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Subturma 10 no Divã da Psicanálise

Blog de Direito Administrativo. 2º Ano - Turma B, Subturma 10 (2016/2017).

Subturma 10 no Divã da Psicanálise

Blog de Direito Administrativo. 2º Ano - Turma B, Subturma 10 (2016/2017).

Contratos Públicos

Tiago Costa - 24325 

Introdução

Nem sempre se admitiu a possibilidade de a Administração Pública se vincular através de contratos: a ligação entre a actividade administrativa pública e a ideia de autoridade levou a que se considerasse que a unilateralidade era a sua forma de atuação típica. Naturalmente que num período em que a Administração desenvolve actividades cada vez mais diversificadas, muitas delas de prestação e de conformação, e intensifica o apelo à colaboração dos cidadãos na prossecução dos interesses públicos, tais reservas deixaram de fazer sentido.
É indispensável ter presente que, para se poder falar em contrato, é essencial que a declaração de vontade de ambas as partes seja condição da respectiva existência. Se a manifestação de vontade do cidadão somente condiciona o início do procedimento tendente à prática de um acto (como sucede nos procedimentos de iniciativa particular), ou é apenas condição de eficácia de um acto (como sucede, para a maioria da doutrina, com a investidura num cargo público, relativamente ao acto de nomeação), encontramo-nos perante comportamentos unilaterais da Administração e não em face de verdadeiros contratos.
O reconhecimento da capacidade da Administração Pública para se vincular por contrato não implicou que se considerasse que esta se vinculava contratualmente em termos idênticos aos particulares. Nasceu então a ideia de que os contratos em que a Administração Pública outorgava constituíam necessariamente uma espécie de contratos diferente dos outros, contratos típicos da Administração Pública, contratos administrativos.
Uma vez reconhecida a capacidade da Administração Pública para contratar, a evolução não parou, começando a admitir-se que aquela, para além da outorga de contratos administrativos, também se poderia vincular através de contratos de natureza jurídico-privada, designadamente contratos idênticos àqueles que os particulares celebram entre si, regulados essencialmente pelo direito civil ou pelo direito comercial.
E, admitida esta possibilidade, surgiu e desenvolveu-se a ideia de que seria vantajoso submeter a contratação privada da Administração Pública a regras idênticas às aplicáveis aos contratos administrativos, nomeadamente no plano da formação do contrato. Foi isso que fizeram sucessivos Decretos-Lei, hoje derrogados pelo CCP, ao estabelecer que certos comportamentos
administrativos ocorridos na fase da negociação de contratos privados da Administração passavam a poder ser apreciados nos tribunais administrativos.
O último passo dado é relativamente recente e representa-se no Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º18/2008, de 29 de Janeiro, que entrou em vigor no dia 30 de Julho
. Uma vez mais, por imperativo comunitário, foi necessário proceder à transposição das Directivas 2004/17/CE e 2004/18/CE – entretanto revistas – fundamentalmente relativas a procedimentos pré-contratuais públicos.
Ao compreender normas de direito substantivo e de direito adjetivo e aliado o facto de terem intervido dois legisladores – o comunitário e o nacional – o CCP resultou num texto extenso – 473 artigos e seis anexos – e não-exclusivista, deixando em vigor, integral ou parcialmente, inúmera legislação avulsa.

O Código mantém-se fiel à suposta autonomia conceptual e dogmática do contrato administrativo. Para o legislador, existem contratos administrativos que não são públicos (todos os que não envolvam problemas de concorrência. v.g. contratos sobre o exercício de poderes públicos), e existem ainda contratos públicos que não são contratos administrativos, como por exemplo, os contratos qualificados pela lei ou pelas partes como contratos de direito privado ou submetidos a um regime de direito privado, mesmo que celebrados por “contraentes públicos” no exercício da função administrativa – assim, o regime da Parte III do CCP não se aplica, em princípio, a contratos de compra e venda, doação, permuta e arrendamento de bens imóveis (do património privado dos entes públicos) e a contratos similares – artigo 4.º, n.º 2, alínea c).

A sistematização do Código perpetua a distinção: enquanto a Parte III se aplica apenas aos contratos administrativos, que aí encontram o seu regime substantivo, já a Parte II se aplica à contratação pública, dispondo apenas em matéria de formação dos contratos.

Contratos administrativos, contratos de direito privado da Administração Pública e contratos submetidos a regimes de contratação pública

Com a revisão de 2015, a Parte IV do CPA passou a incluir um último Capítulo III, no âmbito do qual, no nr. 1 do artigo 200º, retoma a clássica contraposição entre contratos administrativos e contratos de direito privado da Administração Pública.

A opção de retomar esta contraposição, nos seus termos clássicos, pode parecer discutível, por poder sugerir que o Direito privado seria o Direito comum da atividade da Administração Pública e o Direito Administrativo um Direito especial, que apenas se lhe aplicaria em domínios específicos, primordialmente conexos com o exercício de poderes de autoridade. Ora, hoje, deve assumir-se que o Direito Administrativo é o Direito comum da atividade administrativa, a cujo âmbito de aplicação não se encontra subtraída nenhuma das formas de atuação jurídica da Administração Pública, e, por conseguinte, que todos os contratos celebrados pela Administração Pública estão submetidos a normas de Direito Administrativo, E, em razão disso, deve, atribuir-se a designação de contratos públicos a todos os contratos celebrados pela Administração Pública, querendo desse modo significar-se que todos eles são contratos de regime público administrativo, na medida em que todos eles são submetidos a regimes de Direito Administrativo. Ao que, por outro lado, acrescem os contratos celebrados por entidades privadas que a legislação da contratação pública também submete a um regime público administrativo, e que, por isso, também devem ser qualificados como contratos públicos.

A submissão dos contratos públicos ás normas do direito administrativo não decorre da aplicação do critério da sujeição nem do objeto mas da intensidade com que as relações emergentes se vinculam: por isso, existem contratos administrativos, – a que fazem referência os arts. 1º/6; 3º e 8º do CCP – contratos de direito privado da administração pública – previstos no art. 200º do CPA – e contratos submetidos a regimes de contratação pública – nos termos do art. 201º do CPA.

Seguindo o autor, é, assim, possível distinguir, dentro do amplo leque dos contratos públicos, três grandes categorias de contratos:

a) Os contratos administrativos, a que fazem referência os artigos 1º, nr. 6, 3º, 8º e a Parte III do CCP. Como o nome indica, são contratos com um estatuto próprio de Direito Administrativo, que com este ramo do Direito estabelecem uma relação de maior intensidade. As relações jurídicas emergentes destes contratos estão submetidas a um regime de Direito Administrativo, independentemente da questão de saber se estes contratos estão ou não igualmente submetidos a um regime próprio de Direito Administrativo quanto ao seu procedimento de formação — com repercussão em determinados aspetos do seu próprio regime de execução.

b) Os contratos de direito privado da Administração Pública (v.g. contrato de arrendamento de imóvel celebrado pela Administração Pública para instalação dum serviço público) que estão primordialmente submetidos a um regime de direito privado, embora no âmbito destes contratos sejam aplicáveis as normas de Direito Administrativo que concretizam preceitos constitucionais e os princípios gerais da atividade administrativa (cfr. Artigo 202º, nr. 2, do CPA) e, quando seja caso disso, estes contratos devam observar o regime pré-contratual de formação, regido por normas de Direito Administrativo, a que se encontrem especificamente submetidos (cfr, artigo 201º, nr. 1, do CPA). Com efeito, deve entender-se que, quando, no artigo 200º, o CPA fala de contratos de direito privado da Administração Pública, pretende fazer referência a contratos que, embora não deixem de estar sujeitos à aplicação de normas de Direito Administrativo, estão primordialmente submetidos a um regime de direito privado por contraposição aos contratos administrativos, que se caracterizam por encontrarem o seu regime primordial no Direito Administrativo, e não no direito privado.

No entanto, não contende, com a contraposição entre contratos administrativos e contratos de direito privado da Administração Pública o facto de, nos nossos dias, a formação da generalidade dos contratos públicos estar submetida a procedimentos de contratação regulados por normas específicas de Direito Administrativo, como se dirá na alínea seguinte. Importa, com efeito, separar o plano em que se situam os regimes da contratação pública daquele em que se coloca a contraposição entre contratos administrativos e contratos de direito privado da Administração Pública, que tem que ver com a questão de saber se determinado (tipo de) contrato se encontra submetido a um regime substantivo primordialmente definido pelo Direito Administrativo ou pelo Direito privado. Na verdade, da circunstância de um determinado (tipo de) contrato ser submetido a regras de contratação pública não resulta que o regime substantivo aplicável a esse contrato tenha de ser primordialmente definido pelo Direito Administrativo. Embora o CCP se tenha orientado no sentido de aproximar as duas coisas, trata-se de questões que se colocam em planos diferentes. Por isso e apesar do regime introduzido pelo CCP sobre a matéria, faz sentido distinguir, no seio dos contratos que se encontram submetidos a regimes de contratação pública, entre contratos administrativos e contratos de direito privado da Administração Pública.

c) Os contratos submetidos à aplicação de regimes procedimentais de formação regulados por normas de Direito Administrativo (v.g. adjudicação do contrato): em primeira linha, os regimes estabelecidos na Parte II do CCP que, nos seus aspetos essenciais, se conformam com as Diretivas da União Europeia sobre a matéria, mas também os regimes procedimentais pré-contratuais públicos previstos em legislação especial.

O artigo 201º do CPA faz referência ao facto de os procedimentos de formação dos contratos da Administração Pública cujo objeto abranja prestações que estejam, ou sejam suscetíveis de estar, submetidas à concorrência de mercado se encontrarem sujeitos a regimes próprios de Direito Administrativo, estabelecidos no CCP ou em lei especial. Esta é, pois, uma dimensão que não pode ser menosprezada no âmbito da análise da submissão a regimes de Direito Administrativo dos contratos da Administração Pública. Com efeito, em conformidade com o Direito europeu da contratação pública, quando a Administração Pública se propõe celebrar contratos que têm por objeto a aquisição de prestações no mercado, ela deve observar as determinações impostas pelas normas de Direito Administrativo que, nesse domínio, disciplinam o modo de formação da vontade do contraente público e o modo de escolha do co-contratante.

Âmbito da figura do contrato administrativo

Até à entrada em vigor do CCP, a definição legal de contrato administrativo resultava do artigo 178º do CPA, que o definia como "o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa".

A existência de uma definição legal de âmbito genérico de contrato administrativo constituía, porém, um dado recente, que não se inscrevia na tradição do ordenamento jurídico-administrativo português. Foi, na verdade, o artigo 9º do ETAF de 1984 que pela primeira vez introduziu uma tal definição. Até aí, pelo contrário, o entendimento dominante era o de que só eram administrativos os contratos que correspondiam ao elenco limitado e taxativo de tipos contratuais que constava do artigo 815º do Código Administrativo.

Todos esses contratos correspondiam, entretanto, ao modelo, específico e paradigmático, dos chamados contratos administrativos de colaboração subordinada, que, de acordo com a tradição francesa do contrato administrativo se caracterizavam por dar origem a uma relação duradoura entre o contraente privado e o contraente público, mediante a qual o primeiro se associava à prossecução das atribuições do segundo, submetendo-se voluntariamente aos respetivos poderes de autoridade, através da assunção de um estatuto de sujeição ou subordinação.

A consagração, na ordem jurídica portuguesa, de uma definição genérica de contrato administrativo representou, assim, a superação do critério da sujeição ou subordinação como critério de delimitação da figura, identificada com o modelo do contrato de colaboração subordinada uma vez que, como se afigura evidente, a adopção de tal critério seria, hoje, incompatível com o moderno entendimento das relações jurídico-administrativas e do papel que, nesse quadro, pode e deve desempenhar o recurso à via contratual. Nas palavras de Sérvulo Correia "a adoção legislativa da figura do contrato administrativo por natureza veio tornar patente a insuficiência da teoria da sujeição, insuficiência cuja causa é a incapacidade desta concepção para servir de base à caracterização de todas as relações jurídicas administrativas. O critério da sujeição não basta para qualificar os contratos porque o Direito Administrativo não sc esgota em relações de sujeição. A insistência na ideia de sujeição como pólo aglutinador representa ainda, o uso, porventura inconsciente, de um instrumento do 'arsenal' novecentista, em termos que se não adequam à evolução constitucional entretanto verificada, que alargou não só quantitativa mas também qualitativamente o quadro da função administrativa".

A introdução na ordem jurídica portuguesa de uma definição normativa genérica de contrato administrativo deu, contudo, origem a vários tipos de dificuldades. Na verdade, foi só em 1991 que, no capítulo III da sua Parte IV, o CPA consagrou um punhado de regras com pretensão de aplicabilidade geral à figura do contrato administrativo. O regime desse modo introduzido era, contudo, muito incipiente, deixando por regular ou regulando de modo ambíguo muitos aspetos importantes. Até ao surgimento do CCP, pode, por isso, dizer-se que, salvo no que respeita aos contratos administrativos típicos, objeto de regulação especial – que, em grande medida, correspondiam aos tipos contratuais que já se encontravam tipificados no Estado Novo – o contrato administrativo por natureza era, em Portugal, uma figura à procura do seu regime substantivo.

Por outro lado, a definição introduzida pelo artigo 9º do ETAF de 1984 e, mais tarde, retomada pelo artigo 178º do CPA, ao remeter, pura e simplesmente, para a natureza jurídico-administrativa das relações jurídicas que eram objeto do contrato, não podia deixar de conduzir à multiplicação de situações de ambiguidade na delimitação da figura, com as inevitáveis consequências: no plano substantivo, insegurança na determinação do regime jurídico a aplicar às relações entre as partes; no plano processual, insegurança na determinação da jurisdição competente para dirimir os eventuais litígios contratuais. Na verdade, o CPA consagrava o critério do objeto, de inspiração alemã. Ora, como nota Sérvulo Correia, também na Alemanha "a teoria do objeto tem sido criticada com razão por constituir uma mera plataforma de remissão para outros critérios. Com efeito, ela não contém em si mesma resposta para a questão de como se qualifica o objeto do contrato. Ao declarar que o contrato administrativo é aquele que constitui, modifica ou extingue uma relação jurídica de direito administrativo, o legislador aponta sem dúvida para o objeto imediato do contrato mas não fornece (nem isso lhe competiria) qualquer chave para a qualificação da relação jurídica de que depende a qualificação do contrato".

Como resposta aos problemas da definição substantiva apresentados pelo normativo de âmbito genérico, o CCP, assumiu, no nr. 6 do seu artigo 1º, a necessidade de densificar o conceito de contrato administrativo, substituindo a definição genérica que constava do artigo 178º do CPA por uma enumeração das categorias de situações contratuais que se entendeu deverem merecer a qualificação de administrativas. O CCP reconheceu, desse modo, que, também no plano substantivo, da delimitação das espécies contratuais a submeter a um regime de Direito Administrativo, a definição do artigo 178º do CPA não fornecia uma base segura, pelo que a delimitação legal da figura do contrato administrativo carecia de ser densificada.

O CCP renunciou, entretanto, à pretensão de consagrar um critério do contrato administrativo, e, pelo contrário, reconhecendo a discutibilidade dos diferentes critérios que, ao longo dos tempos, foram sendo propostos, optou por proceder à conjugação de vários critérios, que não se excluem entre si, para delimitar a figura do contrato administrativo, sem consentir a qualquer desses critérios pretensões hegemónicas, Por este motivo, optou por enunciar, nas várias alíneas do nr. 6 do artigo 1º, as diferentes categorias de situações contratuais, que, pela conjugação de diferentes critérios, dão, no seu conjunto, corpo à figura do contrato administrativo devendo o preceito ser lido no sentido de se atribuir a cada uma das previsões contidas nas suas diferentes alíneas o alcance que, de modo adequado, melhor permita harmonizá-las com as demais.

São cinco as categorias de situações contratuais a que, nas quatro alíneas do nr. 6 do artigo 1º, o CCP faz corresponder a qualificação de contrato administrativo. Essas cinco categorias podem ser reconduzidas a três grandes grupos:

a) O primeiro grupo corresponde aos contratos administrativos por natureza, que não pode deixar de entender-se que estão submetidos a um regime de Direito Administrativo, em razão da natureza pública do seu objeto ou do seu fim. Pode dizer-se que integram este grupo os contratos a que se referem as alíneas b), c) e d) do nr. 6 do artigo 1º do CCP;

Na alínea b), o nr. 6 do artigo 1º do CCP qualifica como administrativos os contratos com objeto passível de ato administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos. É evidente a natureza administrativa destes contratos, decorrente da natureza pública do seu objeto, que necessariamente implica a aplicabilidade de um regime de Direito Administrativo e não de direito privado.

Estão aqui em causa contratos que tenham por objeto a substituição de atos administrativos: estabelece o artigo 278º do CCP tal como, já antes dele, estabelecia o artigo 179º do CPA, nos mesmos precisos termos que "Na prossecução das suas atribuições ou dos seus fins, os contraentes públicos podem celebrar quaisquer contratos administrativos, salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer". Desta disposição, tem sido extraída a permissão genérica da substituição de atos administrativos por contratos, quando se afigure que a utilização do instrumento contratual se adequa melhor ao objeto carecido de definição jurídica (v.g. licenciamento de loteamentos urbanos). E, nessa linha, a revisão de 2015 introduziu no CPA um novo artigo 127º, que prevê que, "salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer, o procedimento pode terminar pela prática de um ato administrativo ou pela celebração de um contrato". O contrato substitutivo de ato administrativo, completamente alheio à tradição francesa, é uma construção muito mais recente do Direito alemão, que se inscreve num contexto e, por isso, obedece a uma lógica inteiramente diversa. Com efeito, ao contrário do que sucede no âmbito dos contratos administrativos de colaboração subordinada da tradição francesa, em que é através da celebração do contrato que o contraente privado voluntariamente assume um estatuto de sujeição, pré-ordenado à criação das condições para que o contrato possa prosseguir da melhor forma a satisfação das necessidades públicas a que se dirige, os contratos que agora exponho têm por objeto o exercício de poderes de autoridade da Administração, paradigmaticamente nos domínios em que a lei submete atividades privadas à necessidade da obtenção de licenças ou autorizações administrativas, e, portanto, inscrevem-se no âmbito de relações de poder em que o estatuto de sujeição do particular perante o poder da Administração pré-existe ao próprio contrato.

b) O segundo grupo corresponde aos tipos contratuais que, ainda que não sejam contratos administrativos por natureza, a própria lei diretamente qualifica como administrativos, submetendo-os a um regime substantivo de direito público (cfr. artigo 1º, nr. 6, alínea a), do CCP). Integram este grupo (i) os contratos administrativos típicos previstos no Título II da Parte III do CCP e (ii) os demais contratos administrativos típicos ou nominados previstos em legislação avulsa;

c) O terceiro grupo corresponde aos contratos administrativos atípicos que poderiam ser contratos de direito privado (os chamados contratos administrativos com objeto passível de contrato de direito privado): trata-se de contratos que, não sendo administrativos por natureza, a lei também não qualifica como administrativos, mas que são administrativos por qualificação das partes, na medida em que a lei admite que as próprias partes, desde que uma delas seja um contraente público, os qualifiquem como administrativos ou os submetam a um regime substantivo de direito público (cfr. Artigo 1º, nr. 6, alínea a), e artigos 3º, nr. 1, alínea b), e 8º do CCP).

Regime dos Contratos Administrativos

Como resultou da exposição efetuada o Direito dos Contratos Públicos desdobra-se em duas dimensões: o Direito da contratação pública, que regula os procedimentos de formação dos contratos públicos, e os regimes aplicáveis às relações emergentes dos contratos. Para os efeitos do segundo semestre do curso de Direito Administrativo apenas abordarei a segunda destas dimensões, referindo-me especificamente ao regime aplicável às relações emergentes dos contratos administrativos.

Na sua Parte III, o CCP estabelece um regime normativo aplicável aos contratos administrativos. A Parte III do CCP possui, no entanto, um duplo objeto de regulação. Com efeito, integram-na um Título II, no qual se estabelece o regime aplicável a um conjunto específico de contratos administrativos, que, sem prejuízo da previsão de outros em lei avulsa, correspondem aos contratos administrativos típicos mais importantes; e um Título I, no qual se optou por estabelecer um regime que, de acordo com o disposto no nr. 1 do artigo 280º, parece pretender aplicar-se, na falta de lei especial, aos "contratos administrativos em geral", isto é, a todos os contratos que, nos termos dos artigos 1º, nr. 6, 3º e 8º do CCP, são qualificados como contratos administrativos.

Impõe-se primeiro relevar a circunstância de que, apesar das aparências, o regime dos contratos administrativos que o CCP consagra no seu Título I não é, na realidade, um regime de âmbito geral, aplicável a todos os contratos administrativos. Com efeito, o CCP, no essencial, consagrou, no Título I da sua Parte III, o "corpo de princípios do contrato administrativo", de elaboração jurisprudencial francesa, que, embora venha sendo abusivamente associado a um conceito pretensamente unitário de "contrato administrativo", foi construído pelo Conselho de Estado francês para conformar as relações jurídicas emergentes de um modelo específico de contratos, os contratos administrativos de colaboração subordinada, a que já atrás se fez referência, e, de entre eles, muito em particular, dos contratos de concessão.

Daí o ênfase colocado nas prerrogativas de autoridade que são conferidas ao contraente público no âmbito da relação contratual. Teve-se, na verdade, desse modo em vista "consagrar um regime jurídico que, na sua essência, se caracteriza por conferir à entidade pública uma posição de supremacia jurídica sobre o seu contratante", mediante a qual ela fica investida em prerrogativas que "desigualizam as posições em que as partes estão colocadas", no âmbito de "uma relação de poder público vs. sujeição (e não de direito vs. Dever), recorrendo à síntese de Pedro Gonçalves.

Como, no essencial, adota como referência o modelo emblemático dos contratos de colaboração subordinada, o estatuto em que o regime do Título I da Parte III do CCP investe os contraentes públicos é, assim, configurado como se todos os contratos que são reconduzidos a esta amplíssima categoria correspondessem necessariamente a esse modelo. A verdade, porém, é que não podem deixar, neste domínio, de reconhecer-se as enormes diferenças que separam entre si as diferentes categorias de contratos administrativos já apontadas, atribuindo-se a essas diferenças o devido relevo, quando se trata de determinar o conteúdo do regime jurídico a aplicar às correspondentes relações contratuais.

Por isso, não pode deixar de entender-se que, ao contrário do que à primeira vista poderia parecer, o regime do Título I não é aplicável, em toda a sua extensão, a todos os contratos administrativos. É o que, desde logo, resulta, em termos gerais, das ressalvas incluidas no corpo do artigo 302º que têm um alcance muito importante.

E é isso que, por outro lado, explica a existência, no Título I da Parte III do CCP, de um último capítulo IX, constituído por "regras especiais", que, nas duas primeiras secções, se referem, respetivamente, aos contratos com objecto passível de ato administrativo e sobre o exercício de poderes públicos, e aos contratos interadministrativos. Com efeito, ambas as secções dizem respeito a categorias específicas de contratos administrativos que não correspondem ao modelo do contrato de colaboração subordinada, pelo que, embora por razões diferentes e, por isso, em medidas diferenciadas, se encontram subtraídos a alguns dos aspetos mais significativos do regime do Título I da Parte III do CCP.

É o que, desde logo, resulta do artigo 338º, respeitante aos contratos interadministrativos, que exclui a aplicabilidade das disposições da Parte III "aos contraentes públicos que contratam entre si num plano de igualdade jurídica, segundo uma ótica de harmonização do desempenho das respetivas atribuições", determinando, em contrapartida, a sua aplicabilidade "aos contratos celebrados entre contraentes públicos pelos quais um deles se submeta ao exercício de poderes de autoridade pelo outro.

Mas é igualmente o que sucede com os contratos administrativos substitutivos de atos administrativos. Com efeito, esta categoria de contratos, proveniente de uma tradição completamente diferente da francesa, coloca questões específicas, das quais decorre a necessidade de soluções diferenciadas de regime, a que o CCP não dá resposta adequada nos artigos 336º e 337º. Infelizmente, continuam a subsistir, à face deste regime, os reparos que, quanto a este particular, Mark Kirkby dirigia à legislação precedente, quando notava que o regime jurídico dos contratos administrativos que nela se encontrava consagrado "foi concebido de raiz para regular os contratos de colaboração e que o legislador [...] no momento em que entendeu alargar a autonomia pública contratual da Administração à capacidade para o exercício do poder administrativo através de contratos, limitou-se a remendar o regime jurídico dos contratos de colaboração, ou seja, daqueles contratos que sempre foram objecto de regulação expressa no plano do Direito Administrativo português", sendo disso sintomático "o facto de preceitos nucleares do regime jurídico supostamente unitário dos contratos administrativos disporem com a ressalva de outra coisa resultar da natureza do contrato que hoje continua a suceder com o artigo 302º do CCP, tal como, ipsis verbis, sucedia anteriormente com o artigo 180º do CPA. À face, hoje, do regime do Título I da Parte III do CCP, não podemos deixar, por isso, de concordar com o referido Autor quando, já por referência ao regime normativo anterior, se perguntava "se não faria sentido que o Código, no capítulo dos contratos administrativos, contivesse uma parte geral dirigida a regular os aspetos que são transversais a todos os contratos administrativos e que, subsequentemente, procedesse ao tratamento diferenciado" de categorias diferenciadas, como os contratos de colaboração subordinada e os contratos relativos ao exercício de poderes públicos.

Teoria Geral do Direito Administrativo – novo regime do código do procedimento administrativo

Mário Aroso de Almeida

2016 – 3ª edição

 

 

Regulamentos Administrativos

Regulamentos Administrativos

Noção - O regulamento é uma decisão de um orgao da administração publica que , ao abrigo de uma norma de direito público , produz efeitos jurídicos em situações gerais e abstractas. Deste modo podemos dizer que são normas que emanam de autoridades competentes no exercício da função administrativa.

Será interessante fazer uma breve referência aos aspetos integrantes deste conceito.

Como tal , podemos dizer que se trata de um : ato unilateral , positivo e imaterial.

É um acto de administração na medida em que o regulamento é emitido por um órgão administrativo ;

É um acto jurídico , na medida em que visa produzir efeitos jurídicos ;

É um acto de gestão pública , uma vez que emana de normas de direito público.

 

Regulamento e Lei

A primeira distinção é simples de entender , uma vez que o regulamento traduz o exercício da função administrativa ao contrário de lei , que traduz o exercício da função legislativa.

Todavia , existe ainda alguma confusão entre lei e regulamento , derivada sobretudo do artigo 1º , nº2 do Código Civil , uma vez que a nossa doutrina do direito privado , define a lei com base na generalidade e abstracção, o que leva a associar o regulamento a uma modalidade de lei em sentido material. Para tirarmos esta dúvida , devemos ter em conta o artigo 112º, nº1 da CRP .

Neste artigo , notamos evidentemente que o regulamento não consta nas formas de lei , excluindo um conceito exclusivamente material de lei.

Segundo o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, o que caracteriza a lei não é a sua generalidade e abstracção , mas sim , o seu carácter politico.

Deste modo , não há duvidas de que a distinção substancial entre lei e regulamento , esta no facto de a lei partilhar de um carácter primário da função legislativa e o regulamento partilhar de um carácter secundário da função administrativa, estando sempre subordinado ao principio da legalidade.

Por falar em Principio da Legalidade , é importante fazer uma breve referencia à importância do mesmo nos regulamentos .

Os regulamentos estão sujeitos ao principio de legalidade , quer na sua dimensão de preferência de lei , quer na sua dimensão de reserva de lei.

Sujeição do regulamentos à preferência de lei , decorrem algumas consequências:

1) Os regulamentos que contrariem o bloco de legalidade são ilegais e , consequentemente , inválidos.

Assim , qualquer regulamento que interprete , modifique , integre , suspenda ou revogue preceitos legais (regulamentos delegados) , é constitucionalmente proibido.

2) Uma lei posterior revoga um regulamento que seja contrario àquilo que nela se dispõe .

3) A revogação ou cessação de vigência da lei habilitante de emissão implica a cessação do regulamento , salvo se a manutenção jurídica for salvaguardada por lei.

4) A interpretação dos regulamentos deve ser conforme à lei e positivamente orientada para a prossecução dos fins da lei regulamentada.

5) Os regulamentos ilegais devem ser desaplicados pelos tribunais e são susceptíveis de impugnação contenciosa (cidadãos têm direito de impugnar-268º , nº5 –CRP )

Sujeição dos regulamentos à reserva de lei :

1) Os regulamentos têm de ser habilitados por lei . Esta vinculação à lei pode ser total – por exemplo , a lei que determina que o montante de uma taxa seja anualmente actualizado por regulamento no valor decorrente da aplicação da taxa de inflação vertida no ano anterior ou parcial - leis habilitantes da emissão de regulamentos independentes e internos.

2) São proibidos os regulamentos retroactivos , ou seja , é proibida a estatuição de efeitos normativos para o passado . Somente nos casos em que a lei o admita, sob pena de violação da reserva de lei.

Hierarquia dos regulamentos :  Existem 3 critérios :

1) Posição do órgão emissor – os regulamentos emitidos pelo Governo enquanto órgão superior da Administração Publica e órgão de soberania são hierarquicamente superiores em relação a todos os restantes ex:órgãos das autarquias locais devem respeitar os regulamentos emitidos pelas autoridades com poder tutelar.

2) Âmbito geográfico – regulamentos emitidos por órgãos inseridos em pessoas coletivas cujas atribuições sejam de âmbito territorial mais amplo são hierarquicamente superiores aos emitidos por órgãos inseridos em pessoas coletivas cujas atribuições sejam de âmbito territorial mais restrito.

 3) Forma – os regulamentos de forma mais solene são hierarquicamente superiores àqueles que sejam revestidos de uma forma mais solene. Contudo , os critério de hierarquia regulamentar não são absolutos.

O critério da posição do órgão emissor e o critério do âmbito geográfico cedem quanto a regulamentos de órgãos infraordenados ou que visem a prossecução de atribuições geograficamente menos amplas que tenham sido emitidos ao abrigo de reservas sectoriais de administração (regulamentos dos órgãos das RA habilitados por decretos legislativos regionais não estão hierarquicamente subordinados aos regulamentos estaduais).

Regulamento e Ato administrativo :

Tendo em conta a afinidade estrutural do regulamento e ato administrativo (são ambos actos unilaterais e imperativos) , justifica-se uma aproximação do regulamento ao acto administrativo , designadamente para efeitos de regime.

Esta questão tem alguma importância , uma vez que o regime geral dos regulamentos constante do CPA é muito sintético , podendo as suas lacunas parcialmente integradas pela aplicação do acto administrativo.

Funções dos regulamentos : Os regulamentos podem servir para executar leis , completá-las e dinamizar a ordem jurídica.

1) Função de execução –aplicação prática de um determinado regime geral , nomeadamente através da introdução de uma disciplina normativa de determinadas matérias que a lei se absteve de regular e que é necessária para que esta seja exequível.

2) Função de complementação das leis – visa a regulação de aspectos que a lei não regulou directamente.

3) Função de Dinamização Global – introdução de disciplinas normativas que não correspondem à execução ou complementação de leis.

Classificações dos regulamentos :

Quanto à relação dos regulamentos com a lei e às suas funções , os regulamentos podem ser:

1) Execução - executam a lei

2) Complementares- desenvolvem aspectos de uma disciplina normativa que a lei não regulou mas que são necessários para adquirir exequibilidade.

3) Independentes – contêm disciplinas inovadoras.

Quanto ao conteúdo , podem ser :

1) Organização - incide sobre aspectos relativos à estruturação orgânica e institucional da administração pública.

2) Funcionamento – aspectos relativos à actividade interna da administração.

3) Policia – disciplinam relações entre a administração publica e os particulares , ou destes entre si.

4) Fiscais – estabelecem taxas , tarifas , preços a pagar pelos particulares em contrapartida de prestações administrativas.

Quanto ao âmbito de eficácia :

1) Internos – disciplinam a organização e funcionamento da pessoa colectiva a que pertence o órgão do qual emanam. As pessoas visadas nos regulamentos internos são-no apenas na qualidade de funcionários e não de cidadãos

2) Externos – visam produzir efeitos fora da pessoa colectiva a que pertence o órgão do qual emanam.

*A doutrina alemã recusa aos regulamentos internos a qualidade de regulamentos administrativos . No entanto isto não tem qualquer fundamento na ordem jurídica nacional.

Procedimento regulamentar

Apesar de não haver referencia expressa , as disposições presentes no CPA aplicam-se apenas ao regulamentos externos , sendo os regulamentos internos desformalizados.

Assim ,podemos enunciar 4 fases no procedimento administrativo :

1) Fase de iniciativa – A iniciativa pode ser pública ou particular . A Pública dá-se mediante emissão, pelo órgão com competência regulamentar , de um acto administrativo que determine a abertura do procedimento, A Particular , dá-se mediante a apresentação de uma petição em que se solicita a elaboração , modificação ou revogação de um regulamento.

2) Fase de Preparação – é uma fase desformalizada , uma vez que não é formalizada pela lei.Durante a preparação , a administração pode ouvir os órgãos e serviços públicos que serão encarregues da sua aplicação , ouvindo entidades representativas dos seus destinatários e estimar o seu impacto social , económico , cultural , podendo solicitar pareceres ou proceder a qualquer outro tipo de diligências que sejam necessárias. Concluída esta parte , deve ser elaborada uma nota justificativa fundamentada. Esta fundamentação deve pelo menos demonstrar a necessidade ou conveniência do regulamento e do seu conteúdo.

3) Fase de participação dos interessados – através de audiência ou de apreciação pública. Nos termos do artigo 117º , nº1 do CPA , a audiência dos interessados è obrigatória apenas nos procedimentos que visem a adopção de regulamentos desfavoráveis para os seus destinatários.

Por outro lado , a apreciação pública é exigida para todos os regulamentos, mesmo aqueles que estão sujeitos a audiência dos interessados .

Como tal , o órgão com competência regulamentar deve submeter o projecto de regulamento ao público de modo a poder recolher sugestões e posteriormente proceder à publicação no Diário da República ou no jornal oficial da entidade regulamentar.

Seguidamente, durante os 30 dias subsequentes à publicação , qualquer cidadão pode dirigir por escrito as suas sugestões ao órgão com competência regulamentar (art.118º ,nº1 do CPA - Forma).

4) Fase de conclusão – o modo normal de conclusão é a aprovação do regulamento, mediante decisão ou deliberação do órgão com competência regulamentar. Por vezes , a conclusão é consequente de uma proposta por outro órgão . Também pode suceder que a conclusão do procedimento se dê sem a aprovação do regulamento (por exemplo se a petição dos interessados for arquivada).

Requisitos de existência e de legalidade do regulamento

Existência: Estes requisitos dizem respeito aos aspectos constitutivos do conceito de regulamento. Para que a realidade seja interpretada como um conceito de regulamento , deverá estar-se perante um ato jurídico, imaterial , unilateral , normativo, de administração e gestão pública.

Por outro lado ,temos os requisitos específicos , como por exemplo : promulgação e referenda ministerial (artigos 134º ,b) ; 140º , 137º da CRP).

Legalidade: Os requisitos de legalidade dividem-se em subjectivos e objectivos . Dentro do objectivos , temos os materiais, formais e funcionais.

1) Requisitos subjectivos - o principal requisito subjectivo de legalidade é : . competência do órgão emissor do regulamento - para um regulamento ser legal , tem de ser emitido pelo órgão a que a lei atribui competência para tal ; . idoneidade do autor .

2) Requisitos objectivos materiais – o conteúdo e o objecto têm que ser possíveis e inteligíveis , não podendo dizer respeito a matérias de reserva de lei , nem contrariar o bloco de legalidade.

3) Requisitos objectivos formais – a forma exigida é a que está presente na Constituição ou na lei.

4) Requisitos objectivos funcionais – têm que visar a prossecução do fim de interesse publico definido por lei , respeitando o principio da imparcialidade. A forma dos regulamentos externos é necessariamente escrita . Se não for exigida forma escrita especifica, deve ser adoptada a forma simples de despacho.

Os regulamentos internos , são uma excepção pois podem ser expedidos sob forma oral.

Relativamente ás formalidades prévias :

. respeito dos trâmites obrigatórios do procedimento regulamentar(audiência do interessados , consulta publica , nota justificativa etc). .todos os regulamentos têm que indicar de forma expressa a lei que visam regulamentar ou a lei que define a competência objetiva e subjetiva para a sua emissão.

.os regulamentos têm que indicar expressamente as normas por si revogadas .  

.preâmbulo do regulamento tem de mencionar as entidades que forma ouvidas em sede de audiência de interessados.(117º do CPA).

.preâmbulo do regulamento tem de mencionar a existência de consulta publica  

.o regulamento tem de ser emitido dentro do prazo legal

Inexistência de Regulamento:

Embora não sejam frequentes os casos em que haja uma inexistência de regulamento , podemos dizer que a inexistência é constitucionalmente cominada de forma expressa para os decretos regulamentares não promulgados ou cuja promulgação não tenha sido objecto de referenda ministerial.

Ilegalidade e Invalidade do Regulamento: Por regra ,a invalidade é a consequência normal reservada pela ordem jurídica para os regulamentos ilegais.

Os regulamentos inconstitucionais são nulos , uma vez que à violação da lei fundamental da ordem jurídica deve caber o desvalor jurídico mais grave .

Os regulamentos que violem a lei ordinária têm , de igual modo , como único desvalor a nulidade , uma vez que a anulabilidade permitiria a produção de efeitos jurídicos até à posterior anulação. Ou seja , o regulamento ilegal teria a virtualidade de suspender a lei por si violada bem como a de revogar a lei por si violada. Ora , ambas as consequências são expressamente proibidas pela nossa Constituição ( 112º, nº5).

Será importante referir que a invalidade dos regulamentos pode ser total ou parcial , conforme a omissão de requisitos de legalidade respeite as suas normas ou apenas parte delas.

Irregularidade do regulamento: A seguir a ilegalidade dos regulamentos , temos a irregularidade .

Exemplos de casos de irregularidade :

- ausência de nota justificativa ;

- falta de indicação expressa das normas revogadas pelo regulamento ;

Os regulamentos irregulares produzem os seus efeitos principais como se fosse legais , no entanto , a irregularidade pode acarretar consequências disciplinares para o titular do órgão com competência regulamentar e , eventualmente , implicar responsabilidade civil administrativa.

Eficácia e vigência do regulamento .

Requisitos de eficácia :

a) Os efeitos do regulamentos só se podem produzir após o conhecimento pelos destinatários;

b) Requisito de eficácia geral dos regulamentos externos é a publicação no Diário da República , tal como sucede com as leis;

c) A eficácia da normas regulamentares pode ser suspensa administrativamente ou jurisdicionalmente . Assim, podemos concluir que a ausência de suspensão é um requisito de eficácia (requisito negativo).

Cessação da vigência

Existem 3 formas de cessação de vigência dos regulamentos :

1) Revogação – pode operar em virtude de um acto jurídico hierarquicamente superior , nomeadamente uma lei que com ele seja incompatível.

2) Caducidade – decorre de qualquer facto de que dependa a vigência do regulamento, particularmente a cessação de vigência da lei habilitante da sua emissão ou o decurso do prazo pelo qual o regulamento estava destinado a vigorar.

3) Declaração de Ilegalidade – pode ser jurisdicional ou administrativa.

 

Joana Melo, nº28533

Ato Administrativo - Modelos históricos, Transformações e Conceções Amplas e Restritas

1 – Os modelos de Ato Administrativo

O ato administrativo conheceu vários modelos ao longo da história do Direito Administrativo. Surgiu com o Estado liberal e com a sua Administração agressiva, o modelo do ato administrativo autoritário ou desfavorável. Com o Estado social e a Administração prestadora nasce o modelo do ato administrativo prestador. Já com o Estado pós-social e a Administração conformadora ou de infraestruturas é criado o chamado ato administrativo multilateral ou de “eficácia em relação a terceiros”. Estes três modelos de atos, bem como os modelos de Administração coexistem na atividade administrativa dos nossos dias, segundo VASCO PEREIRA DA SILVA.

Começando pelo ato administrativo autoritário. Este modelo espelha, de forma cristalina, a relação entre a Administração Pública (AP) e o cidadão durante o Estado liberal. O Estado era visto como o guardião da ordem pública, o que faria com que a AP tivesse amplos poderes de regulamentação e fiscalização das atividades dos particulares, numa lógica de cidadão vs. Estado, em que este último “agredia” as posições jurídicas dos particulares em nome do interesse público.

Esta conceção baseia-se num ato administrativo entendido como uma decisão autoritária, através da qual a AP atinge a esfera de liberdade individual do particular.

Com a transição do paradigma do Estado liberal para o Estado social, também a noção de ato administrativo transita de um ato autoritário e impositivo da AP para um ato prestador da AP. Com a alteração da sua função, passando de um ato lesivo das posições jurídicas dos particulares para um ato constitutivo de direitos dos particulares, o ato administrativo recebe um novo enquadramento dogmático. Este fenómeno opera-se porque é impossível configurar a atribuições de direitos ou outras posições jurídicas ativas como comandos. No entanto, este fenómeno de favorecimento dos particulares não coloca em causa a unilateralidade do ato administrativo.

Uma definição possível de ato administrativo favorável seria “ato administrativo que procede à criação ou confirmação de uma vantagem juridicamente relevante”. Esta definição corresponde, por alto, à conceção de FABER, seguida por VASCO PEREIRA DA SILVA. Assim sendo, a principal distinção entre o conceito genérico de ato administrativo e o conceito de ato administrativo genérico é a atribuição de uma vantagem. Em Portugal, esta figura começou a ser tratada a propósito do regime de revogação do ato administrativo, sob o nome de ato constitutivo de direitos (cfr. 167º/2 CPA).

A complexificação da atividade administrativa, decorrente do aparecimento de uma nova Administração, a Administração conformadora, vai implicar mudanças estruturais no modelo de ato administrativo vigente surgindo, assim, o ato administrativo multilateral. Como consequência do Estado planificador e dirigente, que se relaciona simultaneamente com uma série de particulares, a AP começa a praticar atos que têm repercussões não apenas na esfera jurídica de um cidadão, mas nas esferas jurídicas de uma multiplicidade, nem sempre determinada, de cidadãos. Pensemos, por exemplo, nas autorizações de construção. De uma vantagem para um particular (poder construir num determinado terreno), surgem situações jurídicas nas esferas de terceiros (caso dos vizinhos, na medida em que eles são atingidos pelo projeto de construção).

Tendo estas decisões eficácia em relação a terceiros, devem estes, por mais numerosos que sejam, intervir no procedimento (tutela preventiva) e, mais tarde, deve-lhes ser concedida a possibilidade de impugnar contenciosamente a decisão, para defesa dos seus direitos subjetivos (tutela repressiva).

Do que nesta secção foi dito, resulta que o ato administrativo é uma realidade mutável. É justamente este seu caráter que permite a sua continuada relevância no plano jurídico-administrativo atual. Configurar o ato administrativo, atualmente, como um mero ato autoritário, ou como um mero ato prestador da AP, é errado. E o mesmo se pode dizer de configurá-lo apenas com base numa relação jurídica multilateral. A verdade é que estas três realidades coexistem atualmente no Direito Administrativo português embora, e particularmente no que toca ao ato administrativo autoritário, não exatamente como surgiram.

2 – Novas funções do ato administrativo

Hoje, o ato administrativo surge intimamente ligado à realização da função administrativa, ou seja, à satisfação do interesse público. Neste âmbito, o ato administrativo cumpre novas funções que não podiam ser configuradas na perspetiva clássica de ato administrativo, de cidadão vs. Administração. O ato administrativo que temos na atualidade também transcende o simples ato administrativo prestador individual, típico da Administração prestadora, uma vez que está em causa a regulação de novas realidades, não necessariamente individuais.

O professor VASCO PEREIRA DA SILVA destaca as seguintes quatro funções:

1. Garantia das posições dos particulares nos domínios da AP prestadora e conformadora;

2. Clarificação e antecipação do previsível desenvolvimento das relações administrativas mediante o escalonamento e desdobramento das decisões;

3. Concertação e aliciamento do particular para a realização de tarefas administrativas;

4. Facilitação da automação da AP.

Em relação ao ponto 1, é possível afirmar que a atuação da AP, através de atos administrativos constitutivos de direitos, fornece aos particulares uma certeza relativamente sólida sobre a sua posição jurídica em relação à situação abrangida pelo ato.

Passando, agora, para o ponto 2. A complexidade de alguns projetos administrativos (como seja, por exemplo a construção de um aeroporto), que envolvem várias pessoas e interesses, leva à realização de procedimentos escalonados, como têm sido designados na doutrina alemã. Estes são definidos como “procedimentos administrativos em partes, em razão do tempo e do objeto, dando origem a declarações e decisões escritas que conduzem a uma redução da complexidade das decisões administrativas, com o objetivo de criação de previsibilidade da atuação administrativa futura, e consequente diminuição do risco de investimento dos particulares” (ERICSHEN)

A este respeito há que referir as decisões prévias e as decisões parciais. Nas primeiras, a autoridade administrativa emite uma decisão prévia em relação a certas condições de decisão, quando para tal esteja legalmente habilitada ou quando um particular possa fazer valer uma situação jurídica ativa, resultando desta a autonomização de parcelas daquela decisão. Já nas decisões parciais estamos perante um ato administrativo que consiste na autorização de uma parte do objeto da decisão constante do projeto a construir. Em ambos os casos, a tomada de decisões prévias e de decisões parciais envolve o faseamento do processo de decisão.

Uma vez que estes atos têm eficácia externa, a sua recorribilidade judicial é aceite. Como consequência, os particulares constatam um alargamento da tutela dos seus direitos, podendo não só recorrer da decisão final, como das decisões intermédias, moldando, pela via judicial, a atuação da AP.

A função de concertação e aliciamento do particular para a realização de tarefas administrativas (ponto 3) demonstra que os atos administrativos já não têm uma correspondência com a realidade da Administração toda poderosa, cuja vontade se impõe em relação aos privados. Os particulares intervêm no procedimento que forma o ato final (através, por exemplo, da audiência dos interessados), podendo negociar muitas das cláusulas do ato final.

A este propósito, uma corrente doutrinária francesa tem procurado defender, quando tal se verifica, a existência de um ato de natureza mista entre o negócio jurídico e o ato administrativo. No entanto, consideramos essa teorização incorreta uma vez que a participação dos particulares no conteúdo do ato não interfere com a sua natureza unilateral.

Relativamente à última função apresentada, no ponto 4, de potenciação da automação da AP, existem várias considerações a fazer. O avanço tecnológico existente na sociedade atual deu origem a um fenómeno de exercício da atividade administrativa por máquinas. A questão que se coloca é a recondução do exercício da função administrativa por máquinas à figura de ato administrativo.

Uma vez que o Direito Administrativo se preocupa com as decisões administrativas, independentemente de estas terem sido realizadas por indivíduos ou não, parece ser de aceitar a prática de atos administrativos por computadores. Aliás, em última análise, quem programa o computador é um indivíduo, pelo que a imputação de uma certa decisão poderia ser sempre reconduzida a uma pessoa e não a uma máquina. É justamente esta possibilidade de recondução dos atos automatizados da AP, à figura de atos administrativos, que permite o seu tratamento no Direito Administrativo. Este é um excelente exemplo do conteúdo mutável do conceito de ato administrativo que, quando foi concebido, certamente não pretenderia englobar este tipo de decisões automatizadas, pois não eram possíveis no século XVIII, nem o seriam por mais quase dois séculos. É também a possibilidade de recondução das decisões automatizadas ao ato administrativo que permite a sua utilização, sendo, justamente, essa a nova função do ato administrativo aqui em causa: a de permitir o recurso a meios de tomada de decisões automatizadas.

Certamente, existem campos em que a decisão nunca poderá ser automatizada. O professor VASCO PEREIRA DA SILVA defende um critério segundo o qual é vedada a utilização de processos automáticos de decisão por recurso a computadores quando estejamos perante uma tarefa que, pelas suas caraterísticas, deva depender de apreciação humana. Alerta também o professor para o dever de abstenção de utilização de processos de decisão automatizados quando possa agredir direitos fundamentais.

3 – Noções amplas e restritas de ato administrativo

Relativamente à noção de ato administrativo, é possível distinguir duas tradições históricas distintas:

• Conceção ampla de ato administrativo, de matriz francesa, definido simplesmente como produtor de efeitos jurídicos (dentro do qual se encontram os atos recorríveis);

• Conceção restrita de ato administrativo, de matriz alemã, que reserva esse conceito apenas para os atos recorríveis.

Hoje em dia assistimos à crise da conceção restrita de ato administrativo, pela falência dos seus pressupostos teóricos. Por um lado, por efeito da lei e da jurisprudência, verificou-se um extraordinário alargamento do âmbito dos atos administrativos recorríveis. Por outro lado, o recurso de anulação deixou de ser o único meio de fiscalização contenciosa das atuações administrativas unilaterais no Direito alemão (e também no Direito português).

Em Portugal, por influência da apelidada “escola de Lisboa”, é habitual a adoção de um conceito amplo de ato administrativo, de entre os quais se distinguiam os atos recorríveis, tradicionalmente designados “atos definitivos e executórios”.

MARCELLO CAETANO definia o ato administrativo como “conduta voluntária da AP que, no exercício de um poder público e para a prossecução dos interesses, postos por lei a seu cargo, produza efeitos jurídicos num caso concreto”. Deste conceito geral, decorria um conceito mais restrito de ato administrativo enquanto “fixação autoritária de posições relativas”, por ele denominado de ato definitivo e executório. O ato definitivo e executório seria a “conduta voluntária de um órgão da Administração no exercício de um poder público que para a prossecução de interesses a seu cargo, pondo termo a um processo administrativo gracioso ou dando resolução final a uma petição, defina, com força obrigatória e coerciva, situações jurídicas num caso concreto”.

Por outro lado, ROGÉRIO SOARES defende uma conceção restrita de ato administrativo, tendo por base a recorribilidade do ato. Para este autor, o ato administrativo representa uma “estatuição autoritária, relativa a um caso individual, manifestada por um agente da Administração no uso de poderes de Direito Administrativo, pela qual se produzem efeitos jurídicos externos, positivos ou negativos”. Destes atos, o autor distingue os atos instrumentais (que, apesar do nome, não seriam atos administrativos) aos quais faltaria “a pretensão de encontrar a satisfação imediata de um interesse público concreto”.

Outra conceção restritiva de ato administrativo é preconizada por SÉRVULO CORREIA. Este autor define o ato administrativo como “conduta unilateral da Administração, revestida da publicidade legalmente exigida, que, no exercício de um poder de autoridade, define inovatoriamente uma situação jurídico-administrativo concreta, quer entre a Administração e outra entidade, quer de uma coisa”. O autor procede a outra distinção entre atos administrativos e atos auxiliares, semelhante à de ROGÉRIO SOARES.

Para VASCO PEREIRA DA SILVA, o ato administrativo deve ser definido numa aceção ampla. A definição proposta por este autor é a de “manifestação unilateral de vontade, de conhecimento ou de desejo proveniente da AP e destinada à satisfação de necessidades coletivas que, praticada no decurso de um procedimento, se destina à produção de efeitos jurídicos de caráter individual e concreto”. Acrescenta, ainda, que a adoção de um conceito amplo de ato administrativo deve valer para todo o universo das atuações administrativas, não havendo que distinguir, em termos substantivos, os atos recorríveis dos que não o são, construindo duas definições distintas em torno da suscetibilidade de apreciação jurisdicional.

Na opinião deste autor, é também criticável o recurso à figura do ato definitivo e executório como equivalente ao ato recorrível. Em primeiro lugar, em relação ao elemento de definitividade, este não esgota todas as hipóteses de atos cuja impugnação contenciosa deve ser admitida, nem é pressuposto da tutela jurisdicional dos atos administrativos (cfr. 268º/4 e 268º/5 CRP). Por outro lado, em relação ao elemento da executoriedade, a crítica do autor é mais extensa. Primeiro, afirma que a obrigatoriedade não é uma caraterística dos atos administrativos, mas apenas de atos administrativos ou de comando. De seguida, defende que a suscetibilidade de execução forçada não constitui uma caraterística dos atos recorríveis e a sua utilização como critério para aferir a impugnabilidade dos atos administrativos. Para além do que já foi dito, o próprio conceito de obrigatoriedade é equívoco e erróneo. Finalmente, aponta o autor o facto de, à luz do artigo 268º CRP, a executoriedade já não servir como critério de determinação de acesso ao recurso contencioso.

O critério que VASCO PEREIRA DA SILVA afere para um ato ser recorrível é o critério dos efeitos produzidos relativamente aos particulares, sendo recorríveis todos os atos que lesem, ou possam lesar, posições jurídicas ativas dos cidadãos.

A solução legal, relativa à impugnabilidade de um ato administrativo, consagrada atualmente é a de que, nos termos do artigo 51º/1 do Código de Processo Administrativo, “ainda que não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, incluindo as proferidas por autoridades não integradas na Administração Pública e por entidades privadas que atuem no exercício de poderes jurídico-administrativos”.

Daqui se retira que, embora o domínio da impugnabilidade dos atos administrativos tenha sido estendido, em relação ao âmbito do conceito de ato definitivo e executório, ainda não é tão ampla como VASCO PEREIRA DA SILVA gostaria, na medida em que há a possibilidade de atos internos da AP ferirem direitos e posições jurídicas ativas de particulares.

Francisco Azevedo, nº 28198

O Ato Administrativo: Validade e eficácia; Extinção do ato administrativo

Preâmbulo

            A dissertação que nos propomos a realizar incide sobre caraterísticas fundamentais e requisitos do ato administrativo, bem como as causas e consequências da sua extinção e modificação. Trata-se de uma matéria com elevada importância prática para o estudo da atividade administrativa, que por isso mesmo exige uma consulta constante das fontes legislativas, particularmente: a Constituição da República Portuguesa (CRP) e o Código de Procedimento Administrativo (CPA).

            Para uma boa compreensão da temática em causa, e sem querer imiscuir no tema extenso que é a conceção evolutiva do conceito de ato administrativo importa, no entanto, realizar uma breve nota quanto ao conceito que é objeto do nosso estudo: o ato administrativo.

            A definição proposta pelo Professor Freitas do Amaral é a de que o ato administrativo consiste no “ato jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”.

            O CPA considera, no seu art. 148º, atos administrativos “as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”.

            Feita esta curta apresentação do ato, estamos prontos para iniciar a nossa exposição.

 

  1. Validade e eficácia do ato administrativo

1.1. Delimitação dos conceitos-chave

         De modo a que o ato administrativo seja válido e eficaz, tem que acatar determinadas exigências de validade e de eficácia, que não se confundem. Acontece que a validade de um ato não importa a sua eficácia, nem a sua eficácia importa a sua validade.

            É essencial traçar a distinção entre ambos os conceitos para melhor entendimento do exposto no parágrafo anterior.

            O Professor Freitas do Amaral define validade como “a aptidão intrínseca do ato administrativo para produzir os efeitos jurídicos correspondentes ao tipo legal a que pertence, em consequência da sua conformidade com a ordem jurídica”.

            Da definição do Professor, retira-se que o ato válido tem capacidade de produzir efeitos jurídicos. No entanto, e como iremos constatar, a efetiva produção desses efeitos por meio do ato não se liga ao conceito de validade, mas de eficácia do ato administrativo.

            Para abordar estes conceitos vamos socorrer-nos das disposições dos arts. 148º a 160º do CPA.

 

1.2. Requisitos de validade

            O ato administrativo encontra-se sujeito a diversos requisitos de validade, que podem incidir sobre:

  1. os sujeitos;
  2. a forma e as formalidades;
  3. o conteúdo e objeto;
  4. o fim.

            Vamos seguidamente expor e fundamentar os requisitos inerentes a cada um destes elementos do ato.

1.2.1. Sujeitos

            Os sujeitos do ato são os autores, a quem é imputado o ato administrativo, e os destinatários, aos quais são dirigidos os efeitos que se pretendem alcançar através do ato.

            Um ato praticado pela Administração é sempre imputável à pessoa coletiva cujo órgão praticou o ato. Tal deve-se ao facto de os órgãos prosseguirem as atribuições da pessoa coletiva.

            Como resultado desta ligação órgão-pessoa coletiva, verificam-se os seguintes requisitos de validade quanto ao autor do ato:

  1. o ato tem que se inscrever no âmbito das atribuições da pessoa coletiva;
  2. o órgão que pratica o ato tem que ter competência para tal;
  3. o órgão tem que estar legitimado para o exercício dessa competência.

            O CPA também exige que seja indicado no ato a autoridade que o pratica (art. 151º/1 a)) e que seja por esta assinado (art. 151º/1 g)). Tal confere aos particulares, sujeitos ao poder da Administração, um esclarecimento quando à autoridade por detrás dos atos em questão.

            Quanto aos destinatários, apenas é exigida uma identificação clara dos mesmos (art. 151º/1 b) do CPA).

1.2.2. Forma e formalidades

            Forma e formalidade são conceitos que nunca se devem confundir. Como já é do nosso conhecimento de Introdução ao Direito, a forma é o modo de exteriorização, neste caso, do ato.

            As formalidades consubstanciam deveres processuais exigidos legalmente, por modo a garantir que o ato é corretamente formado e indicado para prosseguir os efeitos que se pretendem com o mesmo. A sua não observância gera a ilegalidade do ato administrativo.

1.2.2.1. Forma

            De acordo com o art. 150º/1 do CPA, exige-se que a forma dos atos seja a forma escrita, ressalvando-se uma exceção relativamente a atos praticados por órgãos colegiais (art. 150º/2 do CPA). A redução dos atos a forma escrita permite que se tome o devido conhecimento dos mesmos.

            A particularidade desta exceção deve-se ao facto de os atos emanados dos órgãos colegiais serem apresentados verbalmente após votação, sendo também excecionados os atos que pela sua natureza e circunstância o justifiquem (art. 150º/1 CPA). São por exemplo certos atos praticados por polícias ou em estado de necessidade.

            Os atos que apenas requerem forma escrita stricto sensu são também designados por atos praticados por forma simples. Estes opõem-se aos atos relativamente aos quais a lei exige que seja respeitado um certo modelo legal, denominados atos praticados perante forma solene.

1.2.2.2. Formalidades

            Uma das formalidades essenciais alicerçadas ao ato administrativo é a fundamentação do mesmo, nos casos designados no art. 152º/1 do CPA.

            Este dever de fundamentação também se encontra parcialmente consagrado no art. 268º/3 da CRP, que explicita: “Os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

            Este dever desempenha importantes funções quanto ao controlo da Administração que, forçada a explicar o porquê das suas decisões, vai ser impelida a ponderar de forma mais cautelosa. Também funciona enquanto garante de uma maior proteção e confiança dos particulares face à Administração, dado fornecer-lhes uma justificação dos atos praticados.

            A fundamentação, para se considerar efetuada, tem que obedecer aos requisitos previstos no art. 153º/1 do CPA: ser expressa, expor os fundamentos de facto e de direito da decisão; e no art. 153º/2 do CPA a contrario: ser clara, coerente e completa.

1.2.3. Conteúdo e objeto

            Quanto ao conteúdo e objeto dos atos administrativos, os requisitos de validade dos mesmos coincidem em parte com os dos negócios jurídicos privados. Por este motivo, vamos servir-nos de disposições do Código Civil (CC) na exposição dos mesmos.

            Um ato jurídico será válido quanto ao objeto se este for determinável, legal e possível (art. 280º a contrario do CC). As mesmas exigências se aplicam aos efeitos (conteúdo do ato) e, em caso de atos certificativos, devem ser verídicos. Por este modo, assegura-se o respeito pelo princípio da legalidade, consagrado na lei constitucional no art. 266º/2 e ainda no art. 3º do CPA.

            A lei exige também que o ato administrativo discricionário não esteja viciado por erro, dolo ou coação, pois tal iria contra a vontade real do órgão com competências para a prática do ato.

1.2.4. Fim

            Nas palavras do Professor Sérvulo Correia: “o fim do ato administrativo é aquele interesse público cuja realização o legislador pretende quando confere à Administração um determinado poder de agir”.

            Retiramos desta definição que o fim do ato é a prossecução de um determinado interesse público do qual o ato não se pode desviar, sob pena de ser inválido. Esta ideia de fim encontra-se relacionada com o fim da Administração Pública, que consiste na prossecução do interesse público no geral (art. 266º/1 da CRP e art. 4º do CPA).

1.3. Requisitos de eficácia

            Para um ato administrativo ser eficaz, logo, produzir efeitos jurídicos, têm que se verificar condições diversas. Salientamos novamente a irrelevância da validade do ato para a sua eficácia e vice-versa.

            De acordo com o princípio da imediatividade dos efeitos jurídicos, os atos produzem efeitos jurídicos a partir do momento em que são praticados, salvo nos casos especificados na lei (art. 155º/1 do CPA). Este momento dá-se quando são identificados os sujeitos e o objeto do ato (art. 155º/2 do CPA).

            Uma das grandes exceções a esta regra geral está prevista no art. 156º/1, relativamente a atos com eficácia retroativa, que produzem efeitos antes do momento da sua prática. As situações em que a eficácia retroativa do ato é ou não atribuída ao mesmo pelo seu autor encontram-se previstas no art. 156º/2 do CPA.

            Outra exceção à norma geral, porém diametralmente oposta à da eficácia retroativa, é a da eficácia diferida ou condicionada, consagrada no art. 157º do CPA, na qual os atos produzem efeitos em momento posterior ao da sua prática.

            O CPA exige que os atos cuja publicação seja exigida por lei sejam publicados, por modo a garantir a sua eficácia (art. 158º/2) e o conhecimento dos mesmos pelos seus destinatários.

 

  1. Invalidade: fontes e formas

            O próximo ponto do nosso trabalho consiste em analisar a invalidade e as várias fontes de invalidade dos atos administrativos, que se verifica quando os mesmos são inaptos para a prossecução dos efeitos jurídicos desejados.

2.1. Fontes de invalidade

2.1.1. Ilegalidade

            A primeira fonte de invalidade sobre a qual nos vamos debruçar é a ilegalidade latu sensu, que consiste na contrariedade ao exposto em qualquer fonte normativa. As formas que a ilegalidade assume consistem nos vícios de:

Usurpação de poder

      Ocorre quando um órgão administrativo pratica um ato que não se insere nas atribuições do poder executivo. Consubstancia uma violação do princípio fundamental da separação de poderes, fortalecido pelo disposto no art. 2º e 111º/1 da CRP, podendo comportar a modalidade de:

  • usurpação do poder legislativo;
  • usurpação do poder moderador;
  • usurpação do poder judicial.

Incompetência

      Consiste na prática de um ato por um órgão que não possui competência para a prática do mesmo. Distingue-se da última figura por consistir na prática de um ato no âmbito do poder administrativo e ambos são casos de ilegalidade orgânica.

      Incompetência absoluta ocorre quando o órgão pratica um ato que não se identifica com as atribuições da pessoa coletiva, que se diferencia da incompetência relativa, em que o órgão pratica um ato da competência de outro órgão da mesma pessoa coletiva.

Forma

      Pode identificar-se com o desprezo das formalidades essenciais inerentes ao ato em concreto ou com a não observância da forma legal exigida.

Violação de lei

      Ocorre quando o conteúdo ou objeto do ato é desconforme com as normas jurídicas aplicáveis, podendo advir de um erro cometido pela Administração na interpretação, integração ou aplicação das normas jurídicas, incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo ou objeto do ato, etc.

Desvio de poder

      É a prática de um ato, tendo como base da mesma um motivo que não esteja de acordo com o fim visado pela lei, ou seja, em que se vise alcançar um fim de interesse público diferente do previsto inicialmente ou um fim de interesse privado.

      O art. 161º/2 e) do CPA estipula a nulidade para os atos praticados com desvio de poder para fins de interesse privado.

2.1.2. Ilicitude

            O ato que é ilícito não é necessariamente ilegal. Veja-se:

  • situações em que o ato não viola a lei, mas ofende um direito subjetivo ou interesse legítimo de um particular;
  • situações em que o ato meramente ofenda a ordem pública e bons costumes, por aplicação analógica do disposto no art. 280º/2 do CC;
  • situações em que o ato implique usura, por aplicação analógica dos arts. 282º a 284º do CC.

2.1.3. Vícios da vontade

            Diz-se do erro, dolo e coação, por viciarem a vontade do órgão autor do ato. Marcello Caetano é da opinião de que estes configuram uma ilegalidade.

2.2. Nulidade e anulabilidade

            Reguladas pelas disposições dos arts. 161º a 163º do CPA, estas figuras consistem em consequências para a invalidade dos atos, sendo coerente que sejam exploradas após o nosso breve estudo sobre as fontes de invalidade dos atos administrativos.

2.2.1. Nulidade

            A nulidade carateriza-se por extinguir retroativamente quaisquer efeitos que o ato tenha produzido (art. 162º/1 do CPA), por não existir prazo para a invocar (art. 162º/2 do CPA), por não ser obrigatório acatar um ato nulo, quer pelos funcionários públicos, quer pelos particulares, tendo estes direito de resistência perante atos que ofendam os seus direitos, liberdades e garantias (art. 21º da CRP), por poder ser conhecida por qualquer autoridade administrativa ou tribunal (art. 162º/1 CPA) e pelo reconhecimento judicial da mesma tomar a forma de “declaração de nulidade”.

            Esta figura tem caráter excecional, por razões de segurança jurídica. Seria injusto um aluno bolseiro da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa ver-se obrigado a restituir tudo o que havia recebido pelo ato administrativo que lhe atribuía a bolsa.

            Os casos de nulidade são, salvo exceções em leis especial, os que constam do art. 161º/2 do CPA.

2.2.2. Anulabilidade

            Por sua vez, a anulabilidade distingue-se pelo facto de não implicar a ineficácia do ato anulável, mas apenas quando o mesmo for anulado (art. 163º/2 do CPA), ser obrigatório atender ao ato até à sua anulação, ter um determinado prazo para ser impugnável, só poder ser requisitada perante um tribunal administrativo ou perante a Administração e a sentença proferida sobre o ato ser uma sentença de anulação.

            A anulabilidade constitui a regra geral. Quando um ato que padece de um vício não é nulo é, geralmente, anulável.

 

  1. Extinção e modificação

         O último assunto que vamos abordar é o da extinção ou modificação dos efeitos jurídicos do ato.

            A extinção dos efeitos do ato administrativo pode ocorrer com a prática do ato, consistindo num ato de execução instantânea. Estes opõem-se aos atos de execução continuada, ou seja, àqueles cujos efeitos se perduram no tempo.

            As duas modalidades de extinção que vamos analisar de seguida são: a revogação e a anulação administrativa.

3.1. Revogação

            A revogação consiste num ato que determina a cessação dos efeitos de um ato anterior, por motivos de mérito ou de conveniência (art. 165º/1 do CPA), tendo por objetivo garantir a melhor prossecução do interesse público. Deste modo, quando determinado ato já não se revele o mais adequado para o fim inicial a que se dirigia, pode ser afastado.

            Este ato não faz cessar os efeitos já produzidos pelo ato revogado, tendo uma eficácia meramente ex nunc.

            Quanto à iniciativa, a revogação pode ser espontânea, intitulada de revogação oficiosa, ou provocada, quando não parta da vontade do autor do ato (art. 169º/1 do CPA).

            Relativamente ao autor, a revogação pode ser efetuada pelo órgão autor do ato revogado, designando-se por retração, pelo seu superior hierárquico (exceto se a revogação se tratar de ato de competência exclusiva do subalterno), pelo delegante ou subdelegante e por órgãos com poderes de superintendência ou tutela sobre o mesmo, quando a lei o permita expressamente (art. 169º, nºs. 2 a 5 do CPA).

            Existe ainda uma divisão que se pode fazer entre atos livremente revogáveis, regra geral que se extrai do art. 165º/1 do CPA, atos de revogação proibida, que constam do art. 166º do CPA, e atos de revogação condicionada, que é o caso dos atos constitutivos de direitos, de acordo com a definição dos mesmos no art. 167º/3 do CPA. O art. 167º/2 do CPA determina situações em que os mesmos podem ser revogados.

            A particularidade destes atos de revogação condicionada exige que se faça um balanço entre a necessidade de proteger a segurança legítima do particular perante o ato e a prossecução do bem público.

3.2. Anulação administrativa

            A anulação administrativa é o ato que determina a destruição dos efeitos de outro ato, desta forma produzindo efeitos ex tunc fundamentando-se em motivos de invalidade (art. 165º/2 do CPA) e garantindo que a legalidade é acatada.

            A iniciativa, bastante à semelhança do ato revogatório, pode ser espontânea, designando-se por anulação oficiosa, ou provocada por solicitação. Quanto ao autor do ato, aplica-se igualmente o disposto nos nºs. 2 a 5 do art. 169º do CPA, e nunca poderão ser anulados administrativamente os atos a que se refere o art. 166º do CPA.

            O prazo geral para recorrer a anulação administrativa é o consagrado no art. 168º/1 do CPA, enquanto que o prazo para requerer a anulação de atos em que estejam em causa atos constitutivos de direitos é o constante do art. 168º/2 do CPA, com as exceções constantes do art. 168º/4 do CPA.

3.3. Forma e formalidades

            Uma vez abordados ambos estes atos, importa mencionar exigência a estes relativa, neste caso a exigência do paralelismo de formas. Quer este princípio dizer que a forma do ato revogatório ou anulatório deve ser a mesma que é exigida para o ato revogado ou anulado (art. 170º/1 do CPA).

 

Jurisprudência

 

Bibliografia 

  • FREITAS DO AMARAL, Diogo. Curso de Direito Administrativo, volume II. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 2013.
  • PEREIRA DA SILVA, Vasco. Em Busca do Acto Administrativo Perdido. Coimbra: Almedina, 1996.

 

Maria Inês Gonçalves

nº 28192

 

As fases do procedimento administrativo

Tipos de procedimentos administrativos: 

  • O procedimento administrativo pode advir de uma iniciativa pública ou de uma iniciativa privada, sendo que na iniciativa pública quem o desencadeia é a administração pública, ao passo que o procedimento administrativo privado é desencadeado por um particular. A construção de uma estrada e uma licença para construção de uma habitação, podem figurar cada um dos procedimentos, respetivamente.
  • O procedimento administrativo pode ainda constituir-se como decisório, podendo ser de 1º ou 2º grau, ou pode ser executivo. Nesta fase vamos apenas debruçar-nos sobre o estudo do procedimento administrativo decisório de 1º grau, sendo que este por sua vez, corresponde a atos primários, isto é, atos que desencadeiam o procedimento administrativo. 
  • O procedimento administrativo pode ainda ser comum ou especial. Ambos os procedimentos se regem pelas regras gerais do CPA, contudo os procedimentos administrativos especiais têm legislação especial. 
  • Os procedimentos administrativos podem ser ainda sancionatórios ou não sancionatórios. Os primeiros constituem-se como procedimentos administrativos cujo ato final tem natureza punitiva, enquanto que os segundos não têm natureza punitiva. 

 

As fases do procedimento administrativo:

-Fase inicial;

-fase de instrução;

-fase da audiência dos interessados;

-fase de preparação da decisão;

-fase de decisão;

-fase complementar.

Fase inicial:

  • A fase inicial é aquela que desencadeará o procedimento administrativo, podendo advir de iniciativa pública ou privada,como foi devidamente explicado no inicio do post. Artigos relevantes artigo 102ºCPA; 110/1CPA; 53ºCPA; 89ºCPA. 

Fase de instrução:

  • A fase que se segue é a fase de instrução que se rege pelo principio do inquisitório, isto é, fase em que a administração pública, sem a dependência da vontade dos interessados, requer factos e esclarecimentos que mais facilmente levem à tomada da melhor decisão. (artigo 58ºCPA). A direção do procedimento cabe ao órgão competente para a decisão final, pelo que o CPA  prevê três hipóteses distintas: (artigo 55º CPA)

- o órgão competente só dirige a instrução quando uma disposição legal assim o ditar (o diretor do procedimento é o orgão decisório);

- a lei obriga o orgão competente a delegar um subalterno;

o diretor do procedimento pode incumbir um subalterno a delegar apenas determinadas diligências instrutórias especificas;

Na fase de instrução o particular deverá ser ouvido, devendo provar os factos que tenha alegado, porém esta fase não deve ser confundida com a fase seguinte onde está patente o principio da democracia participativa. Esta fase é apenas uma diligência instrutória.

Fase de audiência dos interessados: 

Nesta fase, algo importante a notar é que caso tenha sido o particular a desencadear o procedimento administrativo e portanto seja uma iniciativa particular, este tem o ónus de demonstrar os factos que alegou, não o podendo fazer  a administração publica, na medida em que caso isso aconteça está-se perante uma situação de desvio de poder, uma vez que a A.P prossegue fins públicos e não privados (artigos relevantes:  115º/1 e 2; 116º/1; 119º/2; 12º CRP; 267º/5 CRP). Assim sendo, esta fase é caracterizada pelo principio da democracia participativa, bem como aquela fase em que haverá uma colaboração entre o particular e a A.P. (111º/1 CPA). Desta forma e tendo em conta o principio da democracia participativa,  a decisão final deverá ser acompanhada de uma fundamentação adequada, pelo que existe sempre a possibilidade de recurso da decisão no caso desta na ser satisfatória para os interessados (124º/1). Caso o interessado recorra da decisão, está-se no âmbito do procedimento administrativo decisório de 2º grau.

 Fase de preparação da decisão:

Nesta fase todo procedimento será analisado, desde documentos, provas, argumentos e outras informações relevantes. Posteriormente, o procedimento é levado ao orgão decisório que pode ser, singular ou colegial, caso seja singular emite um despacho, caso seja colegial emite uma deliberação. (artigo 125º CPA). 

Fase de decisão:

Esta é a fase que põe fim a todo o procedimento administrativo, isto é, a tomada de decisão. (artigos 93º CPA; 126º CPA). Nesta fase é necessário ter em conta as divergências entre o orgão decisor e o orgão instrutor, na medida em que as decisões de ambos podem divergir. Se for este o caso, deverá ter-se em conta se no processo de instrução, o orgão instrutor ouviu os interessados, caso não tenha ouvido, deverá marcar-se uma nova audiência, de âmbito meramente instrutório. (artigos 123º CPA).

Fase complementar:

Esta fase define-se como aquela onde são praticadas determinadas formalidades, tais como: registos, arquivos, notificação da decisão, publicação no diário da republica, entre outras (artigo 114ºCPA).

 

Ana Rita dos Santos Machado, Nº28541.

 

 

 

 

Discricionariedade administrativa

 
A evolução do princípio da legalidade no sentido do seu alargamento e do seu entendimento material, em vez de formal, significa ser necessário um maior controlo das atuações da Administração, visto não estar apenas em causa a contrariedade à lei, mas a todo o Direito. Vejamos, então, antes do mais, como evoluiu a noção de discricionariedade da Administração no nosso país, para melhor compreendermos os seus contornos atuais. De acordo com os ensinamentos do Professor Vasco Pereira da Silva, houve quatro posições fundamentais acerca da distinção entre os poderes vinculado e discricionário, no quadro da doutrina portuguesa:

 

1) A posição clássica, marcada pelo entendimento liberal da legalidade e da separação de poderes e defendida em Portugal pelo Professor Marcello Caetano, era a de que os atos vinculados se distinguiriam dos atos discricionários, correspondendo esta discricionariedade a um espaço livre de Direito, o que implicava que os tribunais não poderiam intervir neste âmbito de "liberdade de decisão" da Administração: um ato discricionário seria, portanto, uma exceção ao princípio da legalidade e não poderia ser jurisdicionalmente controlado.

 

2) O Professor Freitas do Amaral veio, entretanto, defender que a discricionariedade não é uma exceção ao princípio da legalidade e que não há atos totalmente vinculados ou totalmente discricionários, todos tendo ambas as facetas ("mistura ou combinação"), apenas sendo possível perguntar em que medida cada ato é discricionário ou vinculado. Afirma este Autor que cada ato tem, sempre, pelo menos dois elementos vinculados por lei - a competência e o fim. Assim, do seu ponto de vista, essa distinção apenas deveria fazer-se a nível dos poderes (poder discricionário e poder vinculado). O Professor Freitas do Amaral defendeu também que os poderes discricionários não poderiam ser controlados pelos tribunais, mas que todos os aspetos vinculados dos atos sim (e portanto todos os atos seriam sujeitos a controlo, nos seus aspetos vinculados).

 

3) Nos anos 80, o Professor Sérvulo Correia, por sua vez, partindo de uma distinção conhecida do Direito Alemão, veio distinguir duas modalidades de discricionariedade:

  • Margem de livre apreciação: no exercício de um poder, poderia a Administração ter esta margem de apreciação, antes ainda da decisão final,ao nível da subsunção dos factos à norma.
  • Margem de livre decisão: é a discricionariedade em sentido clássico e corresponderia, no entendimento do Professor, à possibilidade de proceder à decisão final.
 
4) A posição atual do Professor Vasco Pereira da Silva:
 
O Professor considera que não se deve associar a discricionariedade à liberdade (contrariamente às posições anteriormente expostas dos Professores Freitas do Amaral e Sérvulo Correia), pois a Administração nunca é livre, estando sempre vinculada, nas suas atuações, à prossecução do interesse público (que é o norte, guia e fim da Administração Pública, segundo expressão do Professor Freitas do Amaral) e ao Direito (nomeadamente, às normas que lhe conferem competências, não nos podendo esquecer que vigora o princípio da competência no âmbito da atuação administrativa: quae non sunt permissa prohibita intelliguntur, ou seja, "o que não for permitido é proibido"). Assim sendo, a "margem de manobra" que a Administração adquire por via da discricionariedade nunca pode ser comparada à vontade livre dos indivídios: a vontade dos órgãos públicos é, sempre, uma vontade normativa, o que justifica que a Administração fique vinculada pelos seus atos e responda por eles. Neste sentido também, o Professor Vieira de Andrade considera que a discricionariedade não é uma liberdade, mas sim uma tarefa, uma função jurídica, não podendo ser confundida com arbítrio e, consequentemente, fundar as suas decisões na sua vontade. Em suma, a Administração pratica sempre decisões jurídicas, que concretizam o ordenamento jurídico e suas escolhas no caso concreto.
 
Com efeito, esta questão prende-se com outra que a transcende: qual é o fundamento da discricionariedade da Administração? Porque existe? Já vimos que o seu fundamento não pode ser a vontade, o arbítrio, da Administração. Avança o Professor Rogério Soares que as leis "não podem ser figuração abstrata, até ao milímetro, do que irá ser cada um dos atos administrativos (...); não podem ser leis-ato-administrativo-feito-nas-nuvens, à espera de que o administrador as puxe à Terra. Nestes novos domínios, o papel da lei é o de ser um instrumento diretor e ordenador duma decisão que cabe ao 2.º poder." Por outras palavras, a discricionariedade administrativa existe pela impossibilidade prática de a lei prever e regular todas as situações da vida. Esta primeira ordem de motivos corresponde às razões práticas e também vem enunciada no Manual dos Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos. Mas a estas juntam-se razões jurídicas: a discricionariedade visa assegurar o tratamento equitativo dos casos concretos (summa iura, summa iniura). Esta ideia, conforme com aquele que pensamos ser o entendimento do Professor Vasco Pereira da Silva, encontramos nos escritos atualizados do Professor Freitas do Amaral, que, como veremos, adota hoje uma posição muito diferente da que outrora adotou. Os Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos entendem que é, além das razões práticas e com elas relacionado, o princípio da separação de poderes enquanto critério de distribuição racional das funções do Estado pelos seus órgãos que conduz à limitação da densidade normativa, o que, para estes Autores, justificaria a existência de uma margem de liberdade da Administração em face do legislador e do poder judicial - difícil não será prever que o Professor Vasco Pereira da Silva não sufraga na totalidade este entendimento, pela sua alusão à liberdade, mas, como veremos adiante, outra é também a sua opinião quanto ao controlo jurisdicional do exercício de poderes (predominantemente) discricionários.
 
Devido ao ponto anterior, é seguro afirmar que o Professor Vasco Pereira da Silva se aproxima mais da posição do Professor Sérvulo Correia do que da introduzida pelo Professor Freitas do Amaral, mas veremos agora em que aspetos o Professor se distancia também desta posição:
 
Em primeiro lugar, como já afirmámos, não considera adequado o uso do termo "livre" ("margem livre (...)"), por considerar que as decisões da Administração se baseiam sempre em critérios que têm em vista a prossecução do interesse público e que não podem nunca violar normas jurídicas, quer infra, quer supralegais. De facto, o Professor entende que até estes momentos que o Professor Sérvulo Correia autonomiza, embora tenham natureza discricionária, são sempre vinculados em certa medida. A prorrogar o defendido pelo Professor Vasco Pereira da Silva, basta conferir que a tese alemã que influenciou o Professor Sérvulo Correia não se refere nunca a "liberdade" (Freiheit) ou a espaços "livres" (frei), utilizando antes o termo Beurteilspielraum, pelo que se teria tratado de um "equívoco de tradução" (1).
O Professor entende ainda que, para além das margens de decisão e de apreciação, há ainda um outro momento que precede esses dois e que o Professor Sérvulo Correia não teve em consideração: a interpretação da lei é, já de si, uma tarefa de natureza discricionária. O Professor Vasco Pereira da Silva alude a uma nova linha de pensamento, marcadamente americana, designada de Culturalista, que entende precisamente que a interpretação de textos normativos é uma realidade cultural, semelhante à interpretação de textos literários ou de partituras musicais. Parte-se da ideia de que o leitor é, sempre, um autor, criando algo novo. É também neste sentido que Balkin, Professor de Direito em Yale, afirma que o Direito é uma espécie de "arte cénica". Assim sendo, para o Professor Vasco Pereira da Silva, há três momentos de discricionariedade que pautam a atuação administrativa, mas que o Professor entende que apenas podem ser autonomizados em termos teóricos, não práticos, por constituírem uma realidade lógica, contínua e integrada, podendo até coincidir. São, no entender do referido Autor, três momentos que existem em qualquer poder, sendo cada um destes momentos, também, simultaneamente vinculado e discricionário. É por estes motivos que o Professor Vasco Pereira da Silva considera a tese defendida pelo Professor Sérvulo Correia demasiado formalista. É também por estes motivos que o Professor Vasco Pereira da Silva entende que a distinção entre discricionariedade e vinculação não se adequa aos poderes, pelo mesmo motivo que não de adequa aos atos: todos os poderes têm aspetos vinculados e discricionários, em simultâneo.
 

Por último e em jeito de conclusão, o Professor Vasco Pereira da Silva entende que, tendo em conta tudo quanto se disse, os tribunais controlam integralmente o poder vinculado e os vínculos do exercício do poder discricionário. O Professor Vasco Pereira da Silva entende que todos os aspetos de um poder, quer sejam vinculados, quer discricionários, estão sujeitos a controlo jurisdicional, pois que todos esses aspetos estão subordinados ao Direito, apenas concedendo que o controlo jurisdicional será mais forte consoante vá aumentando a medida de vinculatividade de um poder. Para compreendermos melhor a posição do Professor Vasco Pereira da Silva quanto ao controlo jurisdicional a que está sujeita a Administração no exercício de poderes (predominantemente) administrativos, importa conhecer as opiniões atuais de alguns Autores quanto ao mesmo problema.

 

Vejamos, então, sucintamente, o que entende hoje o Professor Diogo Freitas do Amaral por poder discricionário da Administração. Segundo o Autor, o poder é discricionário quando o seu exercício fique entregue ao critério do respetivo titular, que pode e deve escolher a solução a adotar em cada caso como mais ajustada à realização do interesse público protegido pela norma que o confere. Entende, portanto, que o poder discricionário não é livre, estando a escolha não apenas vinculada pela competência e pelo fim, mas também, e sobretudo, por ditames decorrentes dos princípios e regras gerais que vinculam a Administração, o que implica que o órgão administrativo fica obrigado a encontrar, de entre as escolhas possíveis, aquela que se consubstancia na melhor solução para o interesse público (na linha de pensamento de Engisch, considera que, de entre as várias escolhas legais possíveis, há um resultado que é o "único ajustado" às circunstâncias do caso concreto). O Professor Freitas do Amaral entende, hoje, portanto, que o poder discricionário não é um poder livre dentro dos limites da lei, mas sim um poder jurídico delimitado pela lei.

 

O Professor Freitas do Amaral considera também, hodiernamente, que a maioria dos poderes têm simultaneamente aspetos vinculados e discricionários (o que não corresponde, ainda, à posição do Professor Vasco Pereira da Silva, mas é sem dúvida mais próxima do que outrora). Desenvolve o Professor Freitas do Amaral que nos poderes com aspetos vinculados e discricionários, os aspetos vinculados estão sujeitos a controlo de legalidade, pelo seu exercício ilegal, e os discricionários a controlo de mérito, pelo seu mau uso. Ou seja, defende que, em rigor, não há controlo jurisdicional do poder discricionário, mas antes controlo administrativo de mérito sobre o bom ou mau uso do poder, e controlo jurisdicional de legalidade dos aspetos vinculados dos poderes (predominantemente) discricionários. Relativamente ao controlo do mérito, afirmam os Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos que este engloba a apreciação da oportunidade (utilidade da atuação em concreto para a prossecução do interesse público visado pelo poder legalmente conferido por lei) e da conveniência (utilidade da atuação em concreto para a prossecução do interesse público, à luz dos demais interesses públicos envolvidos), o que, de acordo com o artigo 3.º/1 do CPTA, os tribunais administrativos não têm competência para julgar. Estes Professores concordam, como referido supra, que a separação de poderes implica a ausência de controlo jurisdicional da margem de discricionariedade da Administração, pois, no seu entender, a atribuição de um poder (predominantemente) discricionário a um órgão administrativo corresponde a um juízo do legislador, segundo o qual o interesse público em causa seria melhor prosseguido pela Administração do que pelo próprio legislador ou pelos tribunais.

 

Retomando a posição defendida pelo Professor Vasco Pereira da Silva, podemos agora afirmar que esta se aproxima daquela defendida pelo Professor Freitas do Amaral, no que respeita aos vínculos que limitam toda a atividade Administrativa (não se excluindo, portanto, a discricionária). De facto, estes Professores concordam que, hoje, os poderes discricionários não são apenas sujeitos a controlo jurisdicional quanto ao fim competência, como também, em virtude do alargamento do entendimento da legalidade, quanto aos princípios gerais da Administração Pública, quer os constantes da Constituição (artigo 266.º), quer quanto aos constantes no CPA e legislação avulsa. Estes princípios são vínculos autónomos, não surgindo da circunstância concreta de existência de um poder discricionário específico.

No artigo 266.º da CRP, encontramos referência aos seguintes princípios:

  • Princípio da imparcialidade
  • Princípio da igualdade
  • Princípio da proporcionalidade
  • Princípio da boa fé
  • Princípio da justiça

O princípio da proporcionalidade, a que está sujeita a Administração, é particularmente expressivo do alargamento da aceção da legalidade e consequente reforço do controlo jurisdicional a que estão sujeitos os poderes discricionários. Isto porquê? Porque, controlando a necessidade, a adequação e o não prejuízo excessivo, acaba-se controlando o próprio modo como o poder discricionário é exercido. Se uma decisão for desnecessária, essa decisão é ilegal e como tal pode ser conhecida de um tribunal. Significa isto que a necessidade e adequação deixam de ser problemas de mérito e transformam-se em problemas de legalidade.

Também o princípio da justiça releva em sede de discricionariedade, pois permite considerar ilegal uma decisão materialmente injusta, quer se trate de uma decisão realizada no âmbito de poderes vinculados, quer discricionários.

 

Artigos relevantes: 266.º/2 CRP; 3.º/1 e 4.º CPA; 3.º/1, 71.º/2 e 95.º/3 CPTA

Normas que atribuidoras de poderes discricionários (enumeração exemplificativa): artigos 3.º/2, 145.º/3, 100.º/2, 157.º/1, 174.º/2 CPA; art. 8.º DL n.º 252/92, de 19 de Novembro.

Jurisprudência:

Bibliografia:

 

Beatriz de Macedo Vitorino

Aluna Nr. 28191

O procedimento administrativo

1) Noção de procedimento administrativo 

 

O Código do Procedimento Administrativo (CPA) apresenta, logo no nº 1 do seu artigo 1º, uma noção de procedimento administrativo: «a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública». Na doutrina portuguesa, uma noção de procedimento administrativo, não muito distinta da do CPA, foi apresentada por ROGÉRIO SOARES: «um conjunto de atos funcionalmente ligados com vista a produzir um certo resultado, um efeito único».

 

Em primeiro lugar, o procedimento é uma sucessão ordenada ou, como diz FREITAS DO AMARAL, uma sequência. A atividade administrativa não se esgota na tomada de decisões, consistindo num conjunto ordenado e num encadeamento de atos, factos e formalidades que se prolonga no tempo e por diversas fases (exemplos: prática de atos preparatórios como estudos, exames e averiguações a efetuar; observância de certos trâmites como registos, controlos, notificações aos interessados, etc.). 

 

Além disso, tem como fim a formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública. O procedimento procura preparar e exteriorizar a prática de um ato da Administração Pública (o que engloba várias categorias: atos administrativos, regulamentos e contratos administrativos) ou a respetiva execução. Da perspetiva de ROGÉRIO SOARES, o procedimento visa produzir «um certo resultado, um efeito único», que é a tomada da decisão.

 

O conceito de procedimento administrativo não se confunde com o de processo contencioso: o primeiro regula a conduta da Administração Pública no exercício da função administrativa, enquanto o segundo, desenvolvendo-se no âmbito dos tribunais, diz respeito ao exercício da função jurisdicional na defesa do Direito Administrativo (cfr. PAULO OTERO).

 

Também se deve distinguir o procedimento administrativo do processo administrativo, cuja noção se encontra consagrada no nº 2 do artigo 1º do CPA: «o conjunto dos documentos em que se traduzem os atos e formalidades que integram o procedimento». O termo é aqui utilizado como sinónimo de dossier (em francês) e de file (em inglês).

 

 

 

2) Natureza jurídica do procedimento administrativo

 

Na opinião de FREITAS DO AMARAL, confrontam-se, a respeito da natureza jurídica do procedimento administrativo enquanto processo ou não, duas teses opostas:

 

  • Tese processualista: visto que «a cada uma das funções do Estado corresponde um tipo de processo através do qual ela se desenvolve» (ALBERTO XAVIER), o procedimento administrativo é um autêntico processo, embora diferente do processo judicial;
  • Tese antiprocessualista: o procedimento não é um processo; procedimento administrativo e processo (judicial) não são duas espécies de um mesmo género, mas sim dois géneros diferentes, irredutíveis um ao outro (ROGÉRIO SOARES).

 

FREITAS DO AMARAL concorda que o procedimento administrativo e o processo judicial são muito diferentes entre si. Contudo, considera que é possível reconduzir ambos ao conceito jurídico de processo, que será a «sucessão ordenada de atos e formalidades tendentes à formação ou à execução de uma vontade funcional». Deste modo, o procedimento administrativo será um processo, através do qual o poder administrativo é concretizado numa série de atos e factos sucessivos (BENVENUTI).

 

Por sua vez, FERNANDA PAULA OLIVEIRA e JOSÉ FIGUEIREDO DIAS adotam a distinção entre duas conceções para a natureza do procedimento administrativo: a conceção substantiva e a conceção adjetiva. Para estes autores, a primeira conceção encontra-se hoje em dia ultrapassada e é em geral a segunda que é seguida atualmente. 

 

As conceções substantivas do procedimento administrativo são as que o concebem com um ato: mais precisamente, estaríamos perante um ato-procedimento. Tratar-se-ia de um ato que tinha como característica específica a colaboração entre diversos órgãos para a produção de um mesmo resultado.

 

Por outro lado, para a conceção adjetiva do procedimento, os atos instrumentais que se relacionam no procedimento são vistos como etapas de um percurso ou caminho ordenado racionalmente, tendo em vista a prática de um ato último e desejado. Cada um dos atos ou momentos do procedimento tem um fim imediato próprio e estes só mediatamente concorrem para atingir a finalidade do ato principal, o resultado jurídico unitário que será o objetivo de todo o procedimento.

 

 

3) A codificação do procedimento em Portugal

 

Em Portugal, em termos doutrinários, deve-se a MARCELLO CAETANO, em 1951, a primeira referência e tratamento manualístico do então designado "processo administrativo gracioso" (expressão oriunda da época em que os súbditos solicitavam ao Rei a graça, ou o favor, de lhes conceder certos direitos ou mercês), logo seguido, em 1955, da intervenção de MARQUES GUEDES, cabendo a este último a extensão do conceito de processo também à elaboração de regulamentos.

 

A nível legislativo, foi a Lei de Meios para 1962 que prometeu, pela primeira vez, a elaboração do que então se chamava «código de processo administrativo gracioso»; promessa essa que nunca foi cumprida antes do 25 de Abril de 1974 (cfr. FREITAS DO AMARAL). Para JOÃO CAUPERS, as origens e antecedentes do Código do Procedimento Administrativo mergulham na Parte II do Projeto de Código Administrativo do Ultramar (1968), da autoria de RUI MACHETE, ao qual se sucedeu depois o Projeto do Código de Processo Administrativo Gracioso de 1969, da autoria de OSVALDO GOMES.

 

Alguma doutrina de Direito Administrativo não considerava necessária ou justificada a existência de um Código do Procedimento Administrativo: «uma série de leis avulsas bem ponderadas pode, eventualmente, satisfazer as necessidades de justiça e certeza de modo mais perfeito que o pesado edifício de um código, com exigências sistemáticas nem sempre conciliáveis com a prudência» (ROGÉRIO SOARES). 

 

Independentemnte das posições doutrinárias, certo é que só em 1991 é que o primeiro Código do Procedimento Administrativo viria a ser aprovado pelo DL nº 442/91, de 15 de novembro, elaborado por uma comissão presidida por DIOGO FREITAS DO AMARAL desde 1989 e inspirado em anteriores projetos codificadores, tais como os da autoria de RUI MACHETE (de 1980 e 1982) sobre o Processo Administrativo Gracioso. A entrada em vigor do CPA verificou-se em 16 de maio de 1992. Depois, em 1996, foi feita a revisão do CPA, através de algumas dezenas de alterações, pelo DL nº 6/96, de 31 de janeiro.

 

O CPA de 1991 viria, em 2015, e na sequência de uma lei de autorização legislativa (Lei nº 42/2014, de 11 de julho), a ser substituído por um novo Código do Procedimento Administrativo, que foi aprovado pelo DL nº 4/2015, de 7 de janeiro, tendo entrado em vigor no dia 7 de abril de 2015. Na opinião de PAULO OTERO, o novo CPA de 2015, «alegadamente influenciado pelos contributos da doutrina e da jurisprudência portuguesas (...) e do Direito da União Europeia, revela-se tendencialmente descaracterizador do sistema administrativo português, adotando uma postura de colonização científica estrangeira e de retrocesso garantístico dos cidadãos».

 

 

4) Tipos de procedimento

 

É possível identificar várias espécies de procedimentos administrativos, os quais se podem classificar em obediência a diversos critérios.

 

Atendendo à iniciativa de desencadear o início do procedimento [artigo 53º CPA], temos procedimentos de iniciativa pública (de início oficioso, isto é, pela própria Administração Pública, como sucede no procedimento destinado à realização de uma obra pública) e procedimentos de iniciativa particular (dependentes de requerimento de um particular, como ocorre com a emissão de uma licença).

 

De seguida, e desta vez atendendo ao objeto do procedimento, podemos classificá-los em procedimentos decisórios (visam a tomada de uma decisão administrativa) ou procedimentos executivos (têm por finalidade «transformar o Direito em facto», isto é, assegurar a projeção dos efeitos de uma decisão administrativa).

 

Os procedimentos decisórios podem ainda ser de primeiro grau (incidem pela primeira vez sobre uma situação da vida; preparam a prática de um ato primário) ou de segundo grau (incidem sobre uma decisão administrativa anteriormente tomada; visam preparar a prática de atos secundários, tais como a reclamação, o recurso hierárquico ou o recurso tutelar).

 

Finalmente, e com base no nº 5 do artigo 2º do CPA, é possível distinguir entre procedimento administrativo comum (aquele que é regulado pelo CPA) e procedimento administrativo especial (regulado em legislação especial, como é o caso do procedimento de formação dos contratos públicos que se encontra consagrado no Código dos Contratos Públicos).

 

 

5) Regras e princípios procedimentais da atividade administrativa

 

Seguiremos a sistematização de PAULO OTERO, que enumera os seguintes princípios-regra quanto ao procedimento administrativo:

 

Princípio do procedimento equitativo: É uma decorrência do princípio da justiça e do Estado de Direito Material. Este princípio determina que, em todas as matérias suscetíveis de envolver consequências prejudiciais para os destinatários (ou, reflexivamente, para terceiros), os procedimentos devam ser estruturados no sentido de garantir: i)participação dos interessados na formação das decisões ou deliberações que lhes digam respeito; ii) a efetivação do direito ao contraditórioiii) a produção de uma decisão final com ponderação de todos os interesses e factos constantes do procedimento, numa lógica de igualdade e imparcialidade; iv) a fundamentação da decisão administrativa; v) a emissão de uma decisão final dentro de um prazo razoável e dotada de publicidadevi) o acesso à justiça administrativa, à luz do direito a uma tutela jurisdicional efetiva. O princípio do procedimento equitativo não tem formulação expressa na nossa Constituição nem no CPA, mas decorre do princípio da justiça da Administração Pública, que se encontra no artigo 266º/2 CRP, e de normas do Direito Internacional, nomeadamente do artigo 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

 

Princípio da adequação procedimental: Encontra-se genericamente formulado no artigo 56º CPA e reflete o entendimento de que cada tipo de decisão carece sempre de encontrar um modelo estrutural de procedimento que se mostre adaptável e flexibilizável aos propósitos visados. A adequação procedimental deve sempre fazer-se à luz do princípio da proibição do excesso de formalismo. O responsável pela direção do procedimento goza de discricionariedade no sentido de estruturar o procedimento administrativo visando a solução mais adequada e idónea para o caso concreto. O exercício desses poderes discricionários tem como limites os princípios gerais da atividade administrativa e a garantia das posições jurídicas substantivas dos cidadãos.

 

Princípio do inquisitório: Confere à Administração Pública a faculdade de, oficiosamente, sem dependência da vontade ou solicitação dos interessados ou destinatários, indagar ou requerer quaisquer diligências adequadas a apurar factos, ao esclarecimento de quaisquer matérias dentro da respetiva esfera de ação [artigo 58º CPA].

 

Princípio da colaboração: Alguns autores, como GARCÍA DE ENTERRÍA, configuram a colaboração como «instituição fundamental do Direito do procedimento», visto que o procedimento administrativo assenta num esforço de colaboração ou cooperação entre diferentes intervenientes e de integração de uma pluralidade de interesses. A colaboração procedimental envolve três distintas manifestações: i) a colaboração da Administração com os particulares [artigo 11º CPA], que envolve participação e postula informação [artigos 82º a 85º CPA]; ii)colaboração dos particulares com a Administração, baseada num princípio de cooperação e boa fé procedimental [artigo 60º CPA]; iii) a colaboração dos órgãos administrativos entre si, através da figura do auxílio administrativo [artigo 66º CPA].

 

Princípio da preferência pela utilização dos meios eletrónicos: A instrução dos procedimentos deve ser feita, preferencialmente, através de meios eletrónicos [artigo 61º/1 CPA], visando um aumento das garantias, uma melhor acessibilidade, mais eficiência e maior celeridade. A tramitação do procedimento administrativo através de um balcão único eletrónico obedece às regras estabelecidas no artigo 62º CPA.

 

Princípio da participação dos interessados: A participação procedimental dos interessados, seja na forma de colaboração, seja como direito ao contraditório (envolvendo audiência prévia e a consulta pública) ou como princípio geral da atividade administrativa [artigo 12º CPA], tem base constitucional no artigo 267º/5 CRP, de onde resulta um direito fundamental à participação.

 

Princípio da boa administração: Encontra-se consagrado no artigo 5º CPA e envolve cinco vertentes nucleares: i) desburocratização; ii) eficiência; iii) economicidade; iv) celeridade; v) aproximação dos serviços às populações. A boa administração impõe um agir administrativo flexível, dinâmico e que garanta um procedimento justo e equitativo.

 

Princípio da decisão: Este princípio diz-nos que a toda a pretensão formulada junto da Administração Pública corresponde sempre uma decisão, isto no sentido em que os órgãos administrativos têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência, que lhes sejam apresentados [artigo 13º/1 CPA]. Encontra-se também subjetivado no artigo 268º/6 CRP, de onde decorre um direito fundamental a resposta da parte da Administração aos pedidos de informação dos cidadãos.

 

Princípio da administração aberta: O princípio da administração aberta exprime um modelo administrativo transparente que se opõe ao de uma Administração invisível ou opaca: o artigo 17º/1 CPA, seguindo o postulado no artigo 268º/2 CRP, consagra um direito que os cidadãos têm de acesso aos arquivos e aos registos administrativos, procurando inteirar-se da atividade desenvolvida pelas estruturas administrativas.

 

Princípio da gratuitidade: Por via de regra, o procedimento administrativo é gratuito, salvo se a lei impuser o pagamento de taxas por despesas, encargos ou outros custos suportados pela Administração [artigo 15º/1 CPA].  Quaisquer atos que criem a obrigação de pagamento de uma taxa ou de qualquer despesa procedimental, sem estar prevista em lei, são nulos [artigo 161º/2, alínea k), CPA].

 

Princípio da cooperação leal com a União Europeia: Tendo a sua fonte no artigo 4º/3 TUE, o princípio da cooperação leal com a União Europeia surge no artigo 19º CPA, vinculando a Administração Pública portuguesa a relacionar-se com a Administração dos outros Estados-membros e com a Administração da própria União Europeia. A cooperação leal pode envolver a prestação de informações, a apresentação de propostas ou quaisquer outras formas de colaboração entre as Administrações públicas da União e dos restantes Estados.

 

 

6) As fases do procedimento administrativo

 

Já vimos que o procedimento administrativo é uma sequência, um encadeamento de atos, factos e formalidades com vista à tomada de uma decisão final e, portanto, divide-se em várias fases ou etapas. A divisão do procedimento em fases varia bastante de autor para autor, sendo que optámos por seguir a conceção de FREITAS DO AMARAL, que divide o procedimento em seis fases:

 

1. Fase inicial: É a fase em que se dá início ao procedimento, o qual pode ser desencadeado pela Administração ou por um particular interessado, à luz do artigo 53º CPA. Se for a Administração a iniciar o procedimento, deverá comunicá-lo às pessoas cujos direitos e interesses legítimos possam ser lesados no decurso do procedimento [artigo 110º/1 CPA]. Se, por outro lado, é o particular que toma a iniciativa, deverá apresentar um requerimento escrito, ou enviado por correio eletrónico, do qual constem as várias menções indicadas no nº1 do artigo 102º CPA. Da fase inicial pode ainda fazer parte a tomada de medidas provisórias, nos termos do artigo 89º CPA.

 

2. Fase da instrução: Destina-se a averiguar os factos que interessem à decisão final e, nomeadamente, a recolher as provas que se mostrarem necessárias [artigos 115º a 120º do CPA]. Trata-se de uma fase largamente dominada pelo princípio do inquisitório [artigo 58º CPA]. A averiguação dos factos cujo conhecimento seja relevante para a tomada de decisão legal cabe ao «diretor da instrução» [artigo 55º CPA], nos termos do nº1 do artigo 115º CPA.

 

3. Fase da audiência dos interessados: Encontra-se nos artigos 121º a 125º CPA e é uma das mais importantes faces do princípio da colaboração da Administração com os particulares [artigo 11º/1 CPA] e o princípio da participação [artigo 12º CPA]. A audiência prévia, como refração do princípio da democracia participativa [artigo 2º CRP], tem dignidade constitucional e merece mesmo uma menção expressa no nº5 do artigo 267º da CRP. Trata-se da fase na qual é assegurado aos interessados num procedimento o direito de participarem na formação das decisões que lhes digam respeito e apenas pode ser dispensada nos termos que constam no artigo 124º CPA. A audiência poderá ser escrita ou oral, competindo ao diretor do procedimento decidir, em cada caso, se a audiência prévia dos interessados deve ser escrita ou oral [artigo 122º/1 CPA].

 

4. Fase da preparação da decisão: Esta é a fase em que a Administração pondera adequadamente o quadro traçado na fase inicial, a prova recolhida na fase de instrução, e os argumentos aduzidos pelos particulares na fase da audiência dos interessados [artigos 125º e 126º do CPA]. O órgão decisório pode ordenar novas diligências e solicitar novos pareceres se considerar insuficiente a instrução [artigo 125º CPA]. É também a fase onde o órgão competente para a decisão final elabora um relatório, nos termos do artigo 126º CPA.

 

5. Fase da decisão: O procedimento encaminhou-se para o seu fim principal, a decisão. E termina com ela, ou com qualquer outro dos factos previstos no CPA [artigo 93º]. Salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer, o procedimento pode terminar com a prática de um ato administrativo ou pela celebração de um contrato [artigo 126º CPA]. De um modo geral, aplicam-se as regras constantes na Parte IV do CPA, correspondente aos artigos 135º e seguintes.

 

6. Fase complementar: É aquela em que são praticados certos atos e formalidades posteriores à decisão final do procedimento: registos, arquivamento de documentos, visto do Tribunal de Contas, publicação no Diário da República ou noutro jornal oficial, etc.

 

 

João Manuel Pinto Ramos - nº 28375

 

 

Princípio da Legalidade

No entendimento do Professor Freitas do Amaral, a Administração Pública existe e funciona com o fim de prosseguir o interesse público, contudo, não pode simplesmente prosseguir esse fim de forma arbitrária. Diz-nos a história que se tornou necessário criar os princípios e regras que fundamentem a sua ação, em especial, as que permitem seguir o interesse público conforme a letra da lei.

Este princípio encontra-se no artigo 266º/2 CRP e no artigo 3º/1 CPA, que é tradicionalmente tido na acessão de Marcello Caetano como “nenhum órgão ou agente da administração pública tem a faculdade de praticar atos que possam contender com interesses alheios senão em virtude de uma norma geral anterior”, significa que existe uma proibição de a Administração Pública lesar os direitos ou interesses dos particulares, salvo com base na lei, ou seja, este princípio representa nada mais, nada menos que um limite à ação administrativa estabelecida pelos particulares.

Recentemente a doutrina determina-o de outra forma, afirmando que os orgãos e agentes de Administração Pública só podem agir com fundamento na lei e dentro dos limites impostos pela lei. Posto isto, temos de atender à evolução histórica do princípio para enquadrar melhor o sentido e a importância deste princípio nos dias de hoje.

Fazendo referência às diversas épocas históricas, começamos por aludir à época de monarquia absoluta, onde o poder absoluto não era limitado pela lei nem pelos direitos subjetivos dos particulares, sendo esta a grande preocupação que impulsiona a criação do princípio da legalidade que tem o seu primeiro reconhecimento na fase do Estado de Direito Liberal com a Revolução Francesa que estabelece por conseguinte o princípio da subordinação à lei, onde a Administração Pública fica restrita aos limites da lei, contudo ainda nesta fase admitindo uma formulação negativa.

Coloca o Professor Freitas do Amaral a questão de nesta fase o princípio da legalidade ser única e exclusivamente um limite à ação administrativa e não agir também como o próprio fundamento dessa ação? Sabe-se que no estado liberal o seu equivalente será de monarquia limitada, posto isto, devido à legitimidade monárquica histórica e consuetudinária onde vigora o poder do rei e ao mesmo tempo uma legitimidade democrática proveniente do órgão do parlamento, vem por este meio defender a vontade popular e é exatamente nesta dualidade de poderes que a Administração Pública está subordinado ao poder do soberano que agora se encontra limitado pela lei votada em Parlamento.

Por fim, monarquia liberal no século XIX que afirma o Estado Social de Direito. Surge aqui a ideia de subordinação à lei completa pelo direito na sua totalidade, passa a existir um dever de obediência à lei ordinária e à lei constitucional, ao Direito Internacional recebido por ordem interna, pelos regulamentos em vigor e atos constitutivos de direito que a Administração Publica tenha praticado e os contratos administrativos e de direito privado que tenham sido celebrados. Esta expansão à subordinação da Administração Pública tutelou Maurice Hariou por Bloco de Legalidade, posição essa também defendida pelo Professor Marcelo Rebelo de Sousa e Salgado Matos, que afigura a sujeição administrativa a algo mais para além da simples lei positiva ordinária. Aqui a legalidade não é só um limite à ação administrativa, é também um fundamento, querendo isto significar que a Administração Pública só pode agir se a ordem jurídica o permitir, pois o poder executivo deixa de ser um poder com legitimidade e passa a ser um poder constituído, onde a sua autoridade deriva da constituição e da lei, vinculando o primado do poder legislativo sobre o poder executivo, tendo em conta que o princípio emana da soberania popular, e por conseguinte está subjacente ao critério do interesse público e do particular bem como a defesa dos direitos fundamentais.

Como vemos hoje em dia o Princípio da legalidade tendo em conta a evolução histórica? Assume-se hoje em dia este principio definido de forma positiva e não negativa, como visto outrora. Define o que a Administração Pública deve ou pode fazer, não impondo-lhe unicamente proibições e em segundo plano identifica-se a área de abrangência da atividade administrativa, não encara unicamente os aspetos da atividade administrativa e não apenas aqueles que possam constituir lesão de direito ou ao interesse dos particulares. Na acessão do Professor Freitas do Amaral não se aplica o Princípio da L,iberdade mas sim o princípio da competência de puder fazer apenas aquilo que a lei permite.

Importa salientar os aspetos do bloco de legalidade, que veio revolucionar a ideia de Administração Pública, sendo necessário destacar que o objeto do Principio da Legalidade atinge todos os comportamentos da administração pública, o regulamento, o ato administrativo, o contrato administrativo, o contrato de direito privado, o simples facto jurídico, e caso algum destes atos viole a legalidade responde perante consequências jurídicas tais como a ilicitude ou a invalidade ou até mesmo responsabilidade civil.

 

Na perspetiva do regente, "A Administração tem que se subordinar à lei e ao Direito", como diz o legislador no CPA. Porque a legalidade não é a subordinação à lei. É à lei e ao direito. É todo o direito que obriga a administração. E o direito é o direito supralegal, o direito constitucional, o direito europeu, o direito internacional, o direito global e é todo o direito infralegal.

Para além da norma legal que, ainda por cima, nas ordens jurídicas de hoje está repartida entre o parlamento e o governo ou entidades de natureza regional, ou seja, a legalidade também se manifesta no cumprimento dos regulamentos administrativos, no cumprimento dos atos. Se a administração pratica um ato administrativo não pode voltar atrás só porque lhe apeteceu, não pode hoje dar e amanhã retirar. Tomou uma decisão e chegou ao fim do procedimento estudando previamente todas as condições do, só poderá alterar a sua decisão em caso de alguma ilegalidade ou se existir um forte interesse público, mesmo assim é esta sempre limitada aos interesses dos particulares, o que demonstra na perspetiva de Vasco Pereira da Silva, uma subordinação ao Direito e á lei.

Contudo, a Administração está obrigada a realidades de natureza internacional e natureza constitucional. Portanto, o principio da legalidade neste âmbito te de ser entendido de forma diferente, interessa aqui a legalidade material, legalidade subordinada a fontes de natureza jurídica.

   Deste modo, o legislador vai concretizar as grandes opções pendente da constituição, pois na Constituição da República Portuguesa, afiguram-se normas de desconcentração e descentralização que regulam as formas de atuação administrativa e que estabelecem as formas de atuação administrativa e onde estão estabelecidos princípios da igualdade, imparcialidade, proporcionalidade, justiça, boa-fé, ou seja , onde vigora as grandes linhas da atuação administrativa.

No que toca ás questões administrativas de escala global, o regente defende que as dimensões internacionais e também as regionais são importantes para impor regras ao estado. É por instancia na União Europeia que se afiguram os princípios fundamentais adotados pela Carta dos Direitos Fundamentais da UE, que defende os Direitos Fundamentais do homem e do Cidadão, o que levou e ajudou em muito à transformação radical da lógica do principio da legalidade, como podemos ver com a evolução histórica deste principio.

 

Com que modalidades pode o Princípio da legalidade contar para se afirmar?

 

Com duas, a preferência pela lei e a de reserva de lei.

 

A preferência de lei, ou legalidade limite consiste no facto de nenhum ato de categoria inferior à lei puder contrariar o bloco de legalidade, sob pena de ilegalidade. Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado De Matos entendem como sendo uma preferência da ordem jurídica globalmente considerada hoje em dia. Considerando agora o bloco da legalidade aspetos como o Direito Internacional, o Direito Comunitário, a lei ordinária, regulamentos administrativos e o costume, determina-se que esta abertura a vários ramos do direito que não só a lei ordinária, principalmente com o regulamento administrativo, vem assegurar a intangibilidade de determinados atos da própria administração, o que caracteriza a preferência da lei como princípio de conformidade normativa vertical. Porém, dentro da atuação da administração preferência pela observância de um regulamento sobre um ato não normativo da administração por não ser diretamente habilitado por lei, explica-se esta preferência por base na legitimidade democrática da autoridade administrativa emissora do regulamento. Contudo, não poderá esse regulamento contrariar o bloco de legalidade senão responde perante consequências jurídicas posteriormente mencionadas. Este mecanismo da preferência de lei vem impor à administração um verdadeiro dever de elementar as ilegalidades cometidas.

 

A reserva de lei ou legalidade fundamental ,consiste no facto de nenhum ato de categoria inferior à lei poder ser praticado sem fundamento no bloco de legalidade, contudo é uma modalidade que gera um certo nível de discussão pois destaca-se mais em planos constitucionais do que em planos administrativos . Enquadra-se na competência administrativa com relevância no quadro de relações entre o legislador e a administração, o que constitui a reserva parlamentar, pois se estiver constitucionalmente vedada ao governo a intervenção legislativa em determinadas matérias nos artigos 164º e 165º CRP, decorre a inadmissibilidade de a administração regular as matérias que se encontram reservadas mediante regulamentos independentes.

Marcelo Rebelo de Sousa defende que existe neste princípio um fundamento democrático e um garantístico. O fundamento democrático exprime-se pela preferência da decisão normativa dotada de legitimidade democrática representativa direta ou imediata, que se encontra na lei da Assembleia da República e decreto legislativo regional , pois são atos aprovados por assembleias parlamentares diretamente eleitas e no decreto-lei que aprovado por um órgão que não goza legitimidade democrática representativa direta, é autorizado pela Assembleia da República, artigo 165º/1 e 2 CRP, que está sujeito a apreciação parlamentar 169º CRP.

O fundamento garantístico da reserva de lei postula a garantia da previsibilidade da atuação administrativa e postula apenas a existência prévia à atuação administrativa por uma norma jurídica habilitas-te de publicidade adequada.

 

Exceções ao uso deste processo legal

 

São defendidas por alguns autores, como por exemplo Marcello Caetano, contudo na perspetiva do Professor Freitas do Amaral não faz sentido.

 

1 – Teoria do estado de necessidade, defendido na constituição, ocorre em situações como estados de guerra, estado de sítio ou em caso de calamidade natural, onde se entende que a Administração Pública está dispensada de seguir o processo legal exigido em circunstâncias normais, mesmo que isso implique o sacrifício de direitos os interesses dos particulares, contudo, poderão os particulares lesados recorrer a indeminizações consoante o artigo 3º/2 CPA, determinando este artigo a cobertura legal para este tipo de situações determinando “ não poderia ser alcançado de outro modo”.

2 – Teoria dos atos políticos, que suscita dificuldades de compreensão por parte do Professor Freitas do Amaral, pois não são esses atos suscetíveis de impugnação contenciosa, perante tribunais administrativos e segundo o artigo 3º/3 CRP, todos os atos tem de estar em conformidade com a lei e com a Constituição.

3 – Poder discricionário da Administração que também não se considera pela maioria uma exceção ao princípio da legalidade, mas sim um modo diferente de configurar a legalidade administrativa pois existe na lei a configuração destes poderes definindo as suas competências e fins.

 

 

É a partir destas exceções que se coloca a problemática da natureza do princípio da legalidade. Sabe-se que a administração pública deve obediência à lei contudo essa submissão dever ser em todos os casos, ou apenas quando esteja em causa o sacrifício dos direitos e interesses dos particulares ?

A resposta é simples, em todos os casos, aludimos a uma distinção feita pela doutrina Alemã que fala em administração agressiva e administração constitutiva ( ou de prestações). Refere-se a administração agressiva quando existe agressão dos direitos e interesses dos particulares, proibições, expropriações nacionalizações ou recusa uma autorização. Por outro lado temos a administração constitutiva de direitos e vantagens sócio-econômicas, prestadora de serviços em prol do interesse e bem estar dos particulares.

No que toca ao desenvolvimento de uma administração constitutiva existe o problema do critério da justiça, pois para dar a uns terá de haver eventualmente a violacão de direitos de outros particulares, nunca conseguiram todos benefícios por igual e por isso será necessário usar critérios seletivos e quem faz essa seleção será a lei consoante certos critérios para esses domínios e socorrer os direitos de interesses legalmente protegidos.

O princípio da legalidade não pode ser afastado na sua totalidade da administração constitutiva e da agressiva, terá que ressalvar este princípio ambos os tipos de administração.

 

Ao abrigo do artigo 266º/1 CRP e 4º CPA, exprime-se o princípio do respeito pelos interesses legalmente protegidos pelos particulares, sendo esses interesses legítimos de todos os sujeitos de direito e o artigo 266º CRP representa fundamentalmente que a prossecução do interesse público não é o único critério de ação da administração , pois há que prosseguir o interesse público, mas respeitando simultaneamente os direitos dos particulares, sendo esta garantia de defender os interesses dos particulares um dos motivos pelo qual o princípio da legalidade fora em tempos consagrado.

Contudo, não basta a Administração Pública seguir a regra da lei para verificar na sua integridade o respeito pelos direitos subjetivos e legítimos dos particulares, existem várias formas de proteção para além desta:

 

  • estabelecimento da possibilidade de suspensão jurisdicional da eficácia do ato administrativo com a paralisação da execução prévia;

 

  • extensão da responsabilidade da administração por ato ilícito culposos, não apenas em caso de dano mas também nos casos em que os danos resultem de factos materiais que violem as regras da ordem técnica;

       - concessão aos particulares de direito e participação no processo administrativo antes da decisão final é por imposição do dever de fundamentar os atos administrativos que afetem diretamente interesses dos particulares .

 

Ainda sobre este tema, importa referir a distinção entre direito subjetivo e interesse legítimo.

 

Direito subjetivo - Existem interesses próprios dos particulares que são interesses protegidos diretamente pela lei como interesses individuais e porque a lei dá aos respectivos titulares o poder de exigir à administração a obrigação jurídica de efetuar esse comportamento a favor dos particulares em causa, e se não o fizerem os particulares dispõe de meios jurídicos para efetivação e realização do seu direito.

 

Interesse legítimo - Onde é necessário que exista um interesse próprio do sujeito de direito , que a lei proteja, e que vantagens tem a lei em o reconhecer? Quem teve por instância um prejuízo sofrido ilegalmente tem possibilidade de afastar esse mesmo prejuízo é afastado o prejuízo o titular desse mesmo interesse tem uma oportunidade de ver satisfeito o seu interesse.

No primeiro caso o particular tem a decisão final favorável ao seu interesse e no segundo apenas pode o particular pretender que uma eventual decisão desfavorável ao seu interesse não seja tomada ilegalmente. Ou seja, a administração ao praticar um ato ilegal que ofenda o direito subjetivo de um particular este pode obter através dos tribunais na íntegra os bens ou serviços que a administração lhe deva ou pelo menos uma indeminização jurista que elimine o dano sofrido. Enquanto se houver um ato ilegal que ofenda o interesse legítimo ou legalmente protegido de um particular, o máximo que este pode obter em tribunal é a eliminação do ato ilegal, não com o fim de lhe atribuir o bem ou serviço que pretende mas sim a finalidade de obrigar a administração a reexaminar o assunto e decidir de novo, sem repetir a ilegalidade cometida, mas podendo negar ao particular o bem ou serviço por ele pretendido.

Em suma, o direito subjectivo é o poder de manter ou obter um bem da vida e o interesse legalmente protegido é apenas a garantia de que as decisões administrativas sobre um bem da vida serão sempre tomadas de acordo com a lei.

 

 

 

 

Bibliografia:

AMARAL, Diogo Freitas (1986) Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3º edição (2016). Coimbra, Almedina

SOUSA, Marcelo Rebelo; MATOS, Salgado André (2004) Direito Administrativo Geral, Tomo I. 3º edição (2008). Alfragide, Dom Quixote

 

 

Ana Catarina Dionisio

Nº 28051

 

Discricionariedade administrativa

 
A evolução do princípio da legalidade no sentido do seu alargamento e do seu entendimento material, em vez de formal, significa ser necessário um maior controlo das atuações da Administração, visto não estar apenas em causa a contrariedade à lei, mas a todo o Direito. Vejamos, então, antes do mais, como evoluiu a noção de discricionariedade da Administração no nosso país, para melhor compreendermos os seus contornos atuais. De acordo com os ensinamentos do Professor Vasco Pereira da Silva, houve quatro posições fundamentais acerca da distinção entre os poderes vinculado e discricionário, no quadro da doutrina portuguesa:

 

1) A posição clássica, marcada pelo entendimento liberal da legalidade e da separação de poderes e defendida em Portugal pelo Professor Marcello Caetano, era a de que os atos vinculados se distinguiriam dos atos discricionários, correspondendo esta discricionariedade a um espaço livre de Direito, o que implicava que os tribunais não poderiam intervir neste âmbito de "liberdade de decisão" da Administração: um ato discricionário seria, portanto, uma exceção ao princípio da legalidade e não poderia ser jurisdicionalmente controlado.

 

2) O Professor Freitas do Amaral veio, entretanto, defender que a discricionariedade não é uma exceção ao princípio da legalidade e que não há atos totalmente vinculados ou totalmente discricionários, todos tendo ambas as facetas ("mistura ou combinação"), apenas sendo possível perguntar em que medida cada ato é discricionário ou vinculado. Afirma este Autor que cada ato tem, sempre, pelo menos dois elementos vinculados por lei - a competência e o fim. Assim, do seu ponto de vista, essa distinção apenas deveria fazer-se a nível dos poderes (poder discricionário e poder vinculado). O Professor Freitas do Amaral defendeu também que os poderes discricionários não poderiam ser controlados pelos tribunais, mas que todos os aspetos vinculados dos atos sim (e portanto todos os atos seriam sujeitos a controlo, nos seus aspetos vinculados).

 

3) Nos anos 80, o Professor Sérvulo Correia, por sua vez, partindo de uma distinção conhecida do Direito Alemão, veio distinguir duas modalidades de discricionariedade:

  • Margem de livre apreciação: no exercício de um poder, poderia a Administração ter esta margem de apreciação, antes ainda da decisão final,ao nível da subsunção dos factos à norma.
  • Margem de livre decisão: é a discricionariedade em sentido clássico e corresponderia, no entendimento do Professor, à possibilidade de proceder à decisão final.
 
4) A posição atual do Professor Vasco Pereira da Silva:
 
O Professor considera que não se deve associar a discricionariedade à liberdade (contrariamente às posições anteriormente expostas dos Professores Freitas do Amaral e Sérvulo Correia), pois a Administração nunca é livre, estando sempre vinculada, nas suas atuações, à prossecução do interesse público (que é o norte, guia e fim da Administração Pública, segundo expressão do Professor Freitas do Amaral) e ao Direito (nomeadamente, às normas que lhe conferem competências, não nos podendo esquecer que vigora o princípio da competência no âmbito da atuação administrativa: quae non sunt permissa prohibita intelliguntur, ou seja, "o que não for permitido é proibido"). Assim sendo, a "margem de manobra" que a Administração adquire por via da discricionariedade nunca pode ser comparada à vontade livre dos indivídios: a vontade dos órgãos públicos é, sempre, uma vontade normativa, o que justifica que a Administração fique vinculada pelos seus atos e responda por eles. Neste sentido também, o Professor Vieira de Andrade considera que a discricionariedade não é uma liberdade, mas sim uma tarefa, uma função jurídica, não podendo ser confundida com arbítrio e, consequentemente, fundar as suas decisões na sua vontade. Em suma, a Administração pratica sempre decisões jurídicas, que concretizam o ordenamento jurídico e suas escolhas no caso concreto.
 
Com efeito, esta questão prende-se com outra que a transcende: qual é o fundamento da discricionariedade da Administração? Porque existe? Já vimos que o seu fundamento não pode ser a vontade, o arbítrio, da Administração. Avança o Professor Rogério Soares que as leis "não podem ser figuração abstrata, até ao milímetro, do que irá ser cada um dos atos administrativos (...); não podem ser leis-ato-administrativo-feito-nas-nuvens, à espera de que o administrador as puxe à Terra. Nestes novos domínios, o papel da lei é o de ser um instrumento diretor e ordenador duma decisão que cabe ao 2.º poder." Por outras palavras, a discricionariedade administrativa existe pela impossibilidade prática de a lei prever e regular todas as situações da vida. Esta primeira ordem de motivos corresponde às razões práticas e também vem enunciada no Manual dos Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos. Mas a estas juntam-se razões jurídicas: a discricionariedade visa assegurar o tratamento equitativo dos casos concretos (summa iura, summa iniura). Esta ideia, conforme com aquele que pensamos ser o entendimento do Professor Vasco Pereira da Silva, encontramos nos escritos atualizados do Professor Freitas do Amaral, que, como veremos, adota hoje uma posição muito diferente da que outrora adotou. Os Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos entendem que é, além das razões práticas e com elas relacionado, o princípio da separação de poderes enquanto critério de distribuição racional das funções do Estado pelos seus órgãos que conduz à limitação da densidade normativa, o que, para estes Autores, justificaria a existência de uma margem de liberdade da Administração em face do legislador e do poder judicial - difícil não será prever que o Professor Vasco Pereira da Silva não sufraga na totalidade este entendimento, pela sua alusão à liberdade, mas, como veremos adiante, outra é também a sua opinião quanto ao controlo jurisdicional do exercício de poderes (predominantemente) discricionários.
 
Devido ao ponto anterior, é seguro afirmar que o Professor Vasco Pereira da Silva se aproxima mais da posição do Professor Sérvulo Correia do que da introduzida pelo Professor Freitas do Amaral, mas veremos agora em que aspetos o Professor se distancia também desta posição:
 
Em primeiro lugar, como já afirmámos, não considera adequado o uso do termo "livre" ("margem livre (...)"), por considerar que as decisões da Administração se baseiam sempre em critérios que têm em vista a prossecução do interesse público e que não podem nunca violar normas jurídicas, quer infra, quer supralegais. De facto, o Professor entende que até estes momentos que o Professor Sérvulo Correia autonomiza, embora tenham natureza discricionária, são sempre vinculados em certa medida. A prorrogar o defendido pelo Professor Vasco Pereira da Silva, basta conferir que a tese alemã que influenciou o Professor Sérvulo Correia não se refere nunca a "liberdade" (Freiheit) ou a espaços "livres" (frei), utilizando antes o termo Beurteilspielraum, pelo que se teria tratado de um "equívoco de tradução" (1).
O Professor entende ainda que, para além das margens de decisão e de apreciação, há ainda um outro momento que precede esses dois e que o Professor Sérvulo Correia não teve em consideração: a interpretação da lei é, já de si, uma tarefa de natureza discricionária. O Professor Vasco Pereira da Silva alude a uma nova linha de pensamento, marcadamente americana, designada de Culturalista, que entende precisamente que a interpretação de textos normativos é uma realidade cultural, semelhante à interpretação de textos literários ou de partituras musicais. Parte-se da ideia de que o leitor é, sempre, um autor, criando algo novo. É também neste sentido que Balkin, Professor de Direito em Yale, afirma que o Direito é uma espécie de "arte cénica". Assim sendo, para o Professor Vasco Pereira da Silva, há três momentos de discricionariedade que pautam a atuação administrativa, mas que o Professor entende que apenas podem ser autonomizados em termos teóricos, não práticos, por constituírem uma realidade lógica, contínua e integrada, podendo até coincidir. São, no entender do referido Autor, três momentos que existem em qualquer poder, sendo cada um destes momentos, também, simultaneamente vinculado e discricionário. É por estes motivos que o Professor Vasco Pereira da Silva considera a tese defendida pelo Professor Sérvulo Correia demasiado formalista. É também por estes motivos que o Professor Vasco Pereira da Silva entende que a distinção entre discricionariedade e vinculação não se adequa aos poderes, pelo mesmo motivo que não de adequa aos atos: todos os poderes têm aspetos vinculados e discricionários, em simultâneo.
 

Por último e em jeito de conclusão, o Professor Vasco Pereira da Silva entende que, tendo em conta tudo quanto se disse, os tribunais controlam integralmente o poder vinculado e os vínculos do exercício do poder discricionário. O Professor Vasco Pereira da Silva entende que todos os aspetos de um poder, quer sejam vinculados, quer discricionários, estão sujeitos a controlo jurisdicional, pois que todos esses aspetos estão subordinados ao Direito, apenas concedendo que o controlo jurisdicional será mais forte consoante vá aumentando a medida de vinculatividade de um poder. Para compreendermos melhor a posição do Professor Vasco Pereira da Silva quanto ao controlo jurisdicional a que está sujeita a Administração no exercício de poderes (predominantemente) administrativos, importa conhecer as opiniões atuais de alguns Autores quanto ao mesmo problema.

 

Vejamos, então, sucintamente, o que entende hoje o Professor Diogo Freitas do Amaral por poder discricionário da Administração. Segundo o Autor, o poder é discricionário quando o seu exercício fique entregue ao critério do respetivo titular, que pode e deve escolher a solução a adotar em cada caso como mais ajustada à realização do interesse público protegido pela norma que o confere. Entende, portanto, que o poder discricionário não é livre, estando a escolha não apenas vinculada pela competência e pelo fim, mas também, e sobretudo, por ditames decorrentes dos princípios e regras gerais que vinculam a Administração, o que implica que o órgão administrativo fica obrigado a encontrar, de entre as escolhas possíveis, aquela que se consubstancia na melhor solução para o interesse público (na linha de pensamento de Engisch, considera que, de entre as várias escolhas legais possíveis, há um resultado que é o "único ajustado" às circunstâncias do caso concreto). O Professor Freitas do Amaral entende, hoje, portanto, que o poder discricionário não é um poder livre dentro dos limites da lei, mas sim um poder jurídico delimitado pela lei.

 

O Professor Freitas do Amaral considera também, hodiernamente, que a maioria dos poderes têm simultaneamente aspetos vinculados e discricionários (o que não corresponde, ainda, à posição do Professor Vasco Pereira da Silva, mas é sem dúvida mais próxima do que outrora). Desenvolve o Professor Freitas do Amaral que nos poderes com aspetos vinculados e discricionários, os aspetos vinculados estão sujeitos a controlo de legalidade, pelo seu exercício ilegal, e os discricionários a controlo de mérito, pelo seu mau uso. Ou seja, defende que, em rigor, não há controlo jurisdicional do poder discricionário, mas antes controlo administrativo de mérito sobre o bom ou mau uso do poder, e controlo jurisdicional de legalidade dos aspetos vinculados dos poderes (predominantemente) discricionários. Relativamente ao controlo do mérito, afirmam os Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos que este engloba a apreciação da oportunidade (utilidade da atuação em concreto para a prossecução do interesse público visado pelo poder legalmente conferido por lei) e da conveniência (utilidade da atuação em concreto para a prossecução do interesse público, à luz dos demais interesses públicos envolvidos), o que, de acordo com o artigo 3.º/1 do CPTA, os tribunais administrativos não têm competência para julgar. Estes Professores concordam, como referido supra, que a separação de poderes implica a ausência de controlo jurisdicional da margem de discricionariedade da Administração, pois, no seu entender, a atribuição de um poder (predominantemente) discricionário a um órgão administrativo corresponde a um juízo do legislador, segundo o qual o interesse público em causa seria melhor prosseguido pela Administração do que pelo próprio legislador ou pelos tribunais.

 

Retomando a posição defendida pelo Professor Vasco Pereira da Silva, podemos agora afirmar que esta se aproxima daquela defendida pelo Professor Freitas do Amaral, no que respeita aos vínculos que limitam toda a atividade Administrativa (não se excluindo, portanto, a discricionária). De facto, estes Professores concordam que, hoje, os poderes discricionários não são apenas sujeitos a controlo jurisdicional quanto ao fim competência, como também, em virtude do alargamento do entendimento da legalidade, quanto aos princípios gerais da Administração Pública, quer os constantes da Constituição (artigo 266.º), quer quanto aos constantes no CPA e legislação avulsa. Estes princípios são vínculos autónomos, não surgindo da circunstância concreta de existência de um poder discricionário específico.

No artigo 266.º da CRP, encontramos referência aos seguintes princípios:

  • Princípio da imparcialidade
  • Princípio da igualdade
  • Princípio da proporcionalidade
  • Princípio da boa fé
  • Princípio da justiça

O princípio da proporcionalidade, a que está sujeita a Administração, é particularmente expressivo do alargamento da aceção da legalidade e consequente reforço do controlo jurisdicional a que estão sujeitos os poderes discricionários. Isto porquê? Porque, controlando a necessidade, a adequação e o não prejuízo excessivo, acaba-se controlando o próprio modo como o poder discricionário é exercido. Se uma decisão for desnecessária, essa decisão é ilegal e como tal pode ser conhecida de um tribunal. Significa isto que a necessidade e adequação deixam de ser problemas de mérito e transformam-se em problemas de legalidade.

Também o princípio da justiça releva em sede de discricionariedade, pois permite considerar ilegal uma decisão materialmente injusta, quer se trate de uma decisão realizada no âmbito de poderes vinculados, quer discricionários.

 

Artigos relevantes: 266.º/2 CRP; 3.º/1 e 4.º CPA; 3.º/1, 71.º/2 e 95.º/3 CPTA

Normas que atribuidoras de poderes discricionários (enumeração exemplificativa): artigos 3.º/2, 145.º/3, 100.º/2, 157.º/1, 174.º/2 CPA; art. 8.º DL n.º 252/92, de 19 de Novembro.

Jurisprudência:

Bibliografia:

 

Beatriz de Macedo Vitorino

Aluna Nr. 28191

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