigo 124º CPA, pelo que não é admissível qualquer dispensa de audiência dos interessados.

 

17º

A audiência dos interessados decorre dos princípios da colaboração com os particulares e da participação (artigos 11º e 12º CPA), bem como do princípio da democracia participativa, consagrados no artigo 2º CRP.

 

18º

Consagra ainda o artigo 267º, nº5, CRP, que “O processamento da actividade administrativa (…) assegurará (…) a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito”.

 

 

19º

Tendo em conta a sua consagração na Constituição, lei fundamental, e a relevância desta fase para o procedimento, o direito de audiência prévia dos interessados deve ser interpretado como um direito fundamental.

 

20º

Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, como o direito de audiência prévia dos interessados, são nulos (artigo 161º, nº2, alínea d), CPA), pelo que não produzem quaisquer efeitos (artigo 162º, nº1, CPA).

 

 

B) Do dever de auxílio administrativo

 

21º

Pelo princípio da legalidade (artigo 3º CPA), os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao Direito, dentro dos limites dos poderes que lhes foram conferidos em conformidade com os respetivos fins a alcançar.

 

22º

Nos termos do artigo 33º, nº1, alínea rr), da Lei nº 75/2013, de 12 de setembro, doravante denominada Lei das Autarquais Locais (LAL), compete à câmara municipal deliberar sobre o estacionamento de veículos nas vias públicas e demais lugares públicos.

 

23º

Não obstante, as freguesias dispõem de atribuições nos domínios do ordenamento e do equipamento urbano, nos termos do disposto no artigo 7º, nº2, alíneas a) e j), LAL.

 

23º

Deve-se ainda conjugar com a Lei nº 56/2012, referente à Reorganização Administrativa de Lisboa, cujo artigo 12º, nº1, alínea g), consagra que é da competência própria das juntas de freguesia: Atribuir licenças de utilização/ocupação da via pública (…)”.

 

24º

Por argumento de identidade de razão, parece-nos razoável a aplicação analógica da Lei nº 56/2012 ao município de Listejo.

 

25º

Portanto, o parqueamento urbano engloba-se tanto nas competências do município como nas atribuições e competências da junta de freguesia.

 

26º

Deste modo, parece-nos que haveria um dever da primeira Ré solicitar o auxílio da junta de freguesia de Carnitas, através da figura do auxílio administrativo, que consta no artigo 66º CPA.

 

27º

O dever de solicitar auxílio administrativo revela-se, neste caso, como uma exigência do princípio da boa fé, do qual decorrem deveres acessórios de lealdade, informação e proteção.

 

28º

Deveres esses que não foram respeitados, na medida em que a junta de freguesia não foi devidamente informada acerca da instalação dos parquímetros, matéria sobre a qual apresenta competências próprias que decorrem da lei.

 

 

C) Da exceção de não cumprimento no contrato interadministrativo

 

29º

O acordo celebrado entre o Autor e a primeira Ré consiste num contrato interadministrativo, visto que se trata de um acordo de vontades que tem por fim gerar obrigações recíprocas entre dois entes públicos.

 

30º

Neste caso, o município obriga-se a requalificar a zona histórica e a criar novos parques de estacionamento, enquanto a junta de freguesia fica obrigada a permitir a instalação de parquímetros nessa zona.

 31º

Os contratos interadministrativos encontram-se regulados no artigo 338º CCP, sendo que o seu nº1 estabelece que o regime substantivo dos contratos administrativos não se aplica aos contraentes que se contratem em posição jurídica paritária e seguindo uma ótica de harmonização do desempenho das respetivas atribuições.

 

32º

Ora, já se sabe que, em matéria de parqueamento urbano, tanto a junta de freguesia como o município têm atribuições e competências nessa área (cf. pontos 22º, 23º, 24º e 25º da presente petição inicial).

 

33º

No contrato celebrado entre o Autor e a primeira Ré, estamos, portanto, perante uma situação de bilateralidade e paridade jurídica – existência de obrigações recíprocas entre os dois entes públicos – e em que há uma tentativa de harmonização das atribuições dos órgãos em matéria de parqueamento urbano.

 

34º

Todavia, seguimos o entendimento que alguns institutos jurídicos do regime substantivo dos contratos administrativos também se aplicam aos contratos interadministrativos entre contraentes em situação de paridade jurídica, como é o caso da exceção de não cumprimento (neste sentido, cf. ALEXANDRA LEITÃO, Lições de Direito dos Contratos Públicos, Parte Geral, AAFDL, 2014).

 

35º

Nos contratos de cooperação partidária, a exceção ao não cumprimento do contrato pode ser invocada por todos os contraentes, pois a sua aplicação não depende de quem são as partes, mas sim da natureza sinalagmática do contrato.

 

36º

A exceção de não cumprimento encontra-se regulada nos artigos 327º CCP e 428º CC, de onde se retiram os seguintes pressupostos: i) bilateralidade do contrato; ii) prazos idênticos para as obrigações; iii) a recusa em cumprir não implica grave prejuízo para a realização do interesse público.

 

 

37º

Não há dúvidas de que o primeiro pressuposto se encontra preenchido, como já foi supra mencionado (cf. pontos 29º, 30º e 33º).

 

38º

A existência de prazos diferentes é limite apenas ao contraente que esteja obrigado a cumprir em primeiro lugar, continuando a ser admissível para o outro o recurso à excepção de não cumprimento” (cf. Acórdão do STJ, de 22-01-2013: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b6bf335b22c7233c80257afd004ee70f?OpenDocument).

 

39º

No presente caso, foi a Ré que primeiramente se comprometeu a restaurar o centro histórico e a construir parques de estacionamento na zona.

 

40º

Logo, encontra-se igualmente preenchido o segundo pressuposto, que decorre do artigo 428º, nº1, CC.

 

41º

Por fim, a recusa em aceitar a implementação de parquímetros em Carnitas não causa prejuízo à prossecução do interesse público.

 

42º

Isto porque, neste caso, o interesse público subjacente à instalação de parquímetros corresponde, sobretudo, ao interesse dos moradores da junta de freguesia de Carnitas em terem a situação do estacionamento nessa área mais regularizada.

 

43º

E, como se verificou através da ação popular, é do interesse geral dos moradores e dos comerciantes de Carnitas que não sejam instalados parquímetros na autarquia antes de ser feita a restauração do seu centro histórico e de serem criados parques de estacionamento.

 

44º

O princípio da prossecução do interesse público decorre dos artigos 266º, nº1, CRP e 4º CPA e constitui "o verdadeiro fio condutor da actividade administrativa pública" (cfr. JOÃO CAUPERS, Introdução Ao Direito Administrativo, 11ª edição).

 

45º

Decorre ainda do nº 1 do artigo 235º CRP que as “autarquias locais (…) visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas”.

 

46º

Logo, cabe à junta e ao município, em primeiro lugar, garantir e satisfazer as necessidades coletivas que as respetivas populações sintam.

 

47º

O que, neste caso, não se verifica com a instalação dos parquímetros, visto que nem os próprios moradores aceitam a antecipação da sua implementação. E é o interesse dos moradores que deve ser tido em principal consideração.

 

48º

Portanto, o incumprimento da obrigação de acatar a instalação dos parquímetros não gera nenhum prejuízo para a prossecução do interesse público, estando assim verificado o terceiro requisito.

 

49º

Logo, pode a junta de freguesia recusar-se a aceitar a instalação de parquímetros, com base na exceção de não cumprimento do contrato (artigos 327º, nº1, CCP e 428º, nº1, CC).

 

50º

A primeira Ré está, portanto, obrigada à requalificação do centro histórico da autarquia e à construção de parques de estacionamento nessa zona.

 

 

D) Do direito de resistência, ação direta e de ação popular

 

51º

O uso da força, para afastar ou impedir a produção de efeitos em ordens que ofendam direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos, pode ser legitimado com base no direito de resistência, consagrado no artigo 21º CRP.

 

52º

A ordem de instalação dos parquímetros ofende diversos direitos e interesses dos moradores de Carnitas, nomeadamente o direito de audiência prévia dos interessados, como já foi supra mencionado (cfr. pontos 13º e ss.).

 

53º

Outro meio legítimo de auto-tutela é o de ação direta, cujo regime se encontra no artigo 336º CC e se pode aplicar por analogia à presente situação, seguindo um argumento de identidade de razão.

 

54º

De facto, estão verificados os requisitos que constam do artigo 336º, nº1, CC, para a ação direta: i) recurso à força; ii) fim de assegurar um direito (ou interesse) próprio; iii) impossibilidade de recorrer em tempo útil à hetero-tutela, de modo a evitar inutilidade prática do direito; iv) proporcionalidade entre o direito a proteger e o dano ou prejuízo causado.

 

55º

O Autor e os moradores da autarquia recorreram à força, retirando os parquímetros, de modo a assegurarem os seus direitos e interesses legalmente protegidos, sejam eles o direito de audiência prévia dos interessados ou o direito de a primeira Ré cumprir primeiramente com os seus compromissos.

 

56º

Além disso, recorrer à hetero-tutela não traria efeito útil à proteção dos direitos supra mencionados, pois os meios coercivos normais poderiam agir tarde de mais ou poderiam implicar custos desnecessários aos interessados.

 

 

57º

Por fim, há adequação entre o direito a assegurar e o dano causado, pois os parquímetros foram arrancados com o intuito de serem devolvidos à segunda Ré, encontrando-se em bom estado, sem qualquer sinal de deterioração.

 

58º

Consideramos, portanto, lícito o comportamento do Autor e dos moradores, visto que se insere no âmbito da ação direta, um meio legítimo de auto-tutela.

 

59º

A Constituição consagra ainda, no seu artigo 52º, nº3, o direito de ação popular: um direito fundamental de tutela de interesses transindividuais, de uma totalidade de titulares, para fins diversos.

 

60º

Alguns desses fins encontram-se elencados no artigo 1º, nº2, da Lei nº 83/95, de 31 de agosto (doravante Lei do Direito de Ação Popular, LAP), sendo de destacar, no presente caso, a proteção da qualidade de vida e do domínio público, bem como a defesa da autarquia local.

 

61º

Nos termos do artigo 2º, nº1, LAP, “quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos” são titulares do direito de ação popular.

 

62º

O artigo 12º, nº1, LAP remete as formas de ação popular administrativa, neste caso, para o artigo 9º, nº2, CPTA, que prevê a ação popular administrativa genérica, segundo a qual “qualquer pessoa, bem como (…) as autarquias locais (…) têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como (…) o urbanismo (…) e os bens do Estado, (…) e das autarquias locais”.

 

63º

Portanto, é legítima esta ação popular de impugnação de atos administrativos lesivos de direitos e interesses coletivos.

 

E) Da imparcialidade e incompetência da segunda Ré

 

64º

O artigo 9º CPA consagra o princípio da imparcialidade, segundo o qual a Administração Pública deve adotar soluções procedimentais que preservem a isenção administrativa e a confiança nessa isenção.

 

65º

Os titulares de órgãos da Administração Pública não podem intervir em procedimento ou ato administrativo quando nele tenha interesse o seu cônjuge, segundo o artigo 69º, nº1, alínea b), CPA.

 

66º

Ora, foi exatamente isso que aconteceu quando Penélope Filião, esposa do Presidente da Câmara e Presidente do Conselho de Administração da EMULTA, segunda Ré, ordenou a imediata recolocação dos parquímetros.

 

67º

O nosso ordenamento jurídico não admite situações de promiscuidade e de ausência de imparcialidade como a que ocorreu, pelo que este ato onde interveio Penélope Filião deve ser anulado, nos termos do artigo 76º, nº1, CPA.

 

68º

Mais ainda, a segunda Ré não tem atribuições no domínio da Polícia municipal, pelo que a Presidente do Conselho de Administração não lhes pode dar ordens.

 

 69º

Quem dispõe de atribuições nesse domínio é o Município, nos termos do artigo 23º, nº2, alínea o), LAL.

 

70º

Portanto, é nula a ordem à Polícia Municipal, por vício de incompetência absoluta da EMULTA nesse domínio, nos termos do artigo 161º, nº2, alínea b), CPA.

 

III – DO VALOR DA CAUSA

 

Valor: X milhares de euros

 

 

IV – DA PROVA TESTEMUNHAL

 

[inserir moradores da junta de Freguesia de Carnitas]

 

 

Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a presente ação ser julgada procedente por provada.

 

 

Os Advogados

Joana Luís Gonçalves – nº 28204

Joana Melo – nº 28533

João Pinto Ramos – nº 28375

Ricardo Cunha – nº 26744

 

2º Ano, Turma B, Subturma 10

Ano Letivo 2016/2017

 

 

 

 

 

 

 

 

Simulação de julgamento: Contestação - Defesa da EMULTA

 

A defesa da empresa municipal EMULTA têm algumas considerações a apresentar sobre o caso agora em julgamento.

            Antes de mais, consideramos ter de salientar que, nos termos do artigo 1º/1 do seu Estatuto, a EMULTA tem personalidade jurídica própria. Constitui, portanto, uma entidade distinta da Câmara Municipal de Listejo (CM).

            Em relação à instalação de parquímetros, nos termos do artigo 5º/2 do Regulamento Geral de Estacionamento do Município de Listejo, a autorização para prática destes atos é da CM, regime que vai conforme ao previsto no artigo 5º/1 alínea d) do Decreto-lei nº 44/2005. A EMULTA é o meio encontrado pela CM para construir, gerir, explorar, manter e vigiar os locais de estacionamento público, conforme o artigo 3º/2 do seu Estatuto. Para este efeito, a CM pode delegar algumas das suas competências, nos termos do artigo 5º do Estatuto da EMULTA, à EMULTA. Assim sendo, não vemos motivos para considerar ilegal a colocação dos parquímetros.

            Talvez seja possível contestar a instalação dos parquímetros ao alegar que, nos termos do artigo 16º/1 ff) da Lei nº 75/2013, que a competência para proceder à manutenção e conservação dos passeios é da competência da Junta de Freguesia. Mas não nos confundamos! A competência para manter e conservar os passeios nada mais estabelece que isso mesmo. Quer isto dizer que não se confunde com a competência para decidir ou não da instalação de parquímetros. Essa competência, como foi estabelecido em cima, é da CM.

            Consideraremos, agora, a atuação dos particulares ao recorrer à força para retirar os parquímetros que tinham sido legalmente instalados. O Presidente da Junta de Freguesia fala numa ação popular direta. Ação popular certamente não será. Nos termos do artigo 52º/3 CRP, é conferido o direito de ação popular a pessoas singulares e a associações de defesa dos interesses em causa. A Junta de Freguesia nem é uma, nem outra. Mesmo que fossem apenas os moradores de Carnitas, o mecanismo da ação popular é, atendendo ao disposto no artigo 12º da Lei nº 83/95, um direito de índole processual.

            Também não estamos perante uma ação direta, nos termos do artigo 336º CC, uma vez que não preenche os pressupostos de impossibilidade de recurso aos meios de tutela normais, bem como o requisito da indispensabilidade da ação. O mesmo se diga do direito de resistência, consagrado no artigo 21º CRP, justamente por não preencher o pressuposto de impossibilidade de recurso para uma autoridade.

            Também podemos recusar a licitude da ação pela existência de estado de necessidade da Administração, em relação a Fábio Sem Terra, uma vez que, nos termos do artigo 3º/2 CPA, esta conduta teria de ser a única possível para assegurar os direitos da população. De novo, o caso em julgamento não parece cumprir os requisitos.

            Tendo em conta o que acima foi dito, não podemos considerar a ação dos habitantes de Carnitas como legal. Num Estado de Direito, com meios de tutela legitimados para o efeito, afigura-se-nos impensável este recurso automático à autotutela. Preocupante, também, é a liderança do autarca. Como uma figura que deveria liderar e encorajar os habitantes da freguesia a cumprirem com ideias de justiça e de legalidade, faz um trabalho desadequado. Prefere a violência de um Estado de Natureza digno do pensamento de Rousseau a um Estado de Direito e a sua inerente civilização, que têm como princípio geral a proibição do uso da força.

            A atuação dos moradores de Carnitas e do Presidente da Junta de Freguesia é proibida e punida, uma vez que constitui uma intervenção não autorizada no equipamento de controlo de acesso e estacionamento, para efeitos do disposto no artigo 4º/2 do Regulamento Geral de Estacionamento do Município de Listejo.

            Em relação à recolocação dos parquímetros pela Polícia Municipal há alguns aspetos a referir. Primeiro, pode parecer estranho à primeira vista ver a Presidente do Conselho de Administração da EMULTA a dar ordens à Polícia Municipal. No entanto, esta situação é perfeitamente conforme a lei, nomeadamente com o artigo 5º/2 alínea a) dos Estatutos da EMULTA, que permite a delegação de competências e prerrogativas de autoridade, tanto para defesa do património da EMULTA como para a fiscalização do cumprimento do Código da Estrada e outros diplomas complementares, como o Regulamento Geral de Estacionamento do Município de Lisboa.

            Em segundo lugar, a recolocação dos parquímetros não é um ato que deva ser encarado com desconfiança. Eles foram instalados legalmente e depois desinstalados de forma ilícita. A sua recolocação é apenas o retorno ao cenário que existiria se a lei tivesse sido constantemente observada.

            Importa, agora, referir o abaixo-assinado entregue a Francisco Filião por Fábio Sem Terra. Antes de mais, a CRP consagra, no seu artigo 52º/1, um direito de petição a qualquer autoridade. Portanto, é possível apresentar tal abaixo-assinado. Coisa distinta são os efeitos da sua apresentação. Obviamente, por respeito ao princípio da prossecução do interesse público, consagrado nos artigos 266º/1 CRP e 4º CPA, ele deve ser considerado pelo decisor, neste caso a CM. No entanto, como notam os professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, a atividade administrativa prende-se, frequentemente, com a limitação de direitos particulares em prol do interesse da comunidade. Pelo que o decisor não pode ficar vinculado ao abaixo-assinado, sendo-lhe legítimo decidir de forma contrária a este.

            Em relação à acusação de Fábio Sem Terra, da ilegalidade da liderança do “casal Filião” do destino do município, podemos questionar a sua legitimidade. Tanto Penélope como Francisco foram escolhidos para os seus cargos através dos modos previstos na lei. Embora a nomeação do Presidente do Conselho de Administração da EMULTA compita ao município de Lisboa, nos termos dos artigos 8º/1 e 11º/1 dos Estatutos da EMULTA, não podemos apenas com base nisto afirmar que existe uma nomeação ilícita de Penélope para o cargo. Apesar de ser mulher do Presidente da CM, nada impede que seja também a pessoa indicada para o cargo. E sem acrescentar qualquer prova à sua declaração, Fábio Sem Terra parece apenas estar a injuriar o bom nome de Penélope Filião.

            Em relação às pretensões de Fábio Sem Terra, pensamos que, do que já foi dito, se ter provado para lá de qualquer dúvida, a legalidade das ações de colocação e recolocação dos parquímetros. Em relação às repetidas exigências de requalificação do centro histórico e de construção de parques de estacionamento, não sendo nenhuma delas de competência da EMULTA, mas sim da CM, não nos compete tecer qualquer comentário. O mesmo se diga em relação à anulação do Regulamento Geral de Estacionamento.

            Concluímos, assim pela inocência da EMULTA, que viu a sua propriedade ser ilegalmente removida e reagiu licitamente ao ordenar a sua recolocação. As calúnias de Fábio Sem Terra também carecem de qualquer fundamento.

Gabinete jurídico da EMULTA:

Ana Rita Machado

Francisco Maria de Azevedo

Francisco Caetano

As garantias administrativas- legalidade e mérito

Segundo João Caupers, as garantias são meios jurídicos de defesa dos particulares contra o comportamento lesivo da Administração Pública. Existem vários tipos de garantias: as garantias políticas, as garantias administrativas e garantias contenciosas.

Este post incidir-se-á sobre as garantias administrativas, dentro das quais temos de distinguir, por um lado, entre aquelas que funcionam como garantias de legalidade e as que funcionam como garantias de mérito, ou seja, que não visam apreciar a legalidade de um ato, mas o seu mérito. Por um lado, é importante distinguir as garantias petitórias, dentro das quais se insere o direito de queixa, o direito de petição, o direito de representação, o direito de denúncia e o direito de oposição administrativa que têm por base um pedido, das garantias impugnatórias, nas quais se insere a reclamação e os recursos hierárquicos, que têm por base uma impugnação, nas quais há um ato administrativo a impugnar.

Posto isto, podemos definir as garantias administrativas como aquelas que se efetivam através de um órgão da Administração Pública, aproveitando, de certa forma, as próprias estruturas administrativas e os controlos de mérito e de legalidade por elas utilizadas. Por outras palavras, as garantias são instrumentos que o Direito Administrativo concede aos particulares para que estes possam defender os seus interesses e direitos, e defender-se quando entendam que a atuação da administração poderá estar a ser lesiva em alguma medida. O recurso das garantias administrativas encontra-se devidamente expresso tanto no CPA, como no CPTA. Analise-se agora as garantias administrativas em si.

As garantias petitórias

No âmbito das garantias petitórias é importante considerar o direito de petição, o direito de representação, o direito de queixa, o direito de denúncia e o direito de oposição administrativa. Analise-se agora cada um destes direitos.

O direito de petição consiste na faculdade de dirigir pedidos à Administração Pública para que tome determinadas decisões, forneça informações ou permita o acesso a arquivos seus a processos pendentes. Assim, entende-se que este direito não tem caráter impugnatório, pelo contrário, pressupõe que falta uma determinada decisão ou que é necessário fornecer informação adicional que só a Administração Pública pode facultar.

O direito de representação é a faculdade de pedir ao órgão administrativo que tomou uma decisão que a reconsidere ou confirme, em vista de previsíveis consequências negativas da sua execução. Desta forma, entende-se que no direito de representação pressupõe-se a existência de uma decisão anterior e, nesta medida, trata-se de uma figura distinta do direito de petição. Neste sentido, entende-se que o particular aceita, em principio a decisão já tomada, ou pelo menos não a vai impugnar para já, ao contrário do que acontece nas reclamações e nos recursos.

Assim, o particular exerce o seu direito de representação, não para que a Administração Pública revogue ou substitua a decisão tomada, mas sim para chamar a atenção do órgão competente para as possíveis consequências da decisão e para obter do seu autor uma reponderação e uma confirmação escrita da decisão em causa, de modo a excluir a responsabilidade de quem vai ter de cumprir ou executar a decisão.

Quanto ao direito de queixa, este consiste na faculdade de promover a abertura de um processo que culminará na aplicação de uma sanção a qualquer entidade sujeita ao poder sancionatório da Administração. Neste sentido, não estamos perante uma figura petitória stricto sensu, porque não se limita a fazer um pedido genérico, nem estamos perante uma figura impugnatória, porque não se pressupõe a existência de uma decisão prévia tomada pelo órgão ou agente de quem se apresenta queixa. Desta forma, o poder cujo o exercício a queixa desencadeia é o poder sancionatório, ou seja, o poder de aplicae sanções administrativas a alguém.

Assim, o particular queixa-se do comportamento de alguém, não se queixa do ato em si, visto que não há queixas de atos jurídicos, mas sim de pessoas ou de comportamentos de pessoas, com vista à aplicação de sanções adequadas a essas mesmas pessoas. No que diz respeito ao direito de denúncia, este é o ato pelo qual o particular leva ao conhecimento de certa autoridade a ocorrência de um determinado facto ou a existência de uma certa situação sobre os quais aquela autoridade tenha, por dever de ofício, a obrigação de investigar. Neste sentido, há uma relação entre a queixa e a denúncia, pois toda a queixa é uma denúncia em que se faz a denúncia do comportamento de alguém.

No entanto, nem toda a denúncia é uma queixa, pois só há queixa quando esta tem por objeto o comportamento de uma certa entidade, ao passo que pode haver denúncias que tenham por objeto outras realidades que não o comportamento de pessoas singulares ou coletivas.

Por fim, temos então o direito de oposição administrativa. Este define-se como uma figura de contestação que em certos procedimentos administrativos, os contra-interessados têm o direito de apresentar para combater quer os pedidos formulados por outrem à Administração, quer as iniciativas da Administração que esta tenha resolvido divulgar ao público. Neste contexto, admite-se direito de oposição administrativa ao pedido formulado por um particular à Administração Pública. Por exemplo, um particular solicita à Administração Pública licença para exercer uma certa atividade condicionada, sendo que a lei prevê que os seus concorrentes do mesmo ramo de negócios venham ao processo deduzir oposição ao pedido do particular, a fim de fazerem valer as razões legais que porventura tenham contra o deferimento da pretensão apresentada.

No entanto, existe outra modalidade de contestação, aquela em que a Administração Pública toma a iniciativa de divulgar um determinado projeto de interesse público, por exemplo, a construção de uma estrada, sendo que a lei concede a certas pessoas ou entidades o direito de deduzirem oposição a esse projeto da Administração.

Assim, após a análise destes direitos, depreende-se que estamos perante garantias petitórias porque todos assentam na existência de um pedido dirigido à Administração Pública para que esta considere as razoes ou pontos de vista do particular que executa o pedido.

As garantias Impugnatórias

As garantias impugnatórias têm como pressuposto uma atuação da administração que seja lesiva para o particular e, podem definir-se como meio de defesa do particular relativamente a tal comportamento com determinados fundamentos, com vista à sua revogação, anulação administrativa ou modificação, nos termos do artigo 184º/1 e 2 CPA.

As garantias impugnatórias podem definir-se, assim, como meios de impugnação de atos administrativos perante os órgãos da Administração Pública. Os principais tipos de garantias administrativas estão presentes nos artigos 191º a 199º do CPA.

Estas garantias podem assumir a forma de reclamação, que consiste no meio de impugnação de um ato administrativo perante o seu próprio autor. Desta forma, fundamenta-se esta garantia na circunstância de os atos administrativos poderem ser revogados ou anulados pelo órgão que os tiver praticado e, assim, depreende-se que quem praticou um ato administrativo não se recusará a rever e, eventualmente, a revogar, anular, substituir ou modificar um ato por si anteriormente praticado.

Em regra, pode reclamar-se de qualquer ato administrativo, no entanto, não é possível reclamar de ato que decida anterior reclamação ou recurso administrativo, salvo com fundamento em omissão de pronúncia, de acordo com o disposto no artigo 191º CPA. Caso contrário, todas as decisões de reclamações seriam suscetíveis de novas reclamações.

A reclamação, quando interposta, suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal, conforme expresso no artigo 190º/3 CPA. No entanto, a suspensão não impede o interessado de proceder à impugnação contenciosa do ato na pendência da impugnação administrativa nem de requerer a adoção de providências cautelares (Artigo 190º/4 CPA).

O prazo para apresentar uma reclamação, salvo lei especial, é de 15 dias (Artigo 191º/3 CPA) e, o prazo para o órgão competente decidir sobre a reclamação é de 30 dias (Artigo 192º/2 CPA). Em caso de silêncio do órgão competente, segue-se um novo regime de reação contra a omissão de atos ilegais, o recurso administrativo ou ação de condenação à prática do ato devido (Artigo 192º/3 CPA). Relativamente ao efeito suspensivo ou não suspensivo da reclamação, veja-se os artigos 189º e 190º do CPA.

As garantias impugnatórias podem também assumir a forma de recurso hierárquico. O recurso hierárquico define-se como a garantia administrativa dos particulares que consiste em requerer aos superior hierárquico de um órgão subalterno a revogação ou anulação de um ato administrativo ilegal por ele praticado ou a prática de um ato ilegalmente omitido. O regime aplicável a esta garantia encontra-se nos artigos 193º e seguintes do CPA. Transcrevendo as palavras de João Caupers, a decisão do recurso hierárquico não tem sempre o mesmo âmbito material: o superior hierárquico pode, com fundamento nos poderes hierárquicos, confirmar ou revogar o ato recorrido ou, ainda reclamar a respetiva nulidade.

O ato pode ainda ser substituído ou modificado, exceto quando existe competência exclusiva do autor, ou seja, quando o superior hierárquico carece de competência dispositiva sobre a matéria em causa. Desta forma, entende-se que tanto no caso da impugnação de atos ilegais como no de reação contra omissão ilegal de atos, o superior hierárquico pode substituir-se ao subalterno, exceto se este dispuser de competência exclusiva, caso em que, se der provimento a recurso, só pode ordenar ao subalterno a prática de atos que se lhe afigurarem adequados, de acordo com o disposto no artigo 197º/1 CPA.

O recurso hierárquico apresenta uma estrutura tripartida. Por um lado, temos o recorrente, ou seja, o particular que interpõe o recurso; por outro lado, temos o recorrido, ou seja, o órgão subalterno de cuja a decisão se recorre; e, por fim, temos o órgão decisório, entenda-se este como órgão superior para quem se recorre e que deve legalmente decidir o recurso.

Assim, são pressupostos do recurso hierárquico, a existência de uma hierarquia, que tenha sido praticado ou omitido um ato administrativo por um subalterno e, por fim, que esse subalterno não tenha competência exclusiva. Estes pressupostos são cumulativos.

O recurso hierárquico é sempre dirigido ao mais elevado superior hierárquico do autor do ato ou da omissão, se a competência para a decisão se encontrar delegada ou subdelegada, conforme o disposto no artigo 194º/1 CPA.

Quanto ao prazo do recurso, se este tiver por objetivo a impugnação de um ato, e este tiver de ser notificado ao interessado, o prazo só corre a partir da data de notificação, de acordo com o artigo 188º/1 CPA. No entanto, nos restantes casos, o prazo conta-se a partir da publicação, notificação ou conhecimento do ato ou da sua execução, conforme o que ocorre no primeiro (188º/2 CPA); vigora o disposto no artigo 198º/1 do CPA que determina que quando a lei não fixe o prazo diferente, então o prazo é de 30 dias para o prazo de interposição do recurso hierárquico necessário. Se o recurso tiver por objeto contestar a omissão legal de um ato, o prazo para a respetiva interposição, conta-se da data do incumprimento do dever de decisão, de acordo com o nº3 do artigo 188º do CPA.

Desta forma, a lei fixa o prazo de 30 dias para a interposição do recurso, salvo nos casos especialmente previstos na lei. Desta forma, se o recurso não for interposto dentro do prazo, a impugnação contenciosa que venha depois a dirigir-se contra o ato pelo qual o superior decida o recurso será extemporânea e, consequentemente, rejeitada por ter sido proposta fora do prazo estabelecido.

Assim, a interposição do recurso hierárquico, como qualquer outro recurso, pode produzir efeitos jurídicos, como o efeito suspensivo e o efeito não suspensivo. Por um lado, o primeiro efeito jurídico, o efeito suspensivo, consiste na suspensão automática da eficácia do ato recorrido, ou seja, o ato impugnado fica suspenso atá à decisão final do recurso. No nosso Direito, os recursos hierárquicos necessários têm efeito suspensivo, ao passo que os facultativos não têm (Artigo 189º/1 e 2 CPA), salvo se a lei ou o órgão decidir em contrário, conforme o nº 2 a 4 do mesmo artigo.

Por outro lado, o segundo efeito jurídico, o efeito não suspensivo, consiste no facto de o ato recorrido manter a sua eficácia, enquanto o superior hierárquico competente não decidir sobre ele, sem prejuízo de um superior hierárquico poder, oficiosamente ou a requerimento do interessado, suspender o ato recorrido (Artigo 189º/ 2 a 4 CPA).

No caso de ser interposto um recurso hierárquico de certo ato administrativo, e a autoridade não se pronunciar no prazo normal, aplica-se o disposto nos artigos 66º e seguintes do CPTA, em matéria de ação administrativa de condenação à prática do ato devido.

No entender de Freitas do Amaral, a decisão do recurso hierárquico nunca pode ser qualificada como ato da função jurisdicional, pois falta-lhe as principais características dessa função, nomeadamente a intervenção de um tribunal e a produção do caso julgado.

As garantias impugnatórias também podem apresentar a forma de recursos hierárquicos impróprios, em que a impugnação é feita perante autoridades administrativas que, não sendo superiores hierárquicos do autor do ato impugnado, são órgãos da mesma pessoa coletiva e exercem sobre o autor do ato impugnado poderes de supervisão (recursos administrativos especiais, segundo o artigo 199ºCPA).

Por fim, estas garantias podem ainda assumir a forma de recurso tutelar, em que a impugnação é feita perante uma entidade tutelar, isto é, perante um órgão de outra pessoa coletiva diferente daquele cujo órgão praticou o ato impugnado e que exerce sobre esta poderes de tutela ou de superintendência (recurso administrativo especial, segundo o artigo 199ºCPA).

A queixa ao Provedor de Justiça

Trata-se de uma alta autoridade administrativa, eleita pelo Parlamento, que é independente do Governo, da Administração e dos Tribunais, e que tem por função receber queixas dos particulares contra ações ou omissões da Administração Pública e utilizar a sua autoridade, o seu poder de persuasão, para levar as autoridades administrativas a reparar as injustiças ou as ilegalidades que tiverem cometido, ou a alterar as decisões que possam ser consideradas má administração.

Neste contexto, é importante conceber uma alta autoridade, independente, que, com espírito de justiça, estude, nos casos concretos que lhe sejam apresentados pelos particulares, as queixas que eles tiverem para lhe formular.

O Provedor de Justiça pode ocupar-se de quaisquer questões que sejam levadas perante ele relativamente às atividades dos poderes públicos, por ação ou omissão, podendo ele ocupar-se tanto de questões de legalidade como de questões de mérito. No entanto, no âmbito da prática portuguesa, o Provedor de Justiça funciona como órgão de controlo de legalidade administrativa, de caráter gratuito e mais rápido que os tribunais administrativos.

Assim, é importante realçar que o Provedor de Justiça não tem poder decisório, ou seja, não pode anular ou revogar atos administrativos, nem pode substituir-se às autoridades competentes para praticar em vez delas os atos que considere legalmente devidos, ou para substituir atos injustos ou inconvenientes por atos que considere mais justos ou mais convenientes.

Os poderes deste são apenas poderes persuasórios, uma vez que estuda cada caso concreto e, se entender que o particular tem razão na sua queixa, dirige recomendações às autoridades competentes.

O Provedor de Justiça só pode formular recomendações jurídicas necessárias para prevenir ou reparar injustiças, além de, o uso da teoria dos poderes implícitos, poder dialogar com as autoridades administrativas em causa e, até certo ponto, pressioná-las para que cumpram a lei ou corrijam os erros ou omissões, no sentido de revogar, anular ou substituir um ato, ou ainda, no caso de o ato ter sido omitido ou que esteja a tardar, no sentido de ser rapidamente praticado.

 

Bibliografia:

- FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2.ª ed., 2013, Almedina, Coimbra, pp. 50 - 69, 84 - 128;

- CAUPERS, João, «Introdução ao Direito Administrativo», Âncora editora, 2013, pp. 103-104 

 

Helena Carolina de Freitas, nº 26073 

Simulação de Julgamento - Grupo dos Juízes

Autor: Fábio Sem Terra, Presidente da Junta de Freguesia de Carnitas

Primeira Ré: Câmara Municipal de Listejo

Segunda Ré: EMULTA – Empresa Municipal de Parques de Estacionamento

Matéria de facto:

(Tem-se por pressuposta a matéria de facto)

Matéria de Direito:

  1. O Autor celebrara um acordo interadministrativo (regulado no artigo 338.º do CCP) com a primeira Ré, na pessoa de Francisco Filão, Presidente da Câmara Municipal de Listejo, no qual esta se comprometeu a requalificar o centro histórico e a construir parques de estacionamento para a zona em questão, enquanto à Junta de Freguesia caberia permitir a instalação dos parquímetros nessa zona.
  2. Tendo em conta que nenhuma das partes pôs em causa a natureza jurídica destes compromissos ou do acordo celebrado entre o Autor e a Primeira Ré, têm-se por provados o caráter jurídico e, portanto, vinculístico, dos compromissos, bem como o cariz negocial dos mesmos.
  3. A segunda Ré, após autorização da primeira, procedeu à instalação de parquímetros na zona histórica da autarquia. Isto apesar de, até à data, os compromissos assumidos nesse acordo não terem sido cumpridos.
  4. Nos termos do artigo 33.º, n.º 1, alínea rr), da Lei nº 75/2013, de 12 de setembro, doravante designada por Lei das Autarquias Locais (LAL), compete à Câmara Municipal deliberar sobre o estacionamento de veículos nas vias públicas e demais lugares públicos.
  5. De acordo com o artigo 2.º do DL n.º 81/2006, cabe à Câmara Municipal aprovar a localização dos parques e zonas de estacionamento, bem como definir as condições de utilização e taxas devidas. Assim sendo, embora seja a EMULTA a proceder à colocação dos parquímetros, este ato estava sujeito a passar pelo crivo da Câmara Municipal de Listejo.
  6. Não obstante, as freguesias dispõem de atribuições nos domínios do ordenamento e do equipamento urbano, nos termos do disposto no artigo 7.º, n.º 2, alíneas a) e j) da LAL.
  7. Deve ainda conjugar-se este preceito com a Lei nº 56/2012, referente à Reorganização Administrativa de Lisboa, cujo artigo 12.º, n.º 1, alínea g), consagra que é da competência própria das Juntas de Freguesia lisboetas: “Atribuir licenças de utilização/ocupação da via pública (…)”. Por argumento de identidade de razão, parece-nos razoável a aplicação analógica da Lei nº 56/2012 ao município de Listejo.
  8. Portanto, o parqueamento urbano engloba-se tanto nas competências do município como nas atribuições e competências da junta de freguesia.
  9. Neste sentido e tomando em conta o princípio da legalidade e da boa fé, do qual decorrem deveres acessórios de lealdade, informação e proteção, alega a defesa do Autor que existia um dever de a primeira Ré (a Câmara Municipal) solicitar o auxílio da junta de freguesia de Carnitas, através da figura do auxílio administrativo, que consta do artigo 66.º do CPA.
  10. Não tendo a junta de freguesia sido devidamente informada acerca da instalação dos parquímetros, matéria sobre a qual apresenta competências próprias que decorrem da lei, o tribunal entende haver uma violação do princípio da boa fé por parte da Câmara Municipal, consagrado no artigo 10.º do CPA e 266.º, n.º 2 da CRP.
  11. Coloca-se ainda a questão respeitante à falta de comunicação do ato aos moradores. Nos termos do artigo 110.º, n.º 1 do CPA, o início do procedimento tem que ser notificado às pessoas cujos direitos ou interesses legalmente protegidos possam ser lesados pelos atos a praticar e que possam ser desde logo nominalmente identificadas.
  12. Para identificar os possivelmente interessados, deve a entidade administrativa, neste caso, a Câmara Municipal, incorrer nos esforços necessários para apurar quem são os interessados, com base no princípio do inquisitório (artigo 58.º do CPA).
  13. Embora neste caso não seja líquido que seja possível identificar nominalmente todos os interessados na colocação dos parquímetros, nomeadamente, os moradores de Carnitas, tendo em conta que a Câmara Municipal nem a tanto se deu trabalho, e sendo certo que pelo menos o Autor, Presidente da Junta de Freguesia de Carnitas, devia ter sido informado, entendemos que a Câmara Municipal violou o princípio do inquisitório.
  14. Entendemos estar-se igualmente perante uma violação do princípio da boa fé supra mencionado no que respeita à frustração da confiança suscitada pelo Município nos moradores, ao comprometer-se a condutas que nunca chegou a realizar e ao não comunicar o ato, quer à junta de freguesia, quer aos moradores, fazendo-os incorrer na legítima expectativa de que não seriam colocados parquímetros no centro histórico.
  15. A violação dos princípios da boa fé e do inquisitório poderia culminar na aplicação do artigo 163.º, n.º 1 do CPA, que admite a anulabilidade do ato ofensivo de princípios jurídicos.
  16. Os moradores de Carnitas tinham portanto a possibilidade de impugnar o ato, quer para que este fosse anulado por um tribunal administrativo, quer pela Administração Pública.
  17. Nos termos do artigo 169.º/3 CPA, por via administrativa, o ato apenas poderia ser anulado pelo órgão autor do ato, i.e, a Câmara Municipal de Listejo.
  18. Num plano prévio, tendo em conta que a Câmara Municipal é que era competente para autorizar o ato, e tendo em conta que teria sido o Presidente da Câmara de Listejo, Francisco Filião, a tomar tal decisão, vejamos se este pode tomar a decisão de colocação dos parquímetros, uma vez que a defesa do Autor colocou a questão. Uma vez que a sua cônjuge é a Presidente do Conselho de Administração da EMULTA, empresa municipal que explora os parquímetros em Listejo, há a possibilidade de estarmos perante uma situação de suspeição, nos termos do artigo 73.º, n.º 1, alínea a) do CPA. Havendo, com razoabilidade, dúvida séria de imparcialidade da decisão, devia o Presidente ter pedido dispensa de intervir no procedimento, algo que não fez.
  19. Para além disso, caso estejamos perante uma situação de impedimento, o que parece estarmos, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea b) do CPA, visto que a esposa do Presidente da Câmara é a Presidente do Conselho de Administração da EMULTA, tendo interesse na decisão favorável aos parquímetros, conclui-se que o Presidente da Câmara não podia intervir no procedimento: não podia, portanto, autorizar a colocação dos parquímetros. O ato seria, portanto, anulável, conforme consta do artigo 76.º da CPA.
  20. Para além de falta disciplinar (vide artigo 76.º, n.º 2 do CPA), o Presidente da Câmara de Carnitas pode perder o seu mandato por propositura de ação por parte do Ministério Público, conforme consta do artigo 8.º, n.º 2, da Lei .º 27/96, de 1 de agosto, Lei da Tutela Administrativa.
  21. A questão da nomeação da Presidente do Conselho de Administração da EMULTA, que compete ao município de Lisboa, nos termos dos artigos 8º, n.º 1 e 11.º, n.º 1 dos Estatutos da EMEL (aqui, aplicados por analogia), é uma questão que não se prende diretamente com o caso sub judice. Não tendo este Tribunal conhecimento da respetiva matéria de facto (nomeadamente, por não sabermos se foi o Presidente da Câmara Municipal a nomear a Presidente do Conselho de Administração da EMULTA e se, à época, era já Francisco Filião quem ocupava tal cargo), aconselha-se ação paralela para saber da licitude da nomeação.
  22. Temos vindo a referir os moradores de Carnitas como interessados no procedimento. Vejamos mais atentamente este ponto e quais as demais conclusões que daqui se podem retirar. Estando sujeitos à instalação dos parquímetros na zona do centro histórico da freguesia a que pertencem, são interessados no procedimento, nos termos do artigo 68.º, n.º 2 do CPA, pois que este pode traduzir-se em prejuízos relevantes.
  23. Os moradores e a autarquia não tinham que fazer prova do seu interesse e, nomeadamente, dos prejuízos que lhes poderiam advir da colocação dos parquímetros. Por via do princípio do inquisitório, cabe ao órgão administrativo que encabeça o procedimento, neste caso, a Câmara Municipal de Listejo, proceder às diligências necessárias para apurar quais os interessados no procedimento em apreço.
  24. Tendo em conta que a Câmara Municipal não procedeu a tais esforços e considerando também as atuações apaixonadas dos moradores, esta instância entende estarem os moradores desonerados de qualquer ónus de provar o seu interesse. Decidimos, portanto, que, quer os moradores, quer a Junta de Freguesia, são interessados no procedimento.
  25. Neste sentido e de acordo com o artigo 68.º, n.º 2, alíneas a) e c), quer os cidadãos, quer as autarquias locais, têm legitimidade para se constituírem interessados no procedimento, sendo, portanto, sujeitos da relação jurídica procedimental em causa, conforme consta do artigo 65.º/1 CPA.
  26. Sendo interessados, têm direito a ser ouvidos.
  27. É matéria de facto saber que não houve audiência prévia dos interessados para o ato de instalação dos parquímetros em Carnitas. A audiência prévia dos interessados é uma das fases do procedimento administrativo, consagrada nos artigos 80.º, 100.º e 121.º e ss. do CPA, e onde os interessados têm << o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final >> (v. artigo 121.º, n.º 1 do CPA).
  28. A exigência de audiência dos interessados decorre dos princípios da colaboração com os particulares e da participação (artigos 11.º e 12.º do CPA), bem como do princípio da democracia participativa, consagrado no artigo 2.º da CRP.
  29. Consagra ainda o artigo 267.º, n.º 5 da CRP o princípio da participação dos interessados nos seguintes termos: << [o] processamento da actividade administrativa (…) assegurará (…) a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito >>.
  30. Tendo em conta a consagração do princípio da participação dos interessados na Constituição da República Portuguesa, o direito de audiência prévia dos interessados, necessário para a concretização deste princípio, deve ser igualmente considerado direito fundamental. A presente instância perfilha, neste ponto, a orientação defendida por Paulo Otero, Sérvulo Correia e Vasco Pereira da Silva.
  31. Saber se o direito a audiência prévia é, ou não, um direito fundamental, é uma questão de Direito altamente controvertida na doutrina, pelo que referimos aquela que tem sido a decisão adotada pelo Supremo Tribunal Administrativo. De acordo com a doutrina de Diogo Freitas do Amaral, o direito a ser ouvido não é um direito fundamental, por não se encontrar diretamente ligado à dignidade humana.
  32. A questão tem relevância porquanto os atos que ofendam o <<conteúdo essencial de um direito fundamental>> são nulos (artigo 161.º, n.º 2, alínea d) do CPA), não produzindo quaisquer efeitos jurídicos (artigo 162.º, n.º 1 do CPA).
  33. Fazemos uma interpretação lata do termo <<conteúdo essencial de um direito fundamental>>, tendo em conta que qualquer violação a um direito fundamental é grave o bastante para que o ato resultante não deva produzir efeitos jurídicos. Tomamos também em conta, neste âmbito, o caráter meramente indicativo da enumeração do artigo 161.º, n.º 2 do CPA.
  34. A doutrina do direito fundamental entende, portanto, que o ato que surja com violação do dever de realizar audiência prévia é nulo, nos termos do artigo 161.º, n.º 2, alínea d) do CPA.
  35. Contrariamente, a doutrina de Freitas do Amaral defende ser o ato meramente anulável por violação da norma jurídica que obriga à audiência dos interessados, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do CPA.
  36. Toda esta discussão é passível de alargamento à consulta pública, que também deriva do princípio de participação dos interessados nas decisões administrativas. Seguimos, neste ponto, a orientação de Vasco Pereira da Silva.
  37. De todo o modo, Vasco Pereira da Silva encerra a discussão que vimos expondo ao afirmar que a não realização de uma audiência prévia devida, ainda que esta não fosse considerada um direito fundamental, sempre conduziria à nulidade do ato, por se estar perante a falta de uma formalidade essencial, nos termos do artigo 161.º, n.º 2, alínea g) do CPA.
  38. Tendo em conta tudo quanto tem sido aqui exposto, i.e,
    • Que os moradores de Carnitas são interessados no procedimento,
    • Que o direito a audiência prévia é um direito fundamental,
    • Que o direito a consulta pública é um direito fundamental,
    • Que a consequência da violação do dever de ouvir os interessados é a nulidade do ato, quer por violação de um direito fundamental, quer por falta de uma formalidade essencial,
    • É momento de saber se algum dos atos sub judice (o ato de colocação dos parquímetros pela EMULTA e o ato de autorização da colocação por parte da Câmara Municipal) exigia audiência prévia dos interessados ou respetiva consulta pública.
  39. As defesas das Primeira e Segunda Ré alegam que não se prevê quaisquer das situações dispostas no n.º 1 do artigo 124.º do CPA, pelo que não é admissível dispensa de audiência dos interessados.
  40. No entanto, de acordo com o artigo 124.º, alínea d) do CPA, se os interessados forem em número demasiado elevado, pode não haver lugar a audiência prévia, mas sim a consulta prévia. Aplicamos portanto o artigo 101.º, n.º 1 do CPA, que implica que o órgão competente, neste caso, a Câmara Municipal, tem a obrigação de submeter o projeto a consulta pública para recolha de sugestões, procedendo à sua publicação.
  41. Não tendo a Câmara Municipal procedido ao projeto de consulta pública e correspondente publicação, o vício de que o ato de autorização de colocação de parquímetros padecerá será, como constatámos supra, o mesmo que seria se se tratasse de violação de dever de audiência prévia: a nulidade.
  42. Já quanto ao ato de colocação dos parquímetros, levado a cabo pela EMULTA, entendemos padecer do mesmo vício, meramente porque tem a sua legitimação num ato que, por ser nulo, não produz efeitos jurídicos.
  43. Ambos os atos são, deste modo, nulos. Não produzem efeitos, nos termos do artigo 162.º, n.º 1 do CPA.
  44. Daqui resulta que os moradores poderiam, legalmente, desobedecer a qualquer imperativo que decorresse do ato nulo.
  45. Em princípio, desobedecer corresponderia, neste caso, a não pagar as taxas e fazer valer os seus direitos por via dos meios normais, nomeadamente impugnando os atos administrativos em causa.
  46. Coloca-se a questão de saber se estamos perante uma causa de justificação ou de escusa que torne admissível o recurso a meios de autotutela. Particularmente em causa estão quatro figuras: a ação popular; o estado de necessidade; a ação direta; o direito de resistência.
  47. Os representantes da EMULTA alegam que nenhuma dessas vias deve ser considerada procedente. A instância concorda pelos motivos que seguem.
  48. ação popular (prevista no artigo 52.º, n.º 3 da CRP) é um mecanismo processual, ao qual é estranho o uso da força física.
  49. estado de necessidade administrativa (consagrado no artigo 3.º, n.º 2 do CPA), caso se considerasse que a retirada dos parquímetros constitui um ato administrativo praticado pelo Autor, Presidente da Junta de Freguesia, não é também de defender: o ato só é válido se os seus resultados não pudessem ter sido alcançados de outro modo, o que, neste caso, não se verifica: Fabião Sem Terra deveria ter recorrido aos meios jurisdicionais, que, com certeza, resolveriam a questão.
  50. Relativamente à ação direta (cfr., artigo 336.º do CC) e ao direito de resistência (vide o artigo 21.º da CRP), ambos falham por falta de um dos seus pressupostos: a impossibilidade de recorrer à autoridade pública, aos meios coercivos normais. De facto, a população poderia e deveria ter recorrido aos tribunais antes de fazer uso da “força de braços”.
  51. Acrescente-se que, apesar de um ato nulo não produzir efeitos jurídicos (artigo 162.º, n.º 1 do CPA), o que confere aos particulares, como refere Diogo Freitas do Amaral, um direito de desobediência, a reação dos moradores de Carnitas deveria sempre ser proporcional. A retirada dos parquímetros não constitui uma atuação nem necessária, nem equilibrada (vide o artigo 7.º do CPA).
  52. Ademais, de acordo com o artigo 4.º, n.º 2, do Regulamento Geral de Estacionamento, qualquer intervenção não autorizada, nomeadamente visando obstruir, danificar, abrir ou alterar, por qualquer meio, o equipamento de controlo de acesso e estacionamento, é proibida e punida por lei.
  53. No entanto, lembremo-nos, a defesa do Autor alegou, com toda a propriedade e astúcia, que estamos perante um acordo interadministrativo entre a Junta de freguesia e a primeira Ré (a Câmara Municipal). Assim, alegam, não sendo cumpridos os compromissos da primeira Ré, a Junta ficaria desobrigada da sua parte do contrato (a aceitação da instalação dos parquímetros), através da exceção de não cumprimento, que se encontra regulada nos artigos 327.º do CCP e 428.º do CC, de onde se retiram os seguintes pressupostos: i) bilateralidade do contrato; ii) prazos idênticos para as obrigações; iii) a recusa em cumprir não implica grave prejuízo para a realização do interesse público.
  54. O preenchimento dos dois primeiros pressupostos é pacífico, e a terceira, embora mais controvertida, é também admitida, pelo que a presente instância admite que se esteja perante um caso de exceção do contrato não cumprido.
  55. No entanto, uma vez mais se torna necessário apurar se a exceção do contrato não cumprido foi, no caso sub judice, exercida de modo proporcional e em conformidade com o princípio de boa fé. É que, de facto, a Câmara Municipal estava obrigada numa vertente positiva (cumprir os seus compromissos) e numa vertente negativa (não colocar parquímetros antes do cumprimento dos ditos compromissos). Esta vertente negativa consubstancia-se numa prestação de facto negativo. Ora, ao incumprir, a Câmara Municipal realizou uma conduta a cuja não realização se tinha obrigado. Isto significa que o meio razoável de atuação devido pelos moradores seria o previsto no artigo 829.º, n.º 1 do Código Civil (<<Se o devedor estiver obrigado a não praticar algum ato e vier a praticá-lo, tem o credor o direito de exigir que a obra, se obra feita houver, demolida à custa do que se obrigou a não a fazer.>>),tendo sempre em conta o dever do credor de não agravar a situação do devedorAo retirar, possivelmente danificando, os parquímetros, é possível que o credor (a Junta) tenha agravado desnecessariamente e desproporcionalmente a situação do devedor (o Município), uma vez que os parquímetros são património municipal.
  56. Ao retirar e danificar património municipal, há, nomeadamente, um enfraquecimento do terceiro requisito da exceção do não cumprimento (não haver prejuízo grave para a realização do interesse público), pelo que o Tribunal entende que a conduta dos moradores não foi conforme à lei e deve ser punida nos termos da mesma.
  57. Vejamos, agora, a questão relativa à ordem de recolocação dos parquímetros que a EMULTA fez à polícia municipal. A defesa da EMULTA sustenta ter havido uma delegação de poderes que lhe permitira dar ordens à polícia para a defesa do património da EMULTA (vide o artigo 5.º, n.º 2 dos Estatutos da EMEL, aplicado analogicamente). Parece-nos, porém, que mesmo aceitando essa delegação de poderes, a atuação da EMULTA foi mais longe: esta empresa ordenou a recolocação dos parquímetros e a competência para a colocação dos parquímetros era da Câmara. Esta empresa não tinha, portanto, competência para ordenar à polícia a recolocação dos parquímetros, sendo o ato inválido por incompetência absoluta, nos termos do artigo 161.º, n.º 2, alínea b), do CPA.
  58. Assim sendo, a ordem dada pela EMULTA à polícia municipal é nula.
  59. Por conseguinte, nulo é também o ato realizado na obediência a tal ordem, i.e, o ato de recolocação dos parquímetros.
  60. Os efeitos materiais deste ato devem ser destruídos, exigindo o Tribunal, nos termos do artigo 162.º, n.º 2 do CPA, que os parquímetros sejam retirados do centro histórico de Carnitas de imediato.
  61. Assim sendo, não se prova necessário instaurar uma providência cautelar.
  62. abaixo-assinado apresentado pelo Autor, Fábio Sem Terra, é legítimo (nomeadamente, é legitimado pelo artigo 52.º, n.º 1 da CRP, que consagra o direito de petição a qualquer autoridade). Não é, no entanto, vinculativo, pelo que o presente Tribunal não se ocupará dele e dos seus efeitos jurídicos: cabe à margem de discricionariedade do ente administrativo, neste caso, a Câmara Municipal, tomar em consideração o referido abaixo-assinado, em conjugação com os demais interesses públicos concorrentes. Para além disso, tendo em conta o caráter vinculativo de outras obrigações a que o Município está sujeito, por via de lei e de contrato, o abaixo-assinado vem trazer não mais do que um condicionamento de natureza política, que em nada altera a presente decisão.

 

A Decisão:

 - No procedimento administrativo que culminou no ato da Câmara Municipal de autorização da colocação dos parquímetros, esta entidade violou os princípios da boa fé e do inquisitório.

- O Presidente da Câmara Municipal devia ter pedido dispensa do referido procedimento, com base em impedimento. Ao não o fazer, incorre em falta disciplinar e pode perder o seu mandato, dependendo de propositura de ação por parte do Ministério Público.

- O Tribunal não se pronuncia quando à licitude na nomeação de Penélope Filião para o cargo de Presidente do Conselho de Administração da EMULTA.

- Os moradores e a Junta de freguesia eram interessados na decisão de colocação dos parquímetros, pelo que devia ter havido lugar a audiência prévia ou a consulta pública. Subscrevendo a tese que afirma ser este um direito fundamental, a presente instância considera nulo o ato de autorização de colocação dos parquímetros. Sendo nulo, será também nulo o ato que dele adveio: o ato, levado a cabo pela EMULTA, de colocação dos parquímetros.

- Os moradores de Carnitas poderiam desobedecer a qualquer imperativo que decorresse do ato nulo. No entanto, a sua atuação não foi proporcional, nem mesmo à luz da exceção de não cumprimento, pelo que deve ser punida nos termos da lei, podendo haver lugar a indemnização.

- A EMULTA não tinha competência para ordenar à Polícia Municipal a recolocação dos parquímetros: a ordem é nula por incompetência absoluta, e nulo é o ato dela decorrente, isto é, a recolocação dos parquímetros. Os parquímetros devem ser retirados de imediato, pelas autoridades competentes, sem para tal ser necessária providência cautelar.

 

Alunos:

Beatriz Vitorino

Francisco Ferreira

Helena Freitas

Marco Lopes

Simulação de Julgamento- Grupo do pedido de invalidade do ato

   1.Pedido de invalidade do ato de recolocação dos parquímetros

   

 

    Iremos pronunciarmo-nos quanto ao pedido de invalidade do ato administrativo, que consistiu na recolocação dos parquímetros, e eventuais questões de mérito em relação às atuações da Administração.

    Em primeiro lugar, parece-nos que compete à Emulta a recolocação dos parquímetros, de acordo com o art.3º/nº2/a) da Lei nº50/2012 (Estatutos da Emel, aplicados por analogia). Por outro lado, de acordo com art.33º/nº1/ee) da Lei nº75/2013, a matéria de estacionamento municipal encontra-se também na competência da Câmara Municipal.

    No entanto, sendo a Emulta uma empresa pública municipal, a Câmara Municipal, face à revolta dos cidadãos interessados, deveria procurar ouvi-los em primeira instância, de acordo com o princípio da colaboração dos particulares (art.11º/nº1 CPA), através de consulta pública (art.100º/nº1/c)/2ªparte e art.101º do CPA), sendo que se considera que o número de interessados será de tal ordem que a audiência dos interessados terá que se fazer substituir pela consulta pública. Tudo isto não obsta a importância de se proceder à consulta pública, antes da recolocação dos parquímetros.

   

1.1.Incompetência relativa

 

    Posteriormente, verifica-se a ordenação da recolocação dos parquímetros, sem prévia consulta pública, por parte da Emulta, com recurso à Polícia Municipal. Ora, esta força de segurança é uma das atribuições do Município, que visa a promoção e salvaguarda dos interesses próprios da população, de acordo com o art.23º/nº2/o) da Lei nº75/2013. A Polícia Municipal encontra-se ainda hierarquicamente dependente do Presidente da Câmara, segundo o art.6º/nº1 e 2 da Lei nº19/2004 (Lei da Polícia Municipal). Não cabe, de facto, à Presidente do Conselho da Administração da Emulta, comandar a Polícia Municipal, o que constitui uma incompetência relativa, que se verifica quando um órgão administrativo pratica um ato que está fora da sua competência, mas pertence à competência de outro órgão da mesma pessoa coletiva (neste caso, a Câmara Municipal). Já a incompetência absoluta, consiste na prática de um ato fora das atribuições da pessoa coletiva ou do ministério a que pertence, pelo que não pode ser aplicada neste caso. Segundo o professor Mário Aroso de Almeida, a incompetência relativa deve originar a anulabilidade do ato, nos termos do art.163º/nº1 CPA, e não a nulidade, que nos termos do art.161º/nº2/b) CPA, só deve abranger a incompetência absoluta. Seguindo, portanto, a doutrina do referido professor, este ato seria anulável, nos termos do art.163º/nº1 CPA.

    O desvio de poder, não pode ser considerado para o caso, visto que consiste na aplicação de certa lei, pretendendo-se dessa forma alcançar determinado fim, que no entanto não é o fim que essa lei visou. Também a usurpação de poder não deve traduzir o caso analisado, pois esta só se verifica quando um órgão administrativo pratica um ato reservado a um órgão do poder legislativo, moderador ou judicial.

 

1.2. Violação do princípio da Imparcialidade  

 

    Apesar de já se ter registado esta incompetência relativa, que levaria à anulabilidade do ato, ainda mais relevante é, a nosso ver, a violação do princípio da imparcialidade, consagrado no art.9º CPA, para além das violações dos princípios da participação dos interessados (art.11º CPA) e da participação (art.12º CPA).

    Porque se regista a violação do princípio da imparcialidade? Pois, após a manifestação da revolta dos particulares, o Presidente da Câmara apenas interveio para criticar a ação do Presidente da Junta de Freguesia, não procedendo à consulta pública exigida e ainda deixou que a Presidente do Conselho de Administração da Emulta, sua esposa, utilizasse a Polícia Municipal para ordenar a recolocação dos parquímetros. É assim evidente a parcialidade entre estes dois sujeitos, em detrimento do interesse público. De acordo com o art.69º/nº1/b) CPA, que versa sobre os casos de impedimento, quanto às garantias de imparcialidade: “(…) os titulares de órgãos da Administração Pública e os respetivos agentes, bem como quaisquer outras entidades que, independentemente da sua natureza, se encontrem no exercício de poderes públicos, não podem intervir em procedimento administrativo ou em ato (…), nos seguintes casos: (…) b) Quando, por si ou como representantes ou gestores de negócios de outra pessoa, nele tenham interesse o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges (…)”. Aplicando este artigo ao caso analisado, verificasse a efetiva violação da imparcialidade, cuja sanção, de acordo com o art.76º/nº1 CPA, é a anulabilidade do ato, nos termos gerais do art.163º/nº1 CPA.

    Os grupos da defesa do município e da defesa da Emulta, na primeira cessão da simulação, debateram sobre a hipótese de Penélope Filião ter sido escolhida para o cargo antes ou depois da eleição do marido. Esta discussão é, a nosso ver, irrelevante pois o que importa para o caso são os cargos que cada um ocupa no momento do ato, o facto de serem cônjuges e a efetiva parcialidade que se verifica entre os cargos que ocupam.

 

 2. Conclusão

 

    Concluindo, defendemos a clara anulabilidade do ato, nos termos do art.163º/nº1 CPA. Assim se justifica a providência cautelar, visto que segundo o referido artigo, o ato anulável, até que seja transitado em julgado, produz efeitos. Daí que seja necessário interpor também a providência para interromper os efeitos do ato até à decisão judicial, que no caso da anulabilidade, de qualquer modo, pode ter efeitos retroativos.

 

Trabalho realizado por:

-Nuno André Alves, nº 28099;

-Ana Nascimento, nº24372;

-Malikito Dias.

Simulação de Julgamento

Interposição de Garantia Administrativa- Decisão da Administração

 

Introdução

                A Constituição da República Portuguesa, no seu título IX, dedicado à Administração Pública, visa como principal função desta a prossecução do interesse público, com respeito pelos direitos e interesses dos cidadãos, com dever de obediência à lei, bem como aos princípios basilares do Estado, tais como a igualdade, a proporcionalidade, a justiça, a imparcialidade e a boa-fé.

                Neste sentido, foram criados, pela ordem jurídica, diversos meios capazes de tutelar os interesses legítimos dos particulares ou as ofensas dos direitos subjetivos, assim como as violações do direito objetivo ou o demérito da ação administrativa, evitando ou sancionando as condutas da Administração Pública. 

                Estes meios são designados por garantias, havendo essencialmente três tipos: as garantias políticas, as garantias administrativas e as garantias contenciosas.

                A consagração dos direitos e garantias dos administrados vem expressamente prevista nos nºs 4 e 5, do artigo 268º da Constituição.

 

Garantias Políticas

                As garantias políticas são efetivadas através dos órgãos políticos do Estado, sendo por isso mais garantias do ordenamento constitucional do que propriamente garantias dos cidadãos. As mesmas repartem-se em duas vias – o direito de resistência, consagrado no artigo 21º CRP e, o direito de petição, quando exercido perante um órgão da soberania, previsto no artigo 52º CRP.

DIREITO DE RESISTÊNCIA

                Por este direto entende-se a faculdade de se opor a qualquer ordem que ofenda os direitos, liberdades e garantias e de repelir por força qualquer agressão, em situação de impossibilidade de recurso à autoridade pública. Este tipo de garantia tanto serve para se reagir contra atuações dos privados, quanto contra atos da autoridade pública.

DIREITO DE PETIÇÃO

                O direito de petição permite aos cidadãos, individual ou coletivamente, apresentar contestações acerca de problemas de interesse geral, de modo a evocar a atenção dos órgãos de soberania ou entidades públicas, a respeito de atos ou situações, ilegais ou injustas. Quer isto dizer que, o direito em questão, não comporta tanto um caráter impugnatório, quanto reivindicativo.

                Este direito não se destina a ser exercido perante os tribunais, contudo pode ser praticado por qualquer pessoa residente em território português, além de que não se encontra sujeito a processos ou formalidades específicas.

 

Análise do Caso em concreto

                O direito de ação popular é reconhecido, pela Constituição da República Portuguesa, como um direito fundamental de participação e intervenção política dos cidadãos. É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, nos casos e termos previstos na lei (artigo 52º/3 CRP). O direito de ação popular é um corolário do princípio democrático e da democracia participativa (2º CRP), na medida em que permite a participação política e a intervenção democrática dos cidadãos na vida política, para fiscalizar a legalidade e defender os interesses da coletividade. Este direito vem também definido na Lei nº 83/95, de 31 de agosto, sobre o Direito de Participação procedimental de Ação Popular (LAP).

                A ação praticada pelo grupo de moradores de Listejo, nomeadamente a retirada dos parquímetros, instalados pela empresa municipal EMULTA, por via do uso da “força de braços”, poderia ser vista como uma ação popular, com fundamento nos propósitos elencados pelos particulares e que, por sua vez, estão previstos no nº 2 do 1º artigo, da Lei nº 83/95, de 31 de agosto, bem como na alínea b) do nº 3, do artigo 52º CRP, que tratam da ação popular como fim de proteção da qualidade de vida e do domínio público e, da defesa dos bens do Estado e das autarquias locais. No entanto, nem a LAP nem a CRP preveem como pressuposto da ação popular o uso da força, sendo antes este um requisito da ação direta, previsto no artigo 336º, nº1 do Código Civil. Ainda assim, o uso da força é permitido apenas nas situações em que não seja possível, em tempo útil, o recurso aos meios coercivos normais, não devendo, em caso de tal, exceder o que for necessário para evitar o prejuízo, nem sacrificar interesses superiores àqueles que se pretendem assegurar.

                Neste sentido, entende-se não preenchido o pressuposto da impossibilidade de recurso às autoridades públicas, visto existirem outros meios, que não a força, para se prosseguir os fins desejados, nomeadamente o recurso a outras garantias administrativas, tais como o direito de petição (52º CRP), entre outras, a serem tratadas mais adiante.

                Parece-nos assim que, a denominada “ação popular” aqui apreciada, é de caráter abusivo, precisamente por exceder os limites impostos pela boa fé e pelo fim social e económico do direito em questão, nos termos do artigo 334º CC. Sendo, portanto, o direito à ação popular, neste caso em concreto, ilegítimo.

                Por último, colocando a situação hipotética de se ter praticado o direito de resistência, equiparemos esta situação a um outro exemplo. Tomemos para tal a demolição de um lar de idosos ou de uma escola no decorrer do ano letivo. Em qualquer uma destas posições, os particulares têm todo o direito de praticar a resistência, de modo a impedir a causa de danos e prejuízos maiores para os utilizadores daqueles estabelecimentos públicos, sendo estes a falta de outros estabelecimentos onde os idosos possam habitar, ou onde os alunos possam continuar a frequência das aulas e dos estudos devidos, visto que o direito de resistência tem como ultima ratio a proteção dos direitos e garantias dos particulares em momento útil, urgente e quando a restituição dos direitos tenha um determinado grau de complexidade. Já a retirada de parquímetros com o uso da “força de braços”, sem que antes se tenha tentado uma via mais pacífica, parece dar lugar à prática de atos de vandalismo, pois a existência de tais instrumentos não traz um prejuízo excessivamente gravoso para os particulares, até ao momento da resolução do conflito e da tomada de uma decisão devidamente adequada aos seus interesses. Pelo que estes possuem meios, bem como o tempo necessário, para a resolução deste tipo de litígios.

                Assim, consideramos não haver cabimento ao direito de resistência no presente caso.

 

Garantias Petitórias

                As garantias petitórias dividem-se em cinco espécies: no direito de petição, no direito de representação, no direito de queixa, no de denúncia e, por fim, no direito de oposição administrativa. Todas estas modalidades assentam na existência de um pedido dirigido à Administração, de modo a que esta considere o ponto de vista do particular, devidamente fundamentado. No entanto, iremos apenas tecer algumas considerações relativas às garantias que mais se enquadram ao caso.

                Em primeiro lugar, o direito de petição está relacionado com a faculdade de dirigir pedidos à Administração Pública para que esta tome certas decisões, preste informações ou permita o acesso aos seus arquivos e a processos pendentes.

                Contudo, a petição não tem cariz impugnatório. Deste modo, não se trata de atacar uma decisão já tomada, pelo contrário, pressupõe-se a falta de uma certa decisão ou ainda que é necessário consultar algo que apenas a Administração pode facultar.

                Este direito materializa-se, por exemplo, no direito de reagir contra a omissão ilegal dos atos administrativos, solicitando-se a emissão do ato pretendido, nos termos do artigo 184.º, nº1, alínea b) do CPA. Ora, no nosso caso prático, considerámos que existe uma omissão no tocante à requalificação do centro histórico e à construção de parques de estacionamento para a zona em questão, uma vez que estes compromissos nunca foram efetivamente cumpridos pela Câmara Municipal. Por conseguinte, os interessados, neste caso os moradores de Carnitas, têm o direito de reagir contra esse ato omisso, de modo a que se proceda à emissão dos dois atos em questão.

                Em segundo lugar, o direito de queixa traduz-se na faculdade de promover a abertura de um processo que resultará na aplicação de uma sanção a uma entidade pública. Esta é uma figura um pouco diferente das restantes: não é petitória em sentido estrito, dado que quem exerce este direito não faz apenas um pedido genérico, mas também não é impugnatória. No fundo, o direito de queixa desencadeia, sim, um verdadeiro poder sancionatório a que um funcionário público está submetido. Em síntese, nestes casos, o particular queixa-se do comportamento de uma entidade pública e não de um ato, sendo que uma sanção futura poderá              ser-lhe aplicada.

Prevalecendo-se do direito de queixa, os moradores de Carnitas podem queixar-se da conduta do casal Filião, com fundamento na violação do princípio da imparcialidade, que iremos agora abordar.

                Como a defesa alegou, a nomeação do Presidente do Conselho de Administração da EMULTA compete ao município de Listejo, nos termos dos artigos 8º/1 e 11º/1 dos Estatutos da EMEL, aplicados analogicamente à EMULTA. De facto, não houve aqui uma nomeação ilícita de Penélope para o cargo. Todavia, essa não é a questão fulcral. A questão fulcral é a de que, como é evidente, existe uma relação muito estreita e íntima entre a EMULTA e o Município de Listejo, que deve ser assegurada por um critério de imparcialidade. Veja-se também a este propósito o artigo 12.º do mesmo diploma, que prevê analogicamente que os contratos de gestão da EMULTA devem refletir as orientações estratégicas definidas pela Câmara Municipal, que mais uma vez comprova a existência dessa relação. Portanto, não existe aqui qualquer margem para atuações parciais.

                Como vimos, logo após Francisco Filião ter criticado a atuação da população, assim como o comportamento do autarca, Penélope ordena a recolocação dos parquímetros, agindo imediatamente no interesse do seu cônjuge, sem ter ouvido os outros interesses em jogo. Assim, decidimos que houve uma violação do princípio da imparcialidade, que decorre do artigo 266.º, nº 2 da CRP e do artigo 9.º do CPA. Deste modo, há um impedimento, nos termos do artigo 69º, nº 1, alínea b). Este artigo prevê situações em que as entidades públicas não podem intervir em procedimento administrativo, em ato ou contrato público ou privado da Administração Pública, se nele tiver interesse o seu cônjuge, dado que seria de esperar uma conduta parcial nestas circunstâncias. Como consequência, nos termos do artigo 76º, nº 1 do CPA, o ato de recolocação dos parquímetros é anulável nos termos gerais.

                Por último, existe, ainda, a figura da oposição administrativa. Esta modalidade das garantias petitórias representa a possibilidade de, no âmbito de certos procedimentos administrativos, os contra-interessados poderem combater os pedidos formulados por outra pessoa à Administração e, para além disto, contestar as iniciativas da Administração divulgadas ao público.

                Por exemplo, imagine-se que a Administração divulga um certo projeto de interesse público, como a construção de uma estrada ou barragem, de forma a permitir uma margem de oposição a certas pessoas singulares ou coletivas. Essas pessoas poderiam ser os moradores da área sobre a qual incidiria o projeto da Administração, por exemplo. Assim, a lei atribui-lhes o direito de apresentarem motivos válidos que suportem a oposição a esses projetos, cabendo à Administração a decisão final, que tem a obrigação de ouvir os interessados e de ponderar os seus argumentos.

                No tocante ao caso em julgamento, a recolocação imediata dos parquímetros, ordenada pela Presidente do Conselho de Administração da EMULTA, apresenta algumas semelhanças ao exemplo descrito. Aqui, ao ordenar a recolocação dos parquímetros, a EMULTA está a divulgar publicamente um projeto administrativo que pretende executar. Deste modo, os moradores de Carnitas podem, em concordância com esta modalidade de garantia petitória, opor-se à recolocação dos parquímetros, de forma fundamentada. Como observado, a lei atribui aos moradores o direito de fazerem valer as suas razões contra esse projeto administrativo. Consequentemente, a Administração teria a obrigação de os ouvir, de ponderar os seus argumentos e explicar detalhadamente por que motivos considera, se for esse o caso, os seus argumentos infundados. Portanto, neste caso, os moradores podem prevalecer-se desta figura de forma a combater a iniciativa administrativa em questão.

 

Garantias Impugnatórias

                As garantias impugnatórias têm por base a impugnação de um ato jurídico já praticado pela Administração, com vista à sua revogação, modificação, ou anulação administrativa. A impugnação pode fundar-se em motivos de ilegalidade ou de mérito cfr. art. 185º/3 CPA, e as autarquias locais têm legitimidade para reclamar ou recorrer, por força do art. 68º/2 c) ex vi do art. 186º/1 b).

                Reclamação é o meio de impugnação do ato administrativo perante o seu autor. Esta figura justifica-se pelo facto de os atos administrativos, em geral, poderem ser revogados ou anulados pelo órgão que os praticou. Salvo lei especial, o prazo para apresentar uma reclamação é de 15 dias cfr. art. 191º, nº 3 CPA, e o prazo para o órgão competente decidir sobre a reclamação é de 30 dias cfr. art. 192º, nº 2 CPA.

                No caso sub judice é possível efetuar uma reclamação do ato de colocação e recolocação dos parquímetros por parte da EMULTA ao órgão que o praticou. Com base no art. 1º/1 do Estatuto da EMULTA, verificamos que se trata de uma pessoa coletiva própria, dotada de autonomia administrativa financeira e patrimonial. Consequentemente, tem atribuições e órgãos que prosseguem essas atribuições através de competências. As atribuições da EMULTA são as consagradas no art. 3º/2 do seu Estatuto. Através do art. 14º/ 1 c) do Estatuto, verificamos que é a Presidente do Conselho da Administração que representa a empresa municipal em relação aos atos praticados, consequentemente, seria perante este órgão que se reclamaria o ato praticado. Não parece, contudo, que tal possa ser feito mediante juízos de legalidade, uma vez que segundo o art. 5º/1 d) do Código de Estrada, a colocação de parquímetros é da competência da Câmara Municipal, e que esta pode delegar esta competência à EMULTA, por força do art. 5º/1 a) do Estatuto, do art. 5º/3 d) do Código da Estrada e do art. 62º/2 do Regulamento Geral de Estacionamento e Paragem na Via Pública.

                O recurso hierárquico consiste tanto na impugnação de atos administrativos praticados, como na reação contra a omissão ilegal de atos administrativos, dirigida ao superior hierárquico do autor do ato cfr. art. 193º/1 CPA. Se o órgão subalterno dispuser de competência exclusiva, apenas pode ser obrigado à prática do ato cfr. art. 197º, nº 1 CPA. Este recurso carateriza-se por uma estrutura tripartida: o recorrente é o particular, o recorrido é o órgão subalterno- órgão a quo- e o órgão decisório é o órgão superior- órgão ad quem. Para poder haver recurso é necessário existir hierarquia e é necessário que tenha sido praticado ou omitido um ato administrativo por um subalterno que não goze de competência exclusiva.

                Podem ser classificados em recursos de legalidade, se o particular alegar como fundamento a ilegalidade do ato ou da omissão do ato, de mérito, se o motivo for de mera inconveniência, ou mistos, se o particular alegar ilegalidade e inconveniência.

                O recurso tem que ser apresentado ao órgão a quo cfr. art. 194º, nº 2 CPA, e sempre dirigido ao mais elevado superior hierárquico do mesmo cfr. art. 194º, nº 1 CPA, salvo se a competência para a decisão se encontrar delegada ou subdelegada.

                Quanto aos prazos para a interposição do recurso, nos casos em que o objeto é a impugnação de um ato, estes encontram-se estipulados legalmente nos arts. 188º, nº 1 e 2 e 198º, nº 1 CPA, sendo, em regra, o prazo de 30 dias. Se o objeto do recurso for a contestação da omissão de um ato, o prazo conta-se da data do incumprimento do dever de decisão cfr. art. 188º, nº 3 CPA. A interposição do recurso pode ter consequências suspensivas ou não suspensivas, ocorrendo a suspensão automática do ato em causa até à reapreciação do superior hierárquico. A autoridade ad quem deve pronunciar-se em 30 dias, podendo alongar-se o prazo até aos 90 dias cfr. art. 198º, nº 1 e 2 CPA.

                Consequentemente, a autoridade pode: rejeitar o recurso por questões de forma cfr. art. 196º CPA, negar o provimento, mantendo-se o ato que foi recorrido, ou conceder o provimento, podendo implicar a revogação, anulação, modificação ou substituição do ato recorrido.

                No caso sub judice, o ato praticado pela Presidente do Conselho de Administração da EMULTA não é suscetível de ser alvo de recurso hierárquico, uma vez que esta não tem superior hierárquico.

                Quanto à omissão, as autarquias locais inserem-se na administração autónoma do Estado, prosseguindo fins próprios. São autarquias locais os Municípios cfr. art. 236º/1 CRP, são pessoas coletivas próprias cfr. art. 235º/2 CRP, cujo órgão executivo é a Câmara Municipal cfr. art. 252º CRP. Uma vez que não há superior hierárquico da Câmara Municipal, não é possível efetuar um recurso hierárquico.

                Quanto aos recursos hierárquicos impróprios, o ato administrativo é impugnado a um órgão da mesma pessoa coletiva daquele que praticou o ato, que exerce poderes de supervisão sobre o órgão que praticou o ato. Só admissível nos casos expressamente previstos por lei cfr. art. 199º, nº 1 a) CPA. São aplicáveis a este recurso, subsidiariamente, as disposições que regulam o recurso hierárquico (art. 199º, nº 5 CPA).

                Não parece haver órgão da EMULTA que exerça poderes de supervisão sobre o Conselho de Administração ou sobre a Presidente do Conselho de Administração.

                Quanto à omissão por parte da Câmara Municipal, é possível efetuar recurso hierárquico impróprio perante a Assembleia Municipal, pois ela fiscaliza a atividade da Câmara Municipal, conforme o art. 25º/2 a) da Lei nº 75/2013.

                O recurso tutelar consiste numa impugnação do ato ou omissão de uma pessoa coletiva autónoma a um órgão de outra pessoa coletiva pública, que sobre ela exerça poderes de tutela ou de superintendência. Tem natureza excecional, logo só é possível quando a lei expressamente o previr cfr. art. 199º, nº 1 c) CPA. Só pode ter por fundamento a inconveniência nos casos em que a lei estabeleça uma tutela de mérito cfr. art. 199º, nº 3 CPA. É englobado no CPA nos “recursos administrativos especiais” (art. 199º, nºs 3, 4 e 5). Trata-se de um recurso tutelar, por exemplo, quando a lei sujeita a recurso para o Governo certas deliberações das câmaras municipais.

                Quanto ao ato praticado pela EMULTA, verificamos que a Câmara Municipal do Listejo exerce poderes de tutela e de superintendência sobre a mesma cfr. art. 20º do Estatuto, podendo ser feita uma impugnação tutelar do ato praticado pela Presidente do Conselho de Administração à Câmara Municipal. No entanto, dada a relação estrita entre ambos os órgãos, não parece que esta garantia seja a que melhor salvaguarde os interesses dos particulares. No entanto, também a Assembleia Municipal fiscaliza a sua atividade, exercendo poderes de fiscalização sobre a mesma, mediante art. 25º/2 a) da Lei nº 75/2013.

                A Câmara Municipal está sujeita a um poder de tutela de legalidade por parte do Estado, e o Estado não se pode imiscuir nas suas atuações. Se a omissão consubstanciar uma ilegalidade, aí o Estado pode controlar e fiscalizar a atuação da Câmara Municipal de Listejo.

 

Queixa ao Provedor de Justiça

                A figura do Provedor de Justiça é bastante peculiar e inovadora na ordem jurídica. Vem prevista no artigo 23º da Constituição, onde a sua atividade é caracterizada como independente do Governo, da Administração e dos Tribunais, tratando-se de uma alta autoridade administrativa, designada pela Assembleia da República. Para além do preceito acima enunciado, esta figura rege-se por um estatuto próprio, que consta da Lei nº 9/91, de 9 de abril (alterada pelas Leis nº 30/96, de 14 de agosto, e 52-A/2005, de 10 de outubro).

                O principal foco da sua função é atender às queixas dos particulares, direito este presente no artigo 3º da Lei 9/91, de 9 de abril, contra ações ou omissões da Administração Pública. Para tal, utiliza o seu poder de persuasão para levar as autoridades administrativas a reparar ou a alterar as suas decisões, quando injustas ou ilegais, consideradas de “má administração”.

                Este órgão serve de recurso naquelas situações em que as outras garantias não são capazes de satisfazer totalmente o interesse dos particulares. Isto é, enquanto as garantias administrativas apelam para às próprias autoridades administrativas, que muitas vezes agem conforme a sua visão da legalidade ou do interesse público, acabando por não dar razão aos interesses legítimos dos particulares, as garantias contenciosas permitem aos mesmos solicitar aos tribunais a anulação de decisões ilegais da Administração Pública ou obter a reparação dos prejuízos causados por esta. Todavia, acaba por ficar sempre um leque de problemas por cobrir, sobretudo momentos que não estejam relacionados com a ilegalidade das decisões ou os prejuízos por estas causado, mas sim com questões de mérito da ação administrativa. Por esta razão, existe a figura do Provedor de Justiça, que trata de controlar a legalidade, justiça e funcionalidade da atividade administrativa, não possuindo um poder decisório para a anulação ou revogação de atos administrativos, praticando atos que considere legalmente devidos, ou atos injustos e inconvenientes, por aqueles que ache mais adequados; tão pouco se poderá fazer substituir às autoridades competentes para cumprir os seus deveres.

                O verdadeiro poder do Provedor de Justiça é persuasivo. Cabe-lhe estudar cada caso em concreto e, se entender que o particular tem razão no seu pedido, deve dirigir recomendações jurídicas às autoridades competentes, para que se faça valer o direito de modo mais acertado. E, também, deve dialogar e incitar a Administração a cumprir a lei ou a corrigir os seus erros ou omissões.

                Nas situações em que as suas recomendações não sejam acatadas, o mesmo tem a capacidade de emitir notas oficiosas ou de conferências de imprensa, ou ainda tornar público, através do relatório anual, enviado à Assembleia da República, as denúncias às autoridades administrativas que se recusem a cumprir os seus deveres.

                Assim sendo, concluímos que a natureza jurídica do Provedor de Justiça é a de um órgão administrativo central do Estado, com caráter independente, ao qual têm os particulares a faculdade de dirigir queixas, sempre que se encontrem perante casos de insatisfação dos seus interesses.

 

Análise do Caso em concreto

                Feita esta análise, percebemos que os particulares podem, a qualquer momento, dirigir uma queixa ao órgão do Provedor de Justiça, de modo a que o mesmo se pronuncie sobre o caso, no âmbito da sua imparcialidade e independência relativamente a outros órgãos da Administração Pública. Caso o Provedor dê razão aos particulares, este não poderá anular qualquer tipo de ato, nem modificá-lo. Porém, deverá emitir uma recomendação, dirigida aos órgãos da Câmara Municipal, para que esta proceda à modificação ou até mesmo à prática daquilo que fora omitido ou realizado de modo indevido.

 

 

Decisão Administrativa

                A primeira garantia administrativa, de cariz impugnatório: arts. 184º/1 a) e 191º/1 do CPA, destina-se a combater a instalação dos parquímetros e é fundamentada pela inconveniência do ato praticado, em conformidade com o requisito exigido pelo art. 185º/3 CPA. Os interessados arguiram que a instalação dos parquímetros constituiu um ato grosseiro por não ter sido convenientemente acompanhado pela construção de parques de estacionamento para a população das Carnitas, o que colocou todos os seus residentes e trabalhadores numa situação comparativamente pior com a situação verificada originariamente quando o estacionamento dos seus veículos não acarretava quaisquer custos.

                Os munícipes sustentam ainda que a ponderação própria da função administrativa não foi sensata colidindo ipso facto com o princípio de justiça e razoabilidade, elencado no art. 8º CPA. Além da falta de bom senso foram ainda identificadas a falta de tutela dos direitos e interesses dos cidadãos (art. 4º) e a ausência de confiança suscitada à contraparte através da atuação empreendida e do objetivo que a mesma pretendeu alcançar (10º/2).

                Corroborados os factos e atenta a fundamentação dos interessados, cumpre ao órgão apreciar a impugnação interposta conferindo provimento à reclamação aduzida.

                A impugnação administrativa do Regulamento Geral de Estacionamento poderá ser intentada, caso o ato legislativo contenha normas lesivas de direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos dos particulares, estando também prevista a hipótese da sua modificação ou suspensão (art. 147º/1). Contudo esta garantia terá de ser deduzida perante a autora do regulamento ora contestado, a Assembleia Municipal (art. 147º/2)

                A última garantia administrativa, de cariz não-impugnatório ou petitório, pretende opor-se à inércia verificada quanto à admissibilidade inicial da necessidade de requalificação do centro histórico e de construção de parques de estacionamento para a zona em questão: o acordo ora mencionado foi assumido pelo município de Listejo, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visando deste modo produzir efeitos jurídicos externos (148º/1) concernentes à satisfação destas pretensões em particular. Contanto ter sido previamente discutido o problema junto da autarquia e tendo sido inclusivamente tomada uma deliberação positiva referente a este assunto, a omissão do ato subsequente configura uma situação de incumprimento do dever legal de decidir (art. 13º/1 CPA).

                Apesar da epígrafe deste artigo ser “Princípio da decisão”, todavia, o mesmo encerra dois princípios: o da pronúncia e o da decisão. Se o primeiro obriga sempre a Administração a tomar posição perante qualquer petição formulada por um particular, correspondendo a tal dever o direito fundamental de petição, em matérias que lhes digam respeito ou à Constituição e às leis dos cidadãos (arts. 52º da CRP e 102º e ss. do CPA e Lei nº 43/90 de 10 de agosto) o segundo liga-se a uma exigência de conclusão dos procedimentos, com a consequente prática de um ato administrativo (arts. 59º e 106º a 109º do CPA). Na mediação semântica da lei ordinária a pluralidade vocabular revela que o dever constitucional de apreciação se cumpre pelo dever de pronúncia e pelo dever de decisão. E, quanto ao âmbito deste último, os autores do “Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2ª ed.” Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, interpretam a lei com o sentido de que, face às petições dos particulares formuladas em defesa de interesses próprios, individuais e concretos, o dever de pronúncia exigido à Administração é um dever de praticar um ato administrativo de aplicação da lei à situação jurídica do peticionante. Quando assim é, o dever de pronúncia do órgão administrativo não pode, pois, quedar-se pelo mero dever constitucional de resposta que existe sempre, para qualquer assunto que lhe seja apresentado, correspondente ao direito fundamental de petição dos cidadãos. Salvo se ocorrer a situação de dispensa, de discricionariedade de silêncio, prevista no nº 2 do art. 13º do CPA, a lei exige-lhe mais do que uma mera resposta. Impõe-lhe uma decisão que, ao abrigo de normas de direito administrativo produza efeitos na situação individual e concreta do pretendente.

                Face à diferente natureza destes princípios, também o seu incumprimento tem de ter naturalmente consequências diferentes: assim, o dever de pronúncia e, consequentemente, o direito de pronúncia, sendo um direito de cariz politico-constitucional, é aí que, essencialmente, se encontra o seu regime. Todavia, quando o destinatário de uma petição é a própria Administração Pública, e está em causa uma questão administrativa, a falta de pronúncia pode sancionar-se quer com uma ação para o reconhecimento de um direito, ou porventura, com uma intimação das previstas no art. 86º da LPTA. Bem diferente, é a sanção para o incumprimento do dever de decisão. Em tal hipótese, haverá lugar à ação para reconhecimento de um direito e, eventualmente, a Administração Pública ser responsabilizada civilmente pela prática de um ato ilícito de gestão pública.

                A petição termina com a ressalva de que, não obstante serem deficitários os atuais saldos das finanças públicas, na eventualidade da ocorrência de eleições autárquicas existem sempre verbas suficientes para, por exemplo, afetar a uma reabilitação rodoviária implementada de forma ordinal e prioritária. Mas quando é preciso tutelar os direitos subjetivos e/ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, as autarquias acabam por se imiscuir das respetivas atribuições e postergar as competências materiais que lhes foram legalmente acometidas, como resulta ex vi a incumbência de assegurar a manutenção e recuperação do património cultural e urbanístico do município (art. 33º/1/t) LAL) ou a designação para deliberar sobre o estacionamento de veículos nas vias públicas e demais lugares públicos (art. 33º/1/rr) LAL).

                Com base na omissão ilegal apurada, o órgão declarou a petição procedente determinando também a emissão dos atos pretendidos pelos interessados ao abrigo dos artigos 184º/1/b) e 191º/1 do CPA.

 

Trabalho realizado por:

-Ksenia Kvast

-Isa Diz

-Maria Inês Gonçalves

-Tiago Costa

Revogação e Anulação Administrativa

  1. Introdução

Os efeitos jurídicos do ato administrativo podem ser extintos ou modificados de diversas maneiras.

Em certos casos os efeitos cessam imediatamente com a prática do ato: atos de execução instantânia, p. ex., ordem policial que manda avançar ou parar o trânsito, num cruzamento; noutros casos, os efeitos administrativos perduram no tempo, extinguindo-se com o passar deste: atos de ação continuada, p. ex., concessão de utilização privativa de um bem de domínio público ou a autorização dada pela Administração para a prática de um horário de laboração contínua numa empresa fabril; a certos atos aplica-se  um termo final ou condição resolutiva que, atingido o termo ou verificada a condição, cessam os seus efeitos, p. ex., concessão de uma bolsa de estudo durante um ano letivo. Para além destes casos, existe ainda a situação em que um órgão administrativo pratica atos expressamente destinados a extinguir os efeitos de um ato anterior – tanto cessando-os para o futuro, quanto destruindo-os desde o momento da prática do ato – é neste caso que nos encontramos perante as figuras da revogação e da anulação administrativa.

O novo CPA vem concretizar e aprofundar a distinção entre a revogação propriamente dita e a revogação anulatória, passando esta a ser designada por “anulação adminstrativa” (artigo 165º). As alterações introduzidas são, essencialmente inspiradas pela lei alemã do procedimento. No CPA de 1991 os artigos 140º e 141º delineavam o regime da revogação, baseado na distinção entre atos válidos e inválidos.

2. Revogação e Anulação Administrativa

Regime legal: 166º a 172º CPA

REVOGAÇÃO: (165º/1 CPA) é o ato que decide extinguir, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade, no todo ou em parte, os efeitos de um ato administrativo anterior. Neste caso, o autor do ato revogatório exerce uma competência dispositiva idêntica à que está na origem do ato revogado, desenvolvendo uma função de administração ativa, com um sentido negativo, eliminando a disciplina do ato revogado, sem no entanto introduzir uma nova.

  • Fim prosseguido: melhor prossecução do interesse público atual, adequando a situação existente a novas exigências, sendo que a prática de atos revogatórios com vista à procecussão de outros fins, padece de desvio de poder. Outro fim previsto é a defesa da legalidade.
  • Fundamento: uma inconveniência fundada numa valoração administrativa (juízo de mérito), à luz do interesse público, sobre os efeitos atuais ou futuros de um ato anterior, sem qualquer avaliação da legalidade do ato. Admite-se também a imposição da revogação como uma sanção administrativa, isto é, uma revogação sancionatória de incumprimento de cláusulas, deveres ou obrigações que um ato primário tenha imposto a um particular.
  • Efeitos jurídicos: (171º/1, 1ª parte) - por regra, apenas produz efeitos para o futuro, é a chamada revogação ab-rogatória (típica da revogação) ou ex nunc (“desde agora”), todavia mas o autor da revogação pode, no próprio ato, atribuir-lhe eficácia retroativa, quando favorável aos interessados ou quando haja concordância expressa dos mesmos e não estejam em causa direitos ou interesses indisponíveis.

Efeitos jurídicos da revogação sancionatória: considera-se como princípio geral de Direito o de as sanções jurídicas em geral não terem efeitos retroativos, o que significa que este tipo de revogação apenas produzirá efeitos para o futuro – salvo se a lei dispuser de modo diferente.

ANULAÇÃO: (165º/2 CPA) é o ato administrativo que, fundado na invalidade de um ato anterior, se detina a destruir os seus efeitos. Aqui, o autor da anulação já exerce um poder de controlo, em vista da reposição da legalidade. 

  • Fim prosseguido: a reintegração da legalidade violada, eliminando um ato anulável da ordem jurídica.
  • Fundamento: invalidade que se pretende suprimir, reintegrando a ordem jurídica violada.
  • Efeitos jurídicos: (171º/3, 1ª parte) – salvo disposição em especial, reporta a sua eficácia ao momento da prática do ato anulado, destruindo todos os efeitos já produzidos no passado. Esta é a chamada anulação com eficácia retroativa (tipica da anulação) ou ex tunc (“desde então”). No entanto, o autor da anulação pode, na própria decisão, atribuir-lhe mera eficácia para o futuro, quando o ato se tenha tornado inimpugnável por via jurisdicional (171º/3 CPA). Tudo se passa como se o ato nunca tivesse existido.
  • Consequências: a anulação constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria caso o ato anulável não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido na sequência daquele ato (172º/1 CPA). Assim, a Administração terá poder para praticar atos dotados de eficácia retroativa, desde que não estejam envolvidas imposições prejudiciais aos destinatários do ato (172º/2 CPA).

Analisando as particularidades de cada uma destas figuras, percebe-se que uma anulação administrativa tem caráter mais duro e agravado, precisamente por interferir tanto com o futuro, quanto com o passado, o que claramente abala a confiança do público na Administração, bem como afeta o princípio da segurança jurídica.

A eficácia ab-rogatória ajusta-se aos casos em que o órgão administrativo competente tenha resolvido que um determinado ato anterior se tornou inconveniente ao interesse público; já a eficácia retroativa está reservada, por lei, para os casos de anulação administrativa respeitante a atos inválidos. Excecionalmente, a retroatividade pode ser utilizada para casos de inconveniência do ato, ao invés da invalidade. Isto acontece nos casos em que não tenha sido afetada a confiança pública na Administração, esses casos estão previstos na 2ª parte do nº1, do artigo 171º CPA – concordância expressa dos interessados ou a não afetação dos direitos ou interesses indisponíveis.

Esta diferença de regimes entende-se no sentido de se proteger e não ameaçar os legítimos interesses e expectativas fundadas dos particulares.

O efeito geral da extinção do ato anterior por uma destas vias, é o do desaparecimento dos respetivos efeitos jurídicos, sendo por isso, a revogação e a anulação integradas na categoria de atos secundários ou atos sobre atos, pois os seus efeitos não fazem sentido algum sem a existência de um “pré-ato”.

  • Conteúdo do ato de revogação ou de anulação: decisão da extinção dos efeitos jurídicos produzidos pelo ato revogado.
  • Objeto: o ato revogado ou anulado.

A anulação administrativa e a revogação são, elas mesmas, atos administrativos (165º CPA), sendo-lhes aplicável o regime jurídico dos atos administrativos.

3. Tipos

Existem dois critérios principais de destinção da espécie de revogação e de anulação administrativa, sendo estes o da:

  1. Iniciativa – repartido em dois tipos: i) espontâneas – que são denominadas revogação oficiosa e anulação oficiosa – pois são praticadas pelo órgão competente independentemente da solicitação de qualquer interessado; ii) provocadas – são fundamentadas num requerimento do interessado (reclamação ou recurso administrativo – 169º/1 CPA); e o do:
  2. Autor – efectuado por um de dois sujeitos: i) próprio autor do ato revogado ou anulado – no caso a revogação assume a designação de retratação; ii) órgão administrativo diferente – onde o ato anulatório ou revogatório é praticado pelo a) superior hierárquico do autor do ato anulado ou revogado em relação a atos de um subalterne (não se tratando de um ato de exlusividade do subalterne, no caso da revogação), ou b) pelo delegante ou subdelegado, respetivamente, ou ainda c) pelos órgãos com poderes de superintendência ou tutela administrativa, em relação a atos praticados por órgaos sujeitos a tais poderes (169º/2 a 5 CPA).

4. Atos insuscetíveis de revogação ou anulação administrativa

Existem atos insuscetíveis de revogação ou anulação administrativa porque, por um lado faltam os efeitos a extinguir ou a destruir, por outro lado, simplesmente porque a lei não o admite. Estes atos podem ser três:

  1. Atos nulos (166º/1, alínea a) CPA) – pois estes não estão, por natureza, aptos a produzir efeitos jurídicos;
  2. Atos cujos efeitos já tenham sido destruídos (166º/1, alíneas b) e c)) – nesta situação não há lugar a atos de anulação contenciosa nem de revogação com eficácia retroativa;
  3. Atos cujos efeitos tenham caducado ou se encontrem todos produzidos ou esgotados (166º/2 CPA) – nos atos com esta característica não pode haver revogação para o futuro, visto que já não se encontram a produzir efeitos, podem porém ser objeto de anulação e de revogação com eficácia retroativa, pois o que se pretende aqui é eliminar os efeitos já produzidos pelo ato e que ainda perdurem na ordem jurídica.

 5. Condicionalismos aplicáveis à revogação

Os condicionalismos referentes à revogação estão previstos no artigo 167º CPA. Esta norma não estabelece um regime único de revogação idêntico para todos os atos administrativos. A lei parece distinguir entre:

  1. atos livremente revogáveis (proémio do nº1);
  2. atos de revogação proibída (alíneas a) e c) do nº1);
  3. atos de revogação condicionada (alínea b) do nº1 e nº2).

 

  1. A regra geral extrai-se do nº1 do artigo 165º CPA, em articulação com as regras em matéria de iniciativa e competência do artigo 169º CPA: os atos administrativos, por norma, são livremente revogáveis, revogação essa que, não se fundando em ilegalidade mas em inconveniência, produz em princípio os efeitos apenas para o futuro (171º/1, 1ª parte). Esta regra subordina a Administração ao princípio constitucional da procecussão do interesse público. Apesar desta regra, ainda assim, o princípio da legalidade pode condicionar a livre revogabilidade do ato – se não se revogou uma ordem dirigida a A, também não se revogará a B, poderá contudo revogar-se simultâneamente as duas ordens.
  2. Existem situações em que o órgão Administrativo é sujeito à proibição de revogação, casos previstos no artigo 166º CPA, em que não sendo acatada a proibição, o ato revogatório padecerá de ilegalidade do seu conteúdo. Neste domínio são essencialmente duas situações a destacar:
    1. Não devem ser revogados atos que tenham sido praticados no exercício de poderes viculados ou em estrita obediência a uma imposição legal (167º/1, 1ª parte CPA), sob pena de revogação ilegal;
    2. Não podem ser revogados atos administrativos válidos de que resultem obrigações legais ou direitos irrenunciáveis (167º/1, 2ª parte CPA), também sob pena de prática de uma revogação ilegal.
  3. São também de revogação condicionada os atos constitutivos de direitos (direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos - 167º/3 CPA). Embora exista a possibilidade de revogação deste tipo de atos, por respeito do princípio geral da segurança jurídica e da proteção da confiança, só são revogáveis verificadas determinadas situações (167º/2 CPA):
    1. Quando desfavoráveis aos interesses dos seus destinatários (alínea a));
    2. Quando haja uma concordância geral dos interessados sobre a revogação do ato (alínea b));
    3. Existindo uma reserva de revogação (alínea d) e 149º/1 CPA), em caso desta, o destinatário sabe à partida que a vantagem atribuída tem um caráter precário.Tal cláusula tem como finalidade evitar a formação de expectativas que a Administração não tenciona realizar;
    4. Perante situações de garantia de prevalência do interesse público – aqui até se pode gerar uma certa confiança legítima, porém ponderadas as vantagens para o interesse público e os inconvenientes para os interesses privados, o primeiro deve prevalecer;
    5. Quando haja fundamento na superveniência de conhecimentos técnicos e científicos ou em alteração objetiva das circunstâncias de facto, em face das quais, num ou noutro caso, não poderiam ter sido praticados (alínea c)).

Os beneficiários de boa-fé do ato revogado têm direito a ser indemnizados, nos termos do regime geral aplicável às situações de indemnização pelo sacrifício, mas quando a afetação do direito, pela sua gravidade ou intensidade, elimine ou restrinja o conteúdo essencial desse direito, o beneficiário de boa-fé do ato revogado tem direito a uma indemnização correspondente ao valor económico do direito eliminado ou da parte do direito que tiver sido restringida (167.º/4, 5 e 6 CPA).

 

 6. Condicionalismos aplicáveis à anulação

Os condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa vêm previstos no artigo 168º CPA, e consistem, essencialmente nos prazos, cabendo aqui uma distinção entre os vários tipos de atos administrativos. Assim sendo:

  1. Generalidade de atos administrativos, ou seja, atos não constititivos de direitos: 168º/1 CPA – neste caso, os atos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de seis meses, tendo que ser determinado o momento em que a Administração toma conhecimento da ilegalidade do ato e da respetiva causa, desde que o ato anulável não tenha sido praticado há mais de cinco anos;
  2. Atos constitutivos de direitos:
    1. Prazo geral – um ano a contar da data da respetiva emissão (168º/2 CPA);
    2. Prazo especial – salvo a lei ou o Direito da União Europeia prescreverem prazos diferentes, a anulação administrativa deve ser feita no prazo de cinco anos a contar da data da respetiva emissão, nas seguintes circunstâncias (168º/4 CPA):
      1. Quando o respetivo beneficiário tenha utilizado artifício fraudulento com vista à obtenção da sua prática;
      2. Apenas com eficácia para o futuro, quando se trate de atos relativos à obtenção de prestações periódicas, no âmbito de uma relação continuada;
  • Quando se trate de atos de conteúdo pecuniário cuja legalidade, nos termos da lei aplicável, possa ser objeto de fiscalização administrativa para além do prazo de um ano, com imposição de restituição das quantias indevidamente recebidas.

O nº6 do artigo 168º contém prevista a tutela da confiança legítima dos beneficiários, atribuindo a estes o direito de serem indemnizados por danos anormais que sofram em consequência da anulação, sempre que esteja em causa o desconhecimento sem culpa da invalidade e tenham auferido da posição de vantagem atribuído pelo ato.

 

7. Competêcias para a revogação e para a anulação administrativa e seus fundamentos

Esta matéria tem previsão legal no artigo 169º CPA:

1. O Autor do ato (nº2 e 3) – quanto à revogação, o autor tem habilidade legal para decidir, conforme entenda melhor, em relação ao caso em concreto; quanto à anulação, este tem o poder de autocontrolo da legalidade associado ao exercício da competência, isto é, quem pratica o ato administrativo, está obrigado a controlar a legalidade do seu exercício.

Coloca-se aqui a questão de saber quem tem competência revogatória ou anulatória em casos de prática do ato por órgão incompetente: (nº6) os atos administrativos praticados por órgão incompetente podem ser objeto de anulação administrativa praticados pelo órgão competente para a sua prática; porém não podem ser por este revogados, pois o dever de anular atos ilegais não inclui o poder de os revogar por motivos de mérito.

2. O Superior hierárquico (nº1 do artigo 169º e 197º/1 CPA) - seguido ao autor do ato, é competente para a sua anulação ou revogação, o superior hierárquico, que apenas fica impedido de o exercer em situações de atos de competência exclusiva do subalterne. Tal pode resultar da avocação do próprio superior hierárquico ou da interposição de recurso hierárquico por parte do interessado;

3. O delegante ou subdelegante (nº4) – relativamente aos atos praticados pelo delegado ou pelo subdelegado, no âmbito dos poderes cujo exercício lhes foi transferido. No caso, ao existir uma delegação de poderes, a relação hierárquica como que “paralisa” e, o subalterne passa a poder atuar no lugar do superior delegante – “quem pode o mais pode o menos”. Naturalmente, o delegado não pode, no exercício dos poderes que são objeto da delegação, revogar ou anular atos praticados pelo delegante na mesma matéria em momento posterior à delegação.

4. O órgão com poderes de superintendência ou tutela (nº5) – em princípio, este órgão não possui poderes de revogação ou anulação, tal só acontecerá, a título excecional, caso seja expressamente prevista essa competêencia no elenco dos poderes de superintendência ou tutela administrativa.

 

8.Obrigatoriedade da anulação dos atos administrativos

Discute-se na doutria se existe um dever jurídico de anulação administrativa ou se este é um poder discricionário, meramente facultativo.

Durante muitos anos defendeu-se a não existência desse dever de revogar. Contudo, hoje em dia inclina-se mais para a situação de obrigatoriedade, sendo este um poder vinculado.

  • Primeiramente, por força do princípio da legalidade ou por um dever de justiça, a Adminsitração tem o dever de anular os atos que considere ilegais, atos estes apreciados em sede de reclamação, de recurso hierárquico e rceurso hierárquico impróprio ou de recurso tutelar. Isto porque, nas situações referidas, entra em jogo um direito constitucional do interessado de obter uma decisão justa (52º/1 CRP).
  • Seguidamente, nos casos em que a Administração se apercebe, por si mesma ou por denúncia de alguém, de que praticou um ato ilegal, esta tem o dever “ex officio” de o anular.
  • Também, a própria lei consagra um dever de anulação administrativa em determinados casos (168º/7).
  • Por fim, em situação de existência de fundamento legal para a prática de revogação sancionatória, deve considerar-se sempre obrigatória, pois dar o direito à Administração de não aplicar sanções, com o propósito de se fazer cumprir as normas jurídicas, equivale a permitir ao Poder Executivo incumprir as normas emanadas do Poder Legislativo. Bem como, nos casos de prática de um ato administrativo favorável a um certo particular, com imposição de encargos para o seu destinatário, significa que a vantagem conferida realiza o interesse público apenas se o particular beneficiário cumprir os deveres que o ato administrativo lhe impõe. Tudo isto, para se evitar que se criem situações de desvio do poder superviniente, ou mesmo um crime de corrupção.

 

9.Natureza jurídica da revogação e da anulação administrativa

Há certos autores que consideram que a revogação ou a anulação administrativa são essencialmente atos de natureza negativa ou destruitiva – através deles, o órgão administrativo extingue os efeitos de um ato anterior, eliminando da ordem jurídica uma determinada decisão. Apenas um órgão com competência dispositiva poderá acrescentar à revogação ou à anulação uma nova decisão sobre o mesmo caso concreto (173º e 172º/1 e 2 CPA), porém, esta já será uma nova configuração de um ato administrativo, diferente da revogação ou anulação administrativa sendo, por isso, um novo ato.

Outros autores entendem os dois atos como de natureza positiva ou construtiva, através dos quais se substitui certa decisão por outro, ao contrário da primeira teoria enunciada. Esta corrente atribui o efeito represtinatório à revogação ou à anulação, fundamentando com a previsão legal do nº4 do artigo 171º CPA.

 

Bibliografia:

AMARAL, Diogo Freitas do, "Curso de Direito Administrativo", volume II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2013

ALMEIDA, Mário Arosos de, "Teoria Geral do Direito Administrativo - O Novo Regime do Código de Procedimento Administrativo", Almedina, Coimbra, 3ª edição, 2015

OTERO, Paulo, "Manual de Direito Administrativo", vol. I, Almedina, Coimbra, 2016

 

Ksenia Kvast - nº24828

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