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Subturma 10 no Divã da Psicanálise

Blog de Direito Administrativo. 2º Ano - Turma B, Subturma 10 (2016/2017).

Subturma 10 no Divã da Psicanálise

Blog de Direito Administrativo. 2º Ano - Turma B, Subturma 10 (2016/2017).

Os Direitos subjetivos dos particulares face à ação da Administração Pública

1. Formulação e evolução histórica do conceito de direito subjetivo

Primeiramente, há que relembrar um pouco da matéria de Teoria Geral do Direito Civil, no que toca à origem e evolução do conceito de direito subjetivo. Como estudámos, o existe uma histórica divergência na doutrina, em torno do conceito de direito subjetivo. A construção de Savigny, segundo a qual o direito subjetivo seria um poder da vontade, serviu de base ao atual conceito. De acordo com este autor, o sistema de Direito Civil assentava na vontade humana, que era base dos direitos, das relações jurídicas e de diversos institutos. Direito subjetivo consistia assim à proteção jurídica concedida ao poder da vontade. 

Segue-se a doutrina de Jhering, que critica a teoria da vontade apontando que: as pessoas que são privadas de vontade (exemplo dos incapacitados), também são titulares de direitos subjetivos; e, por outro lado, os sujeitos não podem assumir qualquer vontade, se esses forem contra os direitos e deveres fundamentais, estabelecidos na ordem jurídica. Jhering acaba por concluir que não a vontade, a substância do direito, mas sim o aproveitamento; sendo o direito subjetivo, a segurança jurídica do aproveitamento dos bens. Direitos são, nesta ótica, interesses juridicamente protegidos. Mais tarde, Regelsberger viria a criticar esta conceção de Jhering, referindo que existem direitos subjetivos que que não correspondem a interesses objetivos ou subjetivos (exemplo: o proprietário de coisa deteriorada não deixa de ter direito e correspondente proteção).

No percurso evolutivo deste conceito, deve ainda fazer-se menção às posições negativistas, protecionistas e neo-impíricas. Para os negativistas, o direito subjetivo seriam situações de vantagem para certas pessoas, garantidas pelo poder estadual. Por seu lado, os protecionistas consideravam que direito subjetivo seria uma fonte de pretensões eventuais expressas na tutela acordada pelas normas aos interesses de um particular contra particulares. Por fim, os neo-impíricos, por intermédio de Karl Larenz, defendem que quando uma pessoa é titular de um direito subjetivo, implica que algo lhe compete ou é devido.

No presente, o Professor Menezes Cordeiro define direito subjetivo como permissão normativa específica de aproveitamento de um bem. Permissão normativa específica, que significa uma permissão juridicamente protegida, de que alguém é titular, o que a contrario, significa uma não-permissão/ imposição para os não-titulares; para existir o direito subjetivo deve haver a afetação jurídica de um bem. 

 

2. Distinção entre direito subjetivo comum e direito potestativos

Dentro do direito subjetivo, pode fazer-se a separação entre direito subjetivo comum e direito potestativo. Direito subjetivo comum será, basicamente, o direito subjetivo em geral, ou seja, a tal permissão normativa específica de aproveitamento de um bem. Pelo contrário, direito potestativo, é um direito que não pode ser contestado, é o poder de alterar, unilateralmente através de uma manifestação de vontade, a ordem jurídica (exemplo aceitar uma proposta contratual, pois altera de modo unilateral a ordem jurídica.)

 

3. Direitos Subjetivos e Interesses legalmente protegidos

Em Direito Administrativo, faz-se menção aos direitos subjetivos dos particulares, protegidos pelo Princípio do respeito dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, consagrado no art. 266º/nº1 da CRP e no art.4º do CPA. O professor Paulo Otero faz referência aos dois tipos de posições jurídicas ativas: os direitos subjetivos, que significam a permissão de aproveitamento de um bem, conferem imediatamente ao seu titular meios que lhe permitam a afetação jurídica de um bem à prossecução de um interesse próprio, exigindo dos outros sujeitos uma conduta apta à sua satisfação; e os interesses legalmente protegidos, são todas as posições jurídicas subjetivas de vantagem tituladas por administrados que não se reconduzem a direitos subjetivos. Por seu lado, o professor Diogo Freitas do Amaral classifica o direito subjetivo como um ou mais poderes legais que permitem manter ou obter a satisfação plena de um interesse privado, enquanto que o interesse legalmente protegido consiste apenas no poder legal de garantir que o eventual sacrifício de um interesse privado seja sempre decidido com total respeito pela legalidade administrativa vigente e, em caso de ilegalidade, o poder de exigir que a questão seja novamente apreciada pela Administração Pública ou pelos tribunais. Assim, a titularidade de um direito subjetivo confere maior proteção jurídica ao administrado, vinculando a Administração Pública a satisfazer a sua pretensão, sem que esta possa decidir conceder ou não o bem pretendido, sem que se prejudiquem direitos subjetivos idênticos e tendo em conta a escassez dos meios financeiros. Quanto aos interesses legalmente protegidos, face aos mesmos, a Administração Pública não se encontra obrigada a decidir favoravelmente no sentido pretendido pelo administrado. A existência deste interesse legalmente protegido apenas impõe à Administração Pública tomar em consideração a posição do titular deste interesse, de acordo com o princípio da legalidade. Ao administrado, são lhe ainda conferidos os meios judicias que lhe permitem recorrer junto dos tribunais, caso entenda que a Administração Pública não cumpriu a legalidade na decisão de apreciação da pretensão. 

 

4. Tipos de direitos subjetivos em geral:

  • Direitos subjetivos relativos (erga singulum)- assentam em determinada relação jurídica, traduzindo uma posição jurídica de vantagem face a um sujeito determinado (ex. direito a ser indemnizado caso a autarquia local exproprie um terreno pertencente a um particular);
  • Direitos subjetivos absolutos (erga omnes)- não dependem de qualquer relação particular, impondo-se a todos um dever geral de abstenção e respeito (ex. direito de acesso aos tribunais);
  • Direitos potestativos- particular tem poder unilateral de alterar a ordem jurídica (ex. direito em desencadear arbitragem administrativa prevista numa cláusula contratual);
  • Direitos patrimoniais- têm natureza económica e são passiveis de avaliação pecuniária (ex.direito a indemnização contratual e direito à propriedade privada);
  • Direitos não patrimoniais- não assumem natureza económica, no entanto, quando violados, podem dar lugar a uma indemnização (ex. direito à honra e direito à vida);

5. Tipos de direitos subjetivos face à Administração Pública, segundo o professor Paulo Otero:

  • Direitos subjetivos privados- aqueles cuja origem e disciplina emerge de atos jurídicos de Direito privado (ex. direito do senhorio à rende de um imóvel arrendado a certo subsetor da Administração Pública);
  • Direitos subjetivos públicos- aqueles cuja origem e disciplina radica em atos do Direito público, e subdivide-se em direitos subjetivos públicos que impõem à Administração Pública uma ação a favor do particular (ex. direitos de créditos resultantes de norma e direito à saúde no âmbito de acesso prestacional a estabelecimentos públicos); e direitos subjetivos públicos que impõem à Administração Pública uma conduta omissiva a favor dos particulares (ex. garantia da liberdade de expressão);
  • Direitos subjetivos substantivos- aqueles que o particular goza devido ao Direito material regulador da conduta administrativa, que se traduz numa posição de vantagem revelada em atos de satisfação de pretensões nele alicerçadas (ex. direito ao subsidio de desemprego e direito de utilização do dominio público);
  • Direitos subjetivos procedimentais- posições jurídicas de vantagem conferidas aos particulares no âmbito do procedimento interno da Administração Pública, vizando a defesa das respetivas posições jurídicas materiais (ex. direito de audiência prévia);
  • Direitos subjetivos processuais- posições jurídicas pertencentes aos particulares cujo exercício é feito junto dos tribunais, contra a Administração Pública (ex.direito à impugnação judicial dos atos administrativos lesivo);

6. Conclusão

O conceito de direito subjetivo atravessou várias etapas para alcançar a sua atual definição. Os direitos subjetivos tem maior força que os interesses legalmente protegidos por não poderem ser negados aos particulares que os exercem, enquanto que os interesses legalmente protegidos, que obriga apenas a uma ponderação, de acordo com o princípio de legalidade, por parte da Administração Pública. Existem diversos tipos de direitos subjetivos dos particulares em relação à Administração Pública, que procuram limitar a sua ação e proteger a prossecução dos interesses dos particulares.  

 

7.Bibliografia:

- Paulo Otero. Manual de Direito Administrativo, vol I, Almedina;

-Diogo Freitas do Amaral. Curco de Direito Administrativo, vol II, Almedina;

-Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, vol I, Lex Lisboa.

 

Nuno André Alves 

Administração pública e os Direitos fundamentais dos particulares

Direitos Fundamentais dos Particulares:

 

No presente artigo, irei abordar sobre os direitos fundamentais dos particulares face a Admnistração Pública.

Direitos fundamentais, são as posições jurídicas básicas, reconhecidas pelo direito português, europeu, e internacional, com vista à defesa dos valores, e interesses mais relevantes, que assistem às pesssoas singulares, e coletivas em Portugal, independentemente da nacionalidade que tenham.

Apesar de sempre, falar se neles, os direitos fundamentais, só foram consagrados na Idade moderna, com o reconhecimento das principais cartas e constituições. Mas, mesmo antes da sua consagração, eles sempre existiram, pois são direitos que nascem com o indivíduo, e não por concessão do Estado. Os direitos fundamentais, pré existem a todas instituições políticas e sociais, não podendo ser retirados, ou restrisngidos por estas.

Os direitos fundamentais, são direitos subjetivos perante o Estado, tem efeito direto na relação entre os particulares e o Estado. Para o professor Gomes Canotilho, os direitos fundamentais são sinonnimos dos direitos do homem, e só podemos distingui- las dizendo que, os direitos do homem são direitos naturais, válidos a todos povos e a todos os tempos, e os direitos fundamentais são direitos do homem garantidos juridico-institucionalizadamente.

Os direitos fundamentais, constituem num plano juridico-objetivo, normas de competências para os poderes públicos, proibindo a ingerência destes na esfera jurídico-individual de cada uma das pessoas.

 

Tipos de Direitos fundamentais:

Para Bobbio, os direitos fundamentais na ordem institucional, manifestaram- se em 3 gerações:

  • 1ª Geração: os direitos a liberdade, que tem como titulares os individuos, são direitos civis e politicos de aplicabilidade direta; são faculdades ou atributos da pessoa, são subjetivos, são direitos individuais de resistência ou oposição perante o Estado.
  • 2ª geração: nascem no século XX, são direitos civis, sociais, economicos, bem como direitos coletivos, introduzido pelos constitucionalismos dos Estado social, tem aplicabilidade mediata por via do legislador, representam uma onda de valores. Estes direitos fizeram com que os princípios de igualdade e liberdade tomassem novas porpoções, deixando de ser individuais,tormando uma dimensão objetiva de garantia contra atos de arbítrio do Estado.
  • 3ª Geração: dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses dos indivíduos, de um grupo ou de um momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. ex: direito a paz, ao ambiente, etc.
  • 4ª geração:  correspondestes a fase de institucionalização do Estado Social, são eles o direito a democracia, a informação, e ao pluralismo.

Com o surgimento da discussão dos direitos fundamentais, o direito admnistrativo, que era estruturado ou voltado ao poder estatal, redimensiona as suas categorias esssencias, e volta se ao individuo, ou seja a coletividade. O poder estatal que era o fundamento de autoridade e supremacia do regime juridico-admnistrativo mas, no Estado de direito cedeu diante o reconhecimento do individuo (particular) e dos direitos públicos subjetivos, que impõem deveres negativos e positivos aos entes do poder público. A constituição, passa a ser o centro da ordem juridica, o estado passa a ter deveres positivados e obrigações que correspondiam a direitos e pretenções dos particulares. O direito criou espaços que proporcionem a participação dos particulares na gestão pública e durabilidade das relações administrativas.

Os poderes fundamentais, modificaram a relação entre admnistração e admnistrados, reorientando a prossecução do interesse público- artigo 4º CPA,  o que tornou necessária a readequação dos pilares que sustentam o regime juridico admnistrativo. Passou se a indentificar o ser humano, como sujeito objeto do Estado, ou seja, o Estado voltou se a prossecução do interesse público., passou a colaborar mais com os particulares.

O estado passou a estar condicionado ao princípio de legalidade, que demarca esferas de atuação, e de limites das entidades estaduais, pois a introdução dos direitos fundamentais, influenciou o tipo de relação entre o titular do poder publico, o objeto e os destinatários do ato administrativo. A legalidade torna se postulado fundamental do direito público, viculando o agir do Estado, e tornando se parametro de juridicidade da Admnistração pública.

Introduziu-se as garantias petitórias, os direitos dos particulares as petições ou ações negativas (direito à defesa), onde os particulares passam a poder atuar contra atos lesivos dos Estado, o que limitou o poder de atuação do estado na prossecução dos seus fins. Os particulares passaram a poder pedir anulação de atos- artigo 163º CPA, passam a poder intentar recursos com caráter facultativo e impugnar atos administrativos perante a Admnistração Pública e aos tribunais ( artigos 184 CPA,199ºCPA).

O poder público passou a estar obrigado a respeitar, e garantir o núcleo de liberdade constitucionalmente assegurado- artigo 18º nº1 da Constituição da República Portuguesa., o individuo passou a poder ter pretensão de exigir a abstenção, revogação, reconsideração ou anulação do ato estatal, além da defesa ou proteção contra atos de terceiros que os possam lesar. O que não existia antes, pois pela lógica francesa, era inconsebível que os particulares tivessem direitos face a administração, e pela lógica alemã (Otto Maya) não se podia constituir um poder de vontade do particular contra o poder público.

Os serviços publicos tornam se instrumentos para realização dos direitos fundamentais, passam a garantir através de oferecimento de bens e serviços necessários a realização de um núcleo minimo necessário a preservação da dignidade da pessoa humana.

Os entes públicos passaram a ponderar os valores no caso concreto, os interesses de privados começaram a prevalecer na tutela dos direitos fundamentais frente ao interesse do estado, atenção a proteção dos fins estaduais, em face ao dos orgãos do estado.

O Estado passou a ter de fundamentar quando a restrição dos direitos fundamentais torna se necessária, no exame de um caso concreto com emprego do princípio da proporcionalidade, vide artigo 152º do Código do procedimento admnistrativo.

A discricionariedade admnistrativa passou a compreender o espaço de liberdade decisória concedida a admnistração pública.

 

referências Bibliograficas:

  • Alexy, Robert . Teoria dos direitos Fundamentais. Edição Malheiros, São paulo, 2008
  • ANDRADE, José Carlos Vireira de . Direitos Fundamentais na constituição de 1976, Coimbra, Almeidina, 2001
  • CANOTILHO, José Joaquim Gomes. direito Constitucional, coimbra, almedina, 1993
  • De SOUSA, António fracisco- Asmnistração pública e os Direitos fundamentais- Editora Prefácio

Carlos Dias

 

Normas de Competência

Normas de competencia 

     

Para exercer a função administrativa há algo essencial, as denominadas normas de competência;

1)Função e sentido das normas de competência

     As normas de competência no âmbito da administração pública têm como objetivo o estabelecimento das condições de prossecução do interesse público e configuram as regras essenciais para a validade das decisões que autorizam, pois fora do campo dos poderes conferidos pelas normas de competência não podemos considerar a atuação do poder administrativo como válido o mesmo acontece relativamente as decisões administrativas.

     Podemos dizer, que as normas de competência gozam de uma posição hierárquica superior relativamente a todas as outras decisões (normativas ou não), resultantes dos poderes que elas conferem: a estrutura administrativa habilitada por uma norma de competência, em situação alguma goza, ao abrigo dessa mesma norma, de uma competência dispositiva ou modificativa da respetiva norma de competência. A norma de competência exerce uma função hétero vinculativa relativamente há entidade que recebeu os poderes provenientes da norma; a norma de competência pode em certos casos, conceder o intermedio da vontade da estrutura decisória que recebe poderes, para que tendo sempre em conta os termos da habilitação atribuída, estabeleça as regras para o exercício da competência, porém terá de ser a norma de competência a explicar o fundamento habilitador da intervenção da vontade da estrutura decisória no ajustamento dos poderes que lhe foram confiados;      

2)Tipologia das normas de competência

     Antes de procedermos à distinção das normas de competência, devemos realçar três realidades que resultam da complexidade das normas de competência, em primeiro lugar temos as normas que conferem competências ou normas de ação (regras ou princípios jurídicos que conferem poderes de intervenção decisória à administração pública); em segundo lugar temos as normas que disciplinam o exercício da competência (regras e princípios jurídicos que estabelecem os termos de como os poderes confiados a Administração pública que se traduzem por meio de pratica de atos jurídicos e de atos materiais); a terceira e última realidade a referir são as normas que regulam as normas de competência que constituem um género de normas sobre normas, que têm por objetivo regular as normas de competência;

 

     - As normas que conferem competência são suscetíveis de compreender 4 níveis de configuradores de poderes da administração pública, em primeiro lugar temos as normas de tarefas ou incumbências públicas, estas definem os limites das necessidades coletivas inseridas na competência do poder público, por oposição à esfera da sociedade civil, verificando-se que quando o poder administrativo ultrapassa a linha constitucional da fronteira entre o “hemisfério publico” e o “hemisfério privado” constitui, desde que se encontre para além da margem constitucional de liberdade conformadora do legislador, uma violação da reserva da sociedade civil ou reserva dos direitos fundamentais; em segundo lugar encontramos as normas de divisão ou separação de funções sendo estas as normas que, segundo as funções de natureza pública, procedem à divisão das necessidades coletivas pelos diversos poderes do estado, quando ocorre uma violação destas normas por uma decisão administrativa considera-se que a norma se encontra ferida de usurpação de poderes; encontramos em terceiro lugar, as normas de atribuições, são as que procedem à distribuição da parcela de interesses públicos a cargo das diversas pessoas coletivas que integram a administração pública, porém quando se refere ao Estado a distribuição das atribuições faz-se por ministérios, tornando-se tais interesses públicos parte integrante dos fins específicos das competências das entidades ou ministérios. No caso de uma entidade ou ministério exercer atribuições da competência de outra entidade ou ministério, as decisões administrativas tomadas, verificam-se “feridas” por incompetência absoluta; em quarto e ultimo lugar, encontramos as normas de competência em sentido próprio, que se identificam como sendo as que repartem pelas estruturas orgânicas os poderes necessários com vista à prossecução dos fins próprios da entidade publica em que se encontram integrados, no caso de uma estrutura orgânica agir no âmbito dos poderes atribuídos a outra estrutura que faça parte da mesma entidade publica, sem ter habilitações para tal, as decisões administrativas sofrem de uma incompetência relativa;

     As normas de competência em sentido próprio são suscetíveis de, tendo em conta a natureza dos poderes que conferem, admitir duas situações: Primeira, as normas de competência potestativa, conferem poderes para a Administração publica inserir do modo automático e unilateral, alterações na ordem jurídica, constituindo, modificando ou extinguindo posições jurídicas; Segunda situação, normas de competência não potestativa concedem poderes cuja mudança a executar na ordem jurídica não resultam da intervenção unilateral da administração pública, é necessário a cooperação de outros sujeitos (exemplo, normas de competência para negociação, celebração e execução de contratos, normas de competência para a nomeação de um titular para um determinado órgão);

 - As normas que disciplinam o exercício de competências, são suscetíveis de comportar 5 subtipos:

     1 normas que estabelecem os princípios gerais de direito a que obedece o exercício da competência da administração pública, devendo-se fazer referencias ao seguintes princípios: princípio da legalidade da competência- a competência das estruturas administrativas têm como fundamento a constituição, a lei, ou os princípios gerais de direito; principio irrenunciabilidade da competência- a estrutura administrativa não pode renunciar aos poderes que lhe foram atribuídos; princípio da inalienabilidade da competência- os poderes atribuídos a estrutura administrativa não são suscetíveis de se constituírem como objeito de um negócio jurídico, encontra-se deste modo vedada a sua transmissão a terceiros; princípio  inconsumibilidade da competência- os poderes conferidos apos a sua execução não se extinguem; princípio do respeito pelos limites materiais (os poderes entre as estruturas administrativas distribuem-se em função de matérias, o que não significa que não possa ocorrer que para uma decisão final não contribuam uma pluralidade de estruturas, sendo admissível que numa determinada matéria se encontre no domínio do poder de decisão de mais do um órgão/estrutura), territorial ( a competência pode ser repartida em função do território, originando espaços de ação decisória exclusivos de determinado órgãos, por exemplo a camara municipal do Porto não pode efetuar atos relativos a situações circunscritas no território do município de Braga), hierárquicos, e temporal ( as normas que definem o intervalo temporal do exercício da competência permite identificar dois princípios: 1 regra geral o exercício de competência é em relação ao presente salvo se a lei habilitar a pratica de atos retroativos; 2 o exercício da competência relativo a um momento futuro fora do alcance temporal dos poderes do decisor pode geral uma incompetência em razão do tempo) da competência.

     2 As normas que fixam pressupostos ao exercício da competência definindo requisitos na previsão da norma, para que esta possa ser exercida provocam, caso ocorra uma ausência de pressuposto ou agindo o decisor como se não existe-se qualquer pressuposto, uma decisão viciada por erro sobre os pressupostos da competência ou ate viciada de incompetência;

     3 As normas que disciplinam os fins do exercício da competência fazendo corresponder a motivação principalmente motivante das decisões ao fim que levou a atribuir essa competência ao respetivo decisor, determina-se que se esse motivo principalmente determinante não corresponder ao fim visado pela norma de competência em causa existirá uma situação de desvio de poder (por exemplo se nos termos legais a instauração de multas pelo estacionamento de viaturas num local explorado por uma entidade pública, tem como intenção sancionar o não cumprimento das regras de transito, a sua utilização não pode ter como principal motivo angariar receitas para a entidade pública);

     4 As normas que estabelecem limites materiais ao exercício da competência, colocando condições relativas ao objeto da decisão a adotar ao abrigo da competência em causa que caso não sejam respeitados terão como consequência a violação da lei (por exemplo se uma lei determinar que as bolas de estudar a conceder têm o valor máximo de 400 euros a Administração Pública noa pode atribuir um valor superior ao estabelecido)

     5 As normas que prescrevem o procedimento e forma de exercício da competência. Se não foram tido em conta e claro respeitadas originaram vícios de forma; (exemplo, se a lei determinada que a permissão da camara municipal para a instalação de um elevador num determinado prédio depende do parecer favorável dos bombeiros a ausência da consulta ao bombeiros origina um vicio de forma para uma eventual permissão);

-As normas que regulam as normas de competência, são suscetíveis de conceder poderes adicionais à administração publica sobre os próprios preceitos definidores da sua competência e sobre as normas reguladoras do sue exercício; compreende o seguinte quadro tipológico:

     a)Normas que regulam a produção de normas de competência (por exemplo normas constitucionais que definem a competência legislativa da assembleia da republica, do governo, e das regiões autónomas respeitantes a matérias administrativas e à atribuição de competência decisória da administração pública);

     b)Normas que regulam as relações entre as diversas fontes responsáveis pela revelação das normas de competência (artigo 112/2 1º parte CRP -principio da paridade hierárquico-normativo entre lei e decreto lei; artigo 3/3 CRP todos os atos devem ser conformes a constituição da republica portuguesa)

     c)Normas que regulam conflitos de normas de competência, num triplo sentido: 1 resolução de conflitos materiais (contradição de normas de competência, a norma X diz que a competência pertence a A e a norma Y diz que a competência pertence a B por exemplo; ou então colisões de princípios a aplicar pela autoridade administrativa, por exemplo garantia do exercício de greve dos professores em dia de exames e assegurar que os alunos realizariam a prova nesse mesmo dia); 2 resolução de conflitos temporais entre normas de competência; 3 resolução de conflitos especiais entre as normas de competência envolvendo situações jurídicas internas (exemplo de conflitos de competências entre o estado e as autarquias locais) ou situações jurídicas transnacionais (exemplo, declaração e nulidade de um titulo académico estrangeiro obtido por um estrangeiro que pretende servir-se dele para escrever uma atividade em Portugal;)

     d)Normas que determinem critério de interpretação de normas de competência;

     e)Normas que incidem sobre a integração de lacunas de normas de competência;

 

Referências bibliográficas:

Paulo Otero, Manual de Direito Administrativo, I, Almedina, 2013

Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública- O sentido da vinculação administrativa à juridicidade, Almedina, 2011

Ricardo Cunha 

nº de aluno 26744

Efetivação das garantias dos particulares face à Administração Pública

  1. Introdução

            Através do presente trabalho escrito, vamos procurar clarificar em que consistem as diversas garantias dos particulares face à Administração Pública, quem tem legitimidade para exercer estas garantias, quais os prazos estipulados para o recurso às mesmas e quais as possíveis consequências da sua efetivação. Para tal, iremos seguir de perto os ensinamentos do Prof. Freitas do Amaral, socorrendo-nos igualmente de outras fontes bibliográficas, de modo a procurar evitar repetições excessivas de matérias já abordadas noutros trabalhos escritos.

 

  1. O que são Garantias

            O reconhecimento constitucional dos direitos e interesses dos cidadãos consagrado no art. 266º/1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), bem como a subordinação da Administração Pública à lei (cfr. art. 266º/2 CRP) não basta para garantir um efetivo meio de reação dos interessados em face de uma infração por parte da Administração.

            As garantias dos particulares de que se ocupa o Direito Administrativo asseguram mecanismos de reação e defesa perante atos da Administração. Segundo o Prof. Freitas do Amaral, estas definem-se como os “meios criados pela ordem jurídica com a finalidade de evitar ou de sancionar as violações do direito objetivo, as ofensas dos direitos subjetivos ou dos interesses legítimos dos particulares, ou o demérito da ação administrativa, por parte da Administração Pública”.

           Para o nosso estudo interessam-nos primordialmente os meios criados com o objetivo de evitar ou sancionar ofensas de direitos subjetivos e interesses legítimos de particulares, que se desdobram em garantias políticas, garantias administrativas e garantias jurisdicionais, consoante o órgão a quem é confiada a efetivação das mesmas.

 

  1. Garantias políticas

            Estas garantias são efetivadas através dos órgãos políticos do Estado, consistindo no direito de resistência, consagrado no art. 21º CRP, e no direito de petição, quando exercido perante um órgão de soberania, de acordo com o art. 52º CRP.

 

3.1. Direito de resistência

            Relativamente ao direito de resistência, este consiste na faculdade de contrariar qualquer ordem ofensiva de direitos, liberdades e garantias, e de afastar pelo uso da força qualquer agressão, quando for impossível recorrer à autoridade pública. Esta resistência pode efetivar-se relativamente a uma agressão privada ou a um ato da autoridade pública, sendo esta segunda a que mais releva para o nosso estudo.

 

3.2. Direito de petição

            O direito de petição consiste em suscitar perante os órgãos do poder e outras entidades públicas quaisquer problemas de interesse geral, cingindo-se a solicitar a atenção do órgão competente para situações ou atos ilegais ou injustos e não a impugnar atos administrativos. Este direito tem a vantagem de poder ser exercido, não somente por nacionais, mas por quaisquer pessoas que se encontrem ou residam em território português, para além de não estar sujeito a qualquer formalidade ou processo específico. Os destinatários destas petições são quaisquer órgãos públicos, à exceção dos tribunais.

           

            Ambas as garantias são insuficientes, uma vez que cobrem poucos casos e por serem confiadas a órgãos políticos estão sujeitas a ser apreciadas de acordo com critérios de conveniência política, e nem sempre por critérios de imparcialidade.

 

  1. Garantias administrativas

            Este vasto grupo de garantias efetiva-se através da atuação e decisão de órgãos da Administração Pública, os quais possuem mecanismos de controlo da sua atividade. Estes mecanismos, criados principalmente para assegurar a defesa da legalidade e da boa administração, são colocados também ao serviço dos direitos e interesses legítimos dos particulares. Antigamente denominavam-se “garantias graciosas”, uma vez que se tratava da concessão de um direito ao particular pelo soberano e não de um efetivo direito do particular.

            Estas garantias são mais vantajosas para os particulares, uma vez que os órgãos administrativos não atendem, geralmente, a motivações de caráter político. No entanto, os órgãos da Administração Pública estão muitas vezes orientados na sua tomada de decisão por critérios de eficiência na prossecução do interesse público, e não tanto pelo respeito à legalidade e aos interesses dos cidadãos. Por este motivo surgiram as garantias contenciosas, que vamos desenvolver posteriormente.

            Dentro do âmbito das garantias administrativas vamos começar por analisar os cinco tipos de garantias petitórias, que têm por base um pedido dirigido à Administração para que considere as opiniões do particular e, posteriormente, as impugnatórias, que consistem numa impugnação a um ato administrativo já praticado.

 

4.1. Garantias petitórias

  • Direito de petição- consiste em dirigir pedidos à Administração Pública para que tome determinadas decisões ou faculte o acesso a determinadas informações. Dentro deste direito, cabe a faculdade de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que diga diretamente respeito ao particular, o que confirma que, em princípio, qualquer pessoa tem legitimidade para exercer este direito.

 

  • Direito de representação- trata-se da faculdade de pedir ao órgão que tomou uma decisão a reconsideração ou confirmação da mesma. Esta figura distingue-se da impugnação, uma vez que não consiste numa oposição clara do interessado à decisão tomada, mas apenas numa chamada de atenção para as prováveis consequências da mesma.

 

  • Direito de queixa- traduz-se na possibilidade de abertura de um processo que pode culminar na aplicação de uma sanção. Tome-se por exemplo o caso de uma queixa contra um funcionário público, que desencadeia um processo disciplinar, que culminará na aplicação de uma medida sancionatória ao funcionário, se a queixa tiver fundamento.

 

  • Direito de denúncia- permite ao particular levar ao conhecimento da autoridade a ocorrência de determinado facto sobre o qual a autoridade se deva pronunciar. Tal verifica-se, por exemplo, quando se faz a denúncia de um crime à Polícia Judiciária ou ao Ministério Público.

 

  • Oposição administrativa- atribuída aos contra-interessados em certos procedimentos administrativos, define-se como uma contestação relativamente a pedidos formulados por outrem à Administração ou relativamente a iniciativas da Administração das quais se tenha conhecimento. A lei atribui a legitimidade para exercer esta contestação.

 

4.2. Garantias impugnatórias

            Reconhecidas no art. 184º, nºs 1 e 2 do Código de Procedimento Administrativo (CPA), são aquelas garantias que permitem aos particulares atacar um ato administrativo, com vista à sua revogação, anulação administrativa, modificação ou substituição. Em caso de omissão apela-se à prática do ato ilegalmente omitido. Subdividem-se em quatro tipos (cfr. os arts. 191º a 199º do CPA) que importa analisar. A legitimidade é reconhecida aos particulares que considerem os seus direitos subjetivos ou interesses legítimos afetados pelo ato administrativo e a todos os que possam intervir procedimentalmente da defesa de direitos difusos, de acordo com o art. 186º nº 1 CPA. Ficam impedidos de reclamar aqueles que tenham aceitado o ato administrativo depois de praticado (cfr. art. 186º nº 2 CPA).

  • Reclamação- meio de impugnação do ato administrativo perante o seu ator. Esta figura justifica-se pelo facto de os atos administrativos, em geral, poderem ser revogados ou anulados pelo órgão que os praticou. Hoje em dia, a reclamação prévia não é necessária para efetivar uma impugnação contenciosa, sendo facultativa. Salvo lei especial, o prazo para apresentar uma reclamação é de 15 dias (cfr. art. 191º, nº 3 CPA), e o prazo para o órgão competente decidir sobre a reclamação é de 30 dias (cfr. art. 192º, nº2 CPA).

 

  • Recurso hierárquico- consiste tanto na impugnação de atos administrativos praticados, como na reação contra a omissão ilegal de atos administrativos, dirigida ao superior hierárquico do autor do ato. Se o órgão subalterno dispuser de competência exclusiva, apenas pode ser obrigado à prática do ato (cfr. art. 197º, nº 1 CPA). Este recurso carateriza-se por uma estrutura tripartida: o recorrente é o particular, o recorrido é o órgão subalterno- órgão a quo- e o órgão decisório é o órgão superior- órgão ad quem. Para poder haver recurso é necessário existir hierarquia e é necessário que tenha sido praticado ou omitido um ato administrativo por um subalterno que não goze de competência exclusiva.

 

  1. Podem ser classificados em recursos de legalidade, se o particular alegar como fundamento a ilegalidade do ato ou da omissão do ato, de mérito, se o motivo for de mera inconveniência, ou mistos, se o particular alegar ilegalidade e inconveniência.
  2. Podem ser, também, classificados em recursos hierárquicos necessários ou facultativos (cfr. art. 185º, nº 1 CPA). A regra geral é a da facultatividade (art. 185º, nº 2 CPA), não constituindo o recurso um passo intermédio indispensável para recorrer à via contenciosa.

O recurso tem que ser apresentado ao órgão a quo (art. 194º, nº 2 CPA) e sempre dirigido ao mais elevado superior hierárquico do mesmo (art. 194º, nº 1 CPA), salvo se a competência para a decisão se encontrar delegada ou subdelegada.

Quanto aos prazos para a interposição do recurso, nos casos em que o objeto é a impugnação de um ato, estes encontram-se estipulados legalmente nos arts. 188º, nº 1 e 2 e 198º,nº 1 CPA, sendo, em regra, o prazo de 30 dias. Importa notar que a extemporaneidade do recurso hierárquico implica automaticamente a extemporaneidade da impugnação contenciosa subsequente. Se o objeto do recurso for a contestação da omissão de um ato, o prazo conta-se da data do incumprimento do dever de decisão (cfr. art. 188, nº 3 CPA). A interposição do recurso pode ter consequências suspensivas ou não suspensivas, ocorrendo a suspensão automática do ato em causa até à reapreciação do superior hierárquico. Em regra, os recursos hierárquicos necessários têm efeito suspensivo, e os recursos hierárquicos facultativos não têm (cfr. art. 189º, nºs 1 e 2 CPA). A autoridade ad quem deve pronunciar-se em 30 dias, podendo alongar-se o prazo até aos 90 dias (cfr. art. 198º, nº 1 e 2 CPA).

Consequentemente, a autoridade pode: rejeitar o recurso por questões de forma (cfr. art. 196º CPA), negar o provimento, mantendo-se o ato que foi recorrido, ou conceder o provimento, podendo implicar a revogação, anulação, modificação ou substituição do ato recorrido.

 

 

  • Recursos hierárquicos impróprios- o ato administrativo é impugnado a um órgão da mesma pessoa coletiva daquele que praticou o ato, sobre o qual exerce poderes de supervisão. Só admissível nos casos expressamente previstos por lei (cfr. art. 199º, nº 1 CPA) e quando a lei atribua poder de supervisão sobre um órgão de uma pessoa coletiva a um mesmo órgão da pessoa coletiva, fora do âmbito de uma relação hierárquica (cfr. art. 176º, nº 1). São aplicáveis a este recurso, subsidiariamente, as disposições que regulam o recurso hierárquico (art. 176º, nº 3 CPA).

 

  • Recurso tutelar- impugnação do ato ou omissão de uma pessoa coletiva autónoma a um órgão de outra pessoa coletiva pública, que sobre ela exerça poderes de tutela ou de superintendência. Tem natureza excecional, logo só é possível quando a lei expressamente o previr (cfr. art. 199º, nº 1 CPA). Só pode ter por fundamento a inconveniência nos casos em que a lei estabeleça uma tutela de mérito (cfr. art. 199º, nº 3 CPA). É englobado no CPA nos “recursos administrativos especiais” (art. 199º, nºs 3, 4 e 5). Trata-se de um recurso tutelar, por exemplo, quando a lei sujeita a recurso para o Governo certas deliberações das câmaras municipais.

 

 

  1. Excurso: natureza do “Provedor de Justiça”

         A figura do Provedor de Justiça é entendida pelo Prof. Freitas do Amaral como uma garantia administrativa dos direitos dos particulares face à Administração Pública.

Efetivamente, a função principal do Provedor de Justiça é defender e promover os direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos dos cidadãos, e procura assegurar a justiça e a legalidade no exercício dos poderes públicos. No entanto, parece-nos incorreto classificar esta figura como uma garantia administrativa.

Órgão unipessoal, inamovível, independente do Governo, da Administração e dos Tribunais, o Provedor de Justiça não responde, civil e criminalmente, pelas recomendações ou opiniões que emita no exercício das suas funções. Além do mais, este órgão do Estado tem total autonomia para investigar, fiscalizar, denunciar irregularidades e recomendar alterações, visando a melhoria dos serviços públicos e a prossecução dos interesses dos particulares.

Esta figura está consagrada no art. 23º da CRP e detém apenas poderes persuasórios e não decisórios. No entanto, as recomendações deste órgão, que goza de imenso prestígio e independência, são, normalmente aceites pela Administração Pública, podendo o Provedor de Justiça denunciar os casos em que as suas opiniões não são tidas em conta em conferências de imprensa ou no seu relatório anual.

Pelos motivos relevados, aparenta ser mais correto não classificar este órgão como administrativo ou político, dada a natureza particular da sua atividade.

 

  1. Garantia contenciosas

            Tipo de garantias que se efetiva através dos tribunais. São as mais eficazes a assegurar a defesa dos direitos subjetivos e interesses legítimos dos particulares.

            O contencioso administrativo é, em sentido material, a totalidade de litígios que envolvam a Administração Pública e que hajam de ser solucionados pelos tribunais administrativos ao abrigo da legislação aplicável, em especial a que é constituída por normas de Direito Administrativo.

            Tradicionalmente, fazia-se referência, nas nossas leis, ao contencioso dos regulamentos, dos atos administrativos, dos contratos administrativos, da responsabilidade da Administração e dos direitos e interesses legítimos dos particulares. Atualmente, desde as reformas no contencioso de 2002-2004, o leque é mais amplo. Por consequência, existem diversas garantias dos particulares, sendo as principais:

  • Garantias quanto aos regulamentos administrativos (por exemplo: direito à declaração de ilegalidade de normas regulamentares)
  • Garantias quanto aos atos administrativos (por ex: direito á suspensão cautelar de atos administrativos aparentemente ilegais)
  • Garantias quanto aos contratos administrativos e públicos (por ex: declaração de nulidade ou de inexistência de contratos ilegais ou inexistentes)
  • Garantias quanto ao reconhecimento de direitos, qualidades ou situações (por ex: direito à condenação da Administração a cumprir obrigações de indemnização por prejuízos causados a particulares)
  • Garantias quanto às operações materiais da Administração (por ex: direito à suspensão provisória da sua prática, por meio de uma providência cautelar não especificada)
  • Garantias de caráter urgente (por ex: direito à intimação da Administração para “prestação de informações”, “consulta de processos” ou “passagem de certidões”

É hoje muito ampla também, a faculdade dos particulares de proceder à cumulação de pedidos diferentes, mas conexos, o que é um dos principais motivos para a justiça administrativa de hoje se afirmar como contencioso de plena jurisdição e não de mera anulação.

No entanto, o princípio da separação de poderes não foi posto em causa, uma vez que os Tribunais não têm competência para avaliar o mérito da ação administrativa, mas apenas a respetiva legalidade.

Uma vez que o contencioso administrativo é matéria de uma disciplina autónoma da do Direito Administrativo, ficamos só com estas notas breves relativas a algumas das garantias dos particulares de caráter contencioso.

 

  1. Conclusão

            Após esta exposição, é possível concluir que existem diversas garantias dos particulares face à Administração Pública, podendo estas ser de caráter político, administrativo ou contencioso, consoante o órgão que as efetiva.

As garantias políticas traduzem-se no direito de resistência e no direito de petição, consagrados respetivamente nos arts. 21º e 52º da CRP. Dentro do panorama das garantias administrativas opõem-se as petitórias (direito de petição, de representação, de queixa, de denúncia e oposição administrativa) às impugnatórias (reclamação, recurso hierárquico, recurso hierárquico impróprio, recurso tutelar).

Concluiu-se igualmente, de acordo com o nosso entendimento, que o Provedor de Justiça não é um órgão com função política ou administrativa, mas com uma função autónoma deste panorama.

Por fim, verificou-se sucintamente que as garantias contenciosas são as que oferecem uma mais ampla e mais forte proteção dos direitos dos particulares perante a administração, sobretudo após as reformas de 2002-2004.

           

 

Referências bibliográficas

FIGUEIREDO DIAS, José Eduardo; OLIVEIRA, Fernanda Paula, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 2ª edição, Almedina

FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, vol. 2, 3ª edição

MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui, Constituição Portuguesa Anotada

REBELO DE SOUSA, Marcelo, Lições de Direito Administrativo

PEREIRA DA SILVA, Vasco, Em busca do acto administrativo perdido

QUADROS, Fausto de et al. Comentários à Revisão do Código de Procedimento Administrativo, Almedina, 2016

 

Maria Inês Gonçalves, nº 28192

Turma B, subturma 10

OS SISTEMAS ADMINISTRATIVOS

               

 

 

Nota introdutória

                O presente post pretende identificar e analisar os principais sistemas administrativos, decorrentes da variação da estrutura da Administração Pública em função do tempo e do espaço. Iremos começar por explicar os três tipos fundamentais de sistemas administrativos: o sistema tradicional, o sistema de tipo britânico e o sistema de tipo francês, para depois confrontar os traços fundamentais dos dois sistemas modernos. Para finalizar, abordamos a evolução ocorrida no século XX aos sistemas modernos.

O sistema administrativo é definido, pelo Professor José F.F. Tavares, como o conjunto de elementos que, de uma forma ordenada e coerente, caraterizam a organização, o funcionamento e a atividade da Administração Pública num determinado tempo e espaço. Por outras palavras, preferidas pelo Professor Freitas do Amaral, é o modo jurídico de organização, funcionamento e controlo da Administração.

 A primeira distinção a fazer é entre o sistema tradicional que vigorou na Europa até aos séculos XVII e XVIII e os sistemas modernos que se implantaram posteriormente. Nos sistemas modernos identificamos o sistema de tipo britânico (administração jurídica) e o sistema de tipo francês (administração executiva).

 

 

 

Sistema de administração tradicional

              

                   Este sistema tem duas grandes caraterísticas que facilmente ajudam a reconhecê-lo:

  • A indiferenciação das funções administrativa e jurisdicional.
  • A não subordinação da Administração Pública ao princípio da legalidade.

 

                  Como consequência da indiferenciação das funções administrativa e jurisdicional, não existe separação rigorosa entre os órgãos do poder executivo e do poder judicial. O rei e as autoridades públicas podiam exercer as duas funções, por não existir separação de poderes. Quanto a não aplicação do princípio da legalidade, esse aspeto gera insuficiências no sistema de garantias jurídicas dos particulares face a Administração. Durante a monarquia, época em que o sistema tradicional vigorou, não existia uma subordinação da Administração à Lei, por isso, não existiam normas jurídicas com caráter obrigatório e externo que regulassem a sua atividade que fossem efetivamente respeitadas em todas as situações. Podiam existir certas normas jurídicas que vinculavam a Administração mas, tento um caráter de regras avulsas, eram facilmente afastadas por razões de conveniência administrativa, utilidade politica ou por simples vontade do Rei. Existiam diretivas e instruções internas, que não vinculavam o poder soberano mas simplesmente se aplicavam aos funcionários subalternos perante superiores hierárquicos. As normas não conferiam direitos aos particulares face à Administração, tal significa que os particulares não se podiam queixar da violação dos seus direitos por parte da Administração Pública. Até às revoluções liberais (inglesa-1688 e francesa-1789) vigorou o sistema tradicional, em que não existia separação de poderes nem Estado de Direito.

 

 

Sistemas modernos

                O professor Vasco Pereira da Silva apresenta três caraterísticas essenciais para distinguir os sistemas: i) A existência ou não de um ramo de Direito Administrativo; ii) Administração goza de poderes de autotutela ou é submetida a um sistema de heterotutela; iii) Existência ou não de tribunais especializados. O tipo de organização da Administração tem de ser considerada como uma caraterística secundária porque hoje a dicotomia, centralizado/ concentrado e descentralizado/ desconcentrado, já não existe. Para além da simples função de caraterizar os sistemas, as caraterísticas essências apresentadas pelo Professor servem para mostrar a evolução e a respetiva atenuação das diferenças. 

 Para uma melhor perceção dos aspetos mais relevantes dos sistemas modernos apresentamos, para ambos, 7 caraterísticas.

 

Sistema administrativo de tipo britânico

                Este sistema é também conhecido como sistema de administração judiciária dado o papel preponderante exercido pelos tribunais, que assunta na igualdade de todos perante a lei e na sujeição da Administração Pública ao direito comum, definido e aplicado pelos tribunais comuns.

 

Caraterísticas:

 

  1. Separação de poderes

O rei foi impedido de resolver questões de natureza contenciosa.

  1. Estado de Direito

O poder soberano ficou subordinado ao Direito, com especial preferência do Direito consuetudinário que resulta de costumes sancionados pelos tribunais (common law). O Direito comum seria aplicável a todos os ingleses, o que decorre da consagração do império do Direito ( rule of law).

  1. Descentralização

É fortemente descentralizado, ocorre a distinção entre administração central e administração local. As autarquias locais gozam de uma ampla autonomia face à administração central, por serem encaradas como entidades independentes e não simples instrumentos do governo central. Contrariamente ao que aconteceu em França (prefeitos) e em Portugal (governadores civis), na Inglaterra nunca existiu delegados gerais do poder central nas circunscrições locais.

 

  1. Sujeição da Administração aos tribunais comuns

 A Administração Pública encontra-se submetida ao controlo jurisdicional dos tribunais comuns (courts of law) por não existir jurisdição especializada, consequência da não existência de um ramo de Direito especializado. Nenhuma autoridade pode invocar privilégios por só existir um sistema de direitos para todos. São aplicados os mesmos meios processuais às relações entre particulares e Administração ou só entre particulares, por outras palavras, os tribunais comuns não são levados a procurar soluções jurídicas diferentes das da vida privada.

 

  1. Subordinação da Administração ao Direito comum

Como consequência do império de Direito todos os órgãos e agentes da Administração Pública estão submetidos ao Direito comum, sendo que, por regra, não dispõem de privilégios, a não ser alguns poderes de decisão unilateral que lhes são conferidos por lei. A administração encontra-se subordinada ao Direito privado, mas apesar de não existir um ramo e tribunais especializados, existe procedimento administrativo. 

  1. Execução judicial das decisões administrativas

Os poucos poderes exorbitantes da Administração são encarados como exceção a common law. A Administração não pode executar os seus próprios atos, tem de recorrer a um juiz que reconheça autoridade à sua decisão. Quer dizer que se um órgão da Administração tomar uma decisão desfavorável a um particular e se esse não a executar voluntariamente, esse órgão não pode usar meios coativos para impor o respeito da sua decisão. As decisões unilaterais da Administração não têm força executória própria, não podendo serem impostas pela coação sem prévia intervenção do poder judicial.

  1. Garantias jurídicas dos particulares

Os cidadãos dispõem de um sistema de garantias contra as ilegalidades e abusos da Administração Pública. Se as leis conferem poderes de autoridade pública aos órgãos administrativos, estes são ainda considerados como tribunais inferiores, se excederem os seus poderes, o particular pode recorrer a um tribunal superior. Os tribunais comuns gozam de plena jurisdição face à AP, o que a coloca na mesma posição que um particular ou empresa pública.  Como consequência da sujeição da Administração a common law, a administração e os funcionários são responsáveis pelas suas ações.

 

 

 

Sistema administrativo de tipo francês

                Este sistema é também conhecido por sistema de administração executiva, por causa da autonomia reconhecida ao poder executivo relativamente aos tribunais. O mesmo pressupõe uma desigualdade que beneficia a Administração e que cria a favor dela um direito especial, definido e aplicado por tribunais especiais.

 

Caraterísticas:

 

  1. Separação de poderes

A administração ficou separada da justiça, por conseguinte, o poder executivo diferencia-se do poder judicial.

 

  1. Estado de Direito

Torna-se possível invocar os direitos subjectivos públicos dos particulares contra a administração pública.

 

  1. Centralização

Este sistema é caraterizado como sendo muito centralizado, todos os serviços e órgãos não são responsabilizados pelo que fazem, visto que o Estado responde pelos seus agentes e funcionários na prática do ato administrativo. Com a chegada de uma nova classe social ao poder foi necessário alterar o funcionamento da Administração, para ser possível impor novas ideias, reformas que nasceram durante a Revolução. Os funcionários da administração central são organizados segundo o princípio da hierarquia. As autarquias locais, apesar de dotadas de personalidade jurídica própria, não passam de instrumentos administrativos do poder central.

 

  1. Sujeição da Administração aos tribunais administrativos

Os tribunais comuns eram controlados pela nobreza, que tenta impedir a aplicação do novo regime e das novas ideias. O poder político teve de tomar medidas para impedir intromissões do poder judicial no normal funcionamento do poder executivo. Ocorre a separação de poderes, justificada pelo facto de se o poder executivo não poder intrometer-se nos assuntos da competência dos tribunais, o poder judicial também não poderia interferir no funcionamento Administração Pública. São criados tribunais administrativos, que não eram verdadeiros tribunais, mas órgãos da administração pública independentes e imparciais. Tinham como funções a fiscalização da legalidade dos atos da Administração e julgar o contencioso dos seus contratos e da sua responsabilidade civil.

 

  1. Subordinação da Administração ao Direito Administrativo

Pelo facto de a administração exercer funções de interesse público e de utilidade geral deve dispor de poderes de autoridade (ou poderes exorbitantes), que lhe permite impor as suas decisões aos particulares, por não estar na mesma posição que eles. Os poderes exorbitantes permitem que a administração consiga sobrepor as necessidades e interesses coletivos aos interesses particulares. A sujeição ao interesse público também submete a Administração Pública a deveres e restrições impostos pelo Direito Administrativo, que cria uma jurisdição especializada de tribunais próprios para executar esse Direito. Os tribunais administrativos só têm poder de anulação, não podem definir efeitos ou condenar, só podem anular – Contencioso de anulação- por esse motivo a garantia dos direitos do particular é mais fraca.

 

  1. O privilégio da execução prévia

O direito administrativo confere a Administração um conjunto de poderes exorbitantes sobre os particulares, diferente dos poderes normais reconhecidos pelo direito civil aos particulares. Um exemplo de poder exorbitante do sistema francês é o privilégio de execução prévia, que permite a Administração Pública executar as suas decisões por autoridade própria, sem recorrer a um tribunal. Quando um particular não executa voluntariamente uma decisão de um órgão administrativo, o órgão pode recorrer a meios coativos para impor o respeito da sua decisão. As decisões unilaterais da Administração Pública têm força executória própria que possibilita a imposição pela coação aos particulares, sem necessidade de qualquer intervenção prévia do poder judicial.

 

  1. Garantias jurídicas dos particulares

O Estado de direito oferece aos particulares um conjunto de garantias jurídicas contra os abusos e ilegalidades da Administração Pública. As garantias são efetivadas através dos tribunais administrativos, mas os tribunais administrativos não gozam de plena jurisdição face a Administração Pública, visto que o tribunal só pode anular o ato praticado se for ilegal, não podendo declarar consequências dessa anulação, nem proibi-la de proceder de certa maneira ou condená-la a tomar certa decisão. Justifica-se pelo facto dos tribunais serem independentes perante a administração, o que possibilita que ela também o seja. As garantias presentes neste sistema de administração são menores que no sistema britânico.

 

 

 

Evolução

                A evolução ocorrida no século XX veio determinar uma aproximação dos dois sistemas. A aproximação pode ser identificada através de vários aspetos:

 

  1. Organização administrativa

No caso britânico ocorreu uma centralização que desencadeou o crescimento da burocracia central, a criação de vários serviços locais do Estado e a transferências de funções antes desenvolvidas a nível municipal para o nível regional. A Administração francesa foi perdendo o caráter tão centralizado que possuía, transferindo importantes funções do Estado para as regiões, com uma diminuição dos poderes dos prefeitos.

 

  1. Controlo jurisdicional da administração

Na Inglaterra surgiram os administrative tribunals (órgãos administrativos), mas a Administração continua sujeita ao controlo dos tribunais comuns. Em França aumentaram as relações entres particulares e o Estado, estando as mesmas submetidas à fiscalização dos tribunais judiciais. O controlo da aplicação do Direito Administrativo continua a pertencer aos tribunais administrativos, apesar do aumento do número de casos em que Administração atua sob a proteção do direito privado, e não a luz do Direito Público. Os tribunais têm modelos diferentes, em França existe jurisdição separada sendo os tribunais administrativos autónomos, enquanto que em Inglaterra não existe ordem autónoma, é um tribunal de primeira instância especializado com recurso para os tribunais normais.

 

  1. Execução das decisões administrativas

Na Inglaterra os administrative tribunals tomam as suas decisões após um procedimento administrativo As decisões são imediatamente obrigatórias para os particulares, não necessitam de confirmação judicial prévia para poderem ser impostas coativamente no caso do particular não aceita cumprir (adquiriram poderes limitados de autoridade). O professor Vasco Pereira da Silva defende que as decisões só têm execução judicial em poucos casos, pois na grande maioria os particulares executam voluntariamente as decisões, não havendo recusa por parte do particular não é necessário execução coativa. O direito Administrativo francês concede aos particulares a possibilidade de obter dos tribunais administrativos a suspensão da eficácia das decisões unilaterais da Administração Pública. Tal significa que as decisões só são executadas se um particular não se opuser a isso, através do recurso a um tribunal administrativo

 

  1. As garantias jurídicas dos particulares

No sistema britânico os tribunais não podem, por regra, substituir-se à Administração Pública no exercício dos poderes discricionários atribuídos e limitados por lei. No caso francês os tribunais administrativos ganham cada vez mais poderes face a Administração, já não têm só a faculdade de anular atos ilegais, o sistema francês passou a poder obrigar a Administração a praticar certos atos (condenação do ato devido), sob pena de ilicitude.

 

 

 

Bibliografia

 

 

- freitas do amaral, diogo  – Curso de Direito Administrativo, volume I, 4ªed., Coimbra, Almedina, 2015.

- tavares, josé – Administração Pública e Direito Administrativo, 3ªed., Coimbra, Almedina, 2007.

 

 

Jessica Vitória Melo Gonçalves, nº28534

2ºAno, 10B

Reconhecimento e Proteção dos Direitos e Interesses Legalmente Protegidos dos Cidadãos

  1. Introdução

Neste post, iremos abordar a temática do reconhecimento e proteção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares em relação à Administração Pública (AP). Para tal, iremos começar por fazer uma breve análise histórica, procurando discernir a partir de que época começaram os particulares a poder opor à AP as suas posições jurídicas subjetivas. De seguida, iremos analisar um dos princípios do Direito Administrativo, o princípio da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, socorrendo-nos, para o efeito, de várias disposições da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do Código de Procedimento Administrativo (CPA). Para terminar, analisaremos a forma como se procede à efetivação desse princípio, particularmente através dos estudos das garantias.

  1. Proteção e reconhecimento dos direitos e interesses subjetivos dos particulares: uma análise histórica

            Para efeitos desta exposição, centraremos a nossa análise histórica no período que vai desde o Estado Moderno aos dias de hoje, uma vez que apenas no Estado Moderno podemos falar no conceito de AP. No entanto, cumpre fazer referência a alguns acontecimentos anteriores a este período que marcaram pontos importantes no reconhecimento dos direitos e interesses subjetivos dos particulares em relação à função administrativa.

            Primeiro, no Império Romano, a possibilidade de recurso de uma decisão do pretor, introduzida com Diocleciano. Este recurso podia ser fundamentado na má aplicação da lei. Apesar da introdução deste recurso, este não consistia no exercício de um direito individual sendo que apenas se solicitava, nas palavras de FREITAS DO AMARAL, “uma graça do poder”. Em segundo lugar, a Magna Carta de 1215. Este documento, assinado por João de Inglaterra, traduziu-se numa importante garantia dos direitos dos cidadãos contra o poder exercido por esse monarca. Na atualidade, a Magna Carta mantém a sua relevância uma vez que continua a ser parte da Constituição, no sentido material, britânica.

            Findo este excurso, iniciaremos a nossa análise do Estado Moderno. Este período pode ser divido em dois subperíodos, o Estado corporativo e o Estado absoluto.

            Começando pelo Estado corporativo, século XV a início do século XVII, as suas principais caraterísticas são a organização da sociedade em três ordens ou estados (clero, povo e nobreza), a representação dessas três ordens em Cortes, podendo-se falar numa dualidade política entre o Rei e as Cortes. Para além destas caraterísticas, proliferavam as instituições de caráter corporativo, sendo que os direitos mais importantes eram muitas vezes concedidos a essas instituições e não aos indivíduos. Também assistimos a um fortalecimento do poder real, acompanhado por uma estagnação do número de garantias individuais.

            Em relação ao Estado absoluto, cujo período começa em meados do século XVII e se estende até aos finais do século XVIII, podemos apontar como caraterística mais relevante a centralização completa do poder na figura do rei, sendo a vontade deste a lei suprema do Estado. Neste período, o monarca não convoca as Cortes. Assume-se a razão de Estado como elemento justificativo da atuação abusiva da AP, sendo que este período corresponde, também, à extensão máxima do poder discricionário exercido pela AP. Deste quadro-geral, facilmente deduzimos que as garantias dos indivíduos face ao Estado sofreram um grande recuo. E, de facto, assim foi. Em Portugal, a proteção conferida aos indivíduos, nos termos das Ordenações, pelos tribunais comuns assumia-se como incómodo. De tal modo que um alvará datado de 1751 veio retirar aos tribunais comuns a competência para conhecer os atos da AP central, confiando essa missão aos “tribunais régios”.

            Depois do período do Estado Moderno, surge o Estado Liberal, que engloba o período desde o final do século XVIII ao início do século XX. Dentro deste período, é de menção incontornável, no que toca às garantias dos direitos dos particulares face à AP, a Revolução Francesa de 1789. É com esta revolução que os cidadãos, passam a ser titulares de direitos subjetivos públicos invocáveis perante o Estado. Também é graças a esta revolução que nasce o princípio da separação de poderes e o princípio da legalidade. Surge aqui o Direito Administrativo moderno, como forma de reação dos particulares contra atuações da AP que violem a lei ou contra atos praticados pela AP sem lei que lhe atribua competência para praticar esse ato. O constitucionalismo é, nas palavras de FREITAS DO AMARAL, “o primeiro sistema geral e satisfatório de controlo sobre a ação administrativa, em favor dos particulares”. Estando o Estado Liberal submetido à lei, podemos considerá-lo um Estado de Direito.

            No início do século XX, e até aos anos 80, podemos falar num Estado de Direito Social. Este distingue-se do Estado Liberal por procurar ser um Estado-providência, ou seja, por assegurar aos seus cidadãos condições mínimas de existência, para além de muitos outros serviços públicos como saúde e educação. Por este motivo, o Estado de Direito Social é considerado um Estado intervencionista. As garantias dos particulares são aumentadas, sendo garantida a tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. O número de direitos oponíveis ao Estado aumenta, em Portugal, devido ao vasto catálogo de direitos, liberdades e garantias constantes da CRP.

            É ainda possível falar num Estado de Direito Pós-Social, a partir dos anos 80, caraterizando-se este pela impossibilidade de o Estado providenciar tudo aquilo de que se encarregou. Por este motivo, estabelece parcerias com particulares. Estes ficam investidos de poderes públicos de autoridade. As tarefas prosseguidas por estes não deixam de ser tarefas do Estado, este apenas as delega a particulares que fiscaliza através de entidades reguladoras. Em termos de garantias dos particulares, não podemos falar de uma alteração do paradigma que já se encontrava presente no período do Estado de Direito Social.

  1. Princípio da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos

            O princípio da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos é um princípio que tem sede constitucional, no artigo 266º/1 CRP. Estabelece este preceito que “A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.”. Este princípio também se encontra consagrado no atual CPA, no seu artigo 4º.

            Será que este respeito se traduz na impossibilidade de a AP violar direitos e interesses dos particulares? Parece-nos óbvio que não, uma vez que, como afirmam REBELO DE SOUSA e SALGADO MATOS, a “agressão da esfera dos particulares é conatural à atividade administrativa.”. Assim sendo, qual o alcance deste princípio? Não impedindo a afetação de posições jurídicas particulares, este princípio postula um dever de respeito, por parte da AP, em relação aos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Esse dever de respeito proíbe a AP de violar os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares fora dos parâmetros de juridicidade da atuação administrativa. Por outras palavras, a AP não poderia prejudicar direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares fora do âmbito da sua competência de atuação, definida por lei. O princípio da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos é, portanto, um subprincípio do princípio da legalidade (consagrado nos artigos 266º/2 CRP e 3º/1 CPA).

            Também ligados a este princípio da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos estão os princípios da imparcialidade e da proporcionalidade. Em relação ao princípio da imparcialidade, este impõe que, de acordo com o artigo 9º CPA, “A Administração Pública deve tratar de forma imparcial aqueles que com ela entrem em relação, designadamente, considerado com objetividade todos e apenas os interesses relevantes no contexto decisório e adotando as soluções organizatórias e procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança nessa isenção.”. Este princípio também se encontra previsto no artigo 266º/2 CRP.

            Em relação ao princípio da proporcionalidade, consagrado nos artigos 262º/2 CRP e 7º CPA, este estabelece que a AP deve prosseguir os seus fins utilizando os meios adequados para o efeito. No que diz respeito à relação deste princípio com as garantias dos particulares este postula, de acordo com o artigo 7º/2 CPA que “As decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições na medida do necessário e em termos proporcionais ao objetivo a realizar.”.

            De tudo o que foi exposto decorre que a proteção dos direitos e interesses dos cidadãos é garantida pela legalidade da AP, bem como pela imparcialidade e proporcionalidade dessa ação. Por outras palavras, a AP apenas pode praticar os atos expressamente previsto na lei. Mesmo no exercício destes atos previstos na lei, deve ser imparcial nas decisões e deve adotar os comportamentos adequados ao fim que prossegue. Apenas cumprindo estes requisitos, pode a AP proceder à afetação administrativa das posições jurídicas dos particulares.

  1. Efetivação da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos

            Analisada a origem histórica e os princípios que regem a proteção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, importa saber através de que meios é efetivada essa proteção.

            Começando pelas garantias, talvez a forma mais relevante de proteção dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, estas foram definidas por MARCELLO CAETANO como “todos os meios criados pela ordem jurídica com a finalidade imediata de prevenir ou remediar quer as violações de direito objetivo (garantias de legalidade), quer a ofensa dos direitos subjetivos ou interesses legítimos dos particulares (garantias dos particulares)”. Existem, portanto, dois tipos de garantias em relação ao objeto que visam garantir. Se o objeto for a própria lei, estamos perante uma garantia de legalidade. Se o objeto for a ofensa de um direito subjetivo ou interesse legítimos dos particulares, encontramo-nos perante uma garantia dos particulares.

            Utilizando um critério orgânico, podemos classificar as garantias como garantias políticas, garantias administrativas e garantias jurisdicionais.

            Relativamente às primeiras, podemos identificar o direito de resistência e o direito de petição, sendo que ambas estas garantias têm um conteúdo político e, no caso do direito de petição, este é realizado perante a Assembleia da República.

            No que diz respeito às garantias administrativas, estas são desenvolvidas perante a AP. Podemos subdividi-las em garantias administrativas petitórias e garantias administrativas impugnatórias. Nas primeiras, a base é um pedido e não pressupõem um ato ou omissão prévia por parte da AP. Já as garantias administrativas impugnatórias pressupõem um ato administrativo prévio, que esta pretende atacar, utilizando fundamentos válidos, tendo em vista a sua revogação, anulação, modificação ou substituição (cfr. artigo 184º/1 a) CPA).

            As garantias jurisdicionais, também ditas garantias do contencioso administrativo, têm como caraterística o recurso aos tribunais para fazer valer um direito ou interesse particular. Fundam-se estas garantias no princípio da tutela jurisdicional efetiva, constante dos artigos 20º/1 e 268º/4 CRP, e são as mais eficazes na proteção dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos.

            A propósito deste tema, compete referir também o papel do Provedor de Justiça. Este é um órgão constitucional independente (cfr. 23º/3 CRP) ao qual os cidadãos podem “apresentar queixas por ações ou omissões dos poderes públicos”, sendo que este as apreciará, sem qualquer poder de decisão, dirigindo ao órgão competente recomendações com vista à prevenção e reparação de injustiças (cfr. 23º/1 CRP). Escolhemos autonomizar estra figura em relação às garantias políticas, uma vez que o Provedor de Justiça não exerce um papel político. Também o distinguimos das garantias administrativas, apesar de a AP dever cooperar com este, de acordo com o artigo 23º/4 CRP, uma vez que também não exerce funções administrativas. Sendo a atividade do Provedor de Justiça uma atividade “independente dos meios graciosos e contenciosos previstos na lei” (cfr. 23º/2 CRP), no nosso pensamento, faz sentido, então, autonomizar a garantia concedida por este órgão em relação às outras garantias.

  1. Conclusão

            Concluímos então que os particulares beneficiam de alguma garantia dos seus direitos desde a época do Direito Romano. No entanto, com a Revolução Francesa e o constitucionalismo, essas garantias passam a constar das Constituições que vão efetivamente limitar o poder estatal e garantir aos particulares a certeza nos seus direitos. Atualmente, em Portugal, a Constituição da República Portuguesa prevê um amplo catálogo de direitos, liberdades e garantias, para além de um princípio de tutela jurisdicional efetiva que garante a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

            Relativamente ao Direito Administrativo, verificamos a existência de um subprincípio do princípio da legalidade, o princípio da proteção do direitos e interesses dos cidadãos. Segundo este princípio, a AP não deve lesar os particulares com desrespeito dos parâmetros de juridicidade da atuação administrativa. Este princípio liga-se, também, com os princípios da imparcialidade e da proporcionalidade.

            Finalmente, investigámos a forma de efetivar esse princípio da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, chegando à conclusão de que esta pode ser feita através de garantias. As garantias podem-se subdividir, em relação ao objeto, em garantias de legalidade e em garantias dos particulares. Em relação às garantias dos particulares, e adotando um critério orgânico, podemos distinguir quatro tipos, as garantias políticas, as garantias administrativas, as garantias jurisdicionais e o Provedor de Justiça.

 

Por Francisco Azevedo (nº28198)

Europeízação do Direito Administrativo

O Direito da União Europeia é um ramo de Direito jovem, remontando as suas origens aos anos 50. Teve, portanto, ao tempo da sua conceção e progressiva elaboração dogmática, toda uma cultura jurídica como influência. Aliás, várias culturas jurídicas. Podemos, de facto, afirmar que o Direito Europeu (inicialmente denominado Direito Comunitário, expressão que hoje deve ser descartada) é o produto de uma profusa miscigenação de ordenamentos jurídicos. Uma das suas mais marcadas influências foi o Direito Internacional Público, a Ordem Jurídica da Comunidade Internacional, pela adoção dos tratados como fonte de Direito (na verdade, são a principal fonte jurídica da União, sendo somente suplantada pelo jus cogens). Para além do DIP, dois ramos de Direito contribuíram também para a construção do Direito da União: o Direito da Economia e o Direito Administrativo.

Será deste último, ao qual o Professor Fausto de Quadros reconhece a mais intensa contribuição à construção dogmática e científica do Direito da União, que nos ocuparemos a partir deste ponto. Otto Bachof afirmou que seria correto identificar o Direito Europeu como, essencialmente, um Direito Administrativo da Economia, ao que o Professor Fausto de Quadros acrescenta que, então, a Comunidade Europeia poderia ser identificada como uma Comunidade de Direito Administrativo. Prende-se isto com diversos fatores, nomeadamente históricos, que referiremos e tentaremos esclarecer. Por sua vez, o Professor Vasco Pereira da Silva vê o Direito Administrativo como Direito Europeu concretizado.

Trata-se,como refere o Professor Vasco Pereira da Silva, da dupla vertente da europeízação do Direito Administrativo: a da criação de um Direito Administrativo a nível europeu, e a da convergência dos sistemas de Direito Administrativo dos Estados-membros da União. Avança, a este propósito, que, a uma dependência administrativa do Direito Europeu, soma-se uma dependência europeia do Direito Administrativo. Veremos com mais pormenor como se coaduna esta relação de influência recíproca entre Direito Europeu e Ordens Jurídicas estaduais.

 

Influência dos Direitos estaduais na construção do Direito Europeu:

Segundo o Professor Fausto de Quadros, o Direito Administrativo influencia os tratados comunitários, tendo vindo a marcar predominantemente a tipologia dos atos de Direito derivado, a organização e funcionamento da Comissão como órgão executivo, a aplicação do Direito da União Europeia pela própria União e pelos Estados-membros, o regime da responsabilidade extracontratual da União Europeia, bem como o Contencioso da União.

A doutrina é pacífica ao reconhecer a importante contribuição da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia para esta influência do Direito Administrativo no Direito Europeu e, consequentemente, para a coerência interna do Direito da União. Terá sido o Tribunal de Justiça a fazer aplicação dos princípios gerais de Direito Administrativo dos Estados-membros, e em especial dos sistemas jurídico-administrativos francês (inspirado na jurisprudência do Conselho de Estado, o supremo tribunal de justiça administrativo francês) e alemão. É por este motivo que a doutrina se refere por vezes à criação do Direito Europeu como uma criação de natureza pretoriana. Um fenómeno curioso e que tem sido objeto de estudo de doutrina recente é a relação de recíproca influência que daqui advém: após haver esta apropriação por parte da União de princípios gerais dos Direitos Administrativos estaduais, estes princípios e, portanto, o próprio Direito Administrativo é reelaborado e densificado a nível comunitário, sendo posteriormente devolvido aos sistemas jurídicos estaduais e aos tribunais nacionais, contribuindo deste modo para aquilo a que os Autores chamam de “reconstrução” ou “reelaboração” dos Direitos Administrativos nacionais (o Professor Vasco Pereira da Silva faz alusão à imagem do filho que combina as melhores qualidades de ambos os pais - no fundo, superando-os). Por via desta conformação (“harmonização”) dos sistemas jurídico-administrativos estaduais com o Direito da União, dá-se simultaneamente uma convergência entre as diversas Ordens Jurídicas dos Estados-membros.

Este fenómeno constante de elaboração jurídica pretoriana tem permitido uma densificação e aprimoramento do procedimento administrativo da União.

Aplicação do Direito Europeu a nível estadual:

As relações de influência recíproca a nível administrativo, entre a União Europeia e os Estados-membros, observa-se ainda com clareza nas realidades estaduais, em que a aplicação do Direito Europeu se dá em larga medida por via administrativa. A este respeito, importa referir que, muito embora a vigência do princípio da subsidiariedade e do princípio pelo respeito da identidade (nomeadamente, jurídica) nacional dos Estados, o princípio da uniformidade (ou da coerência global) da Ordem Jurídica da União (conjugado por – e em função de – outros princípios europeus, como os da lealdade comunitária e da cooperação leal [artigo 4º/3 do Tratado da UE], da integração e da não-discriminação) significa a obrigatoriedade de conformação dos Direitos estaduais com o Direito Europeu, que assim reclama o seu primado sobre as OJ estaduais, o que tem tido maior expressão no ramo de Direito Administrativo, em particular nos domínios do ato administrativo, dos contratos públicos, dos serviços públicos, das empresas públicas, da responsabilidade extracontratual da Administração, do procedimento administrativo e do contencioso administrativo.

Referimos atrás o princípio da subsidiariedade, que agora achamos oportuno aprofundar: dita este princípio, consagrado no artigo 5º/3 do Tratado da UE, que, das atribuições que tanto possam ser exercidas pela UE, como pelos Estados-membros, aquela se limite a exercer as que estes não estejam aptos a concretizar. Por influência do Direito Comunitário, o princípio da subsidiariedade (administrativa) é também transposta para a repartição vertical de poderes entre Estado e entidades infraestaduais beneficiárias de mera descentralização administrativa (mais precisamente, Autarquias Locais), atendendo também ao princípio da descentralização, de modo a permitir a participação na integração das comunidades regionais e locais: esta dimensão interna do princípio da subsidiariedade é prevista pela Carta Europeia da Autonomia Local do Conselho da Europa e pelos artigos 6º/1 e 7º/6 da CRP. No entanto, quando uma norma nacional e uma norma comunitária colidam, prevalece a norma comunitária, por via do primado do Direito da União Europeia (artigo 8º da CRP). É este primado fundamentado pelos princípios acima mencionados, e pela ideia de que cada Estado, ao integrar a UE, aceita e adota a sua Ordem Jurídica, que tem a pretensão de ser um Direito Comum aos Estados-membros da União. O artigo 288º do TFUE (Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) estabelece que os Estados-membros ficam adstritos a adotar os atos jurídicos da UE, à exceção de recomendações e pareceres, que não são vinculativos. O mesmo artigo especifica que os regulamentos e as decisões (atos de Direito derivado) são vinculativos e dotados de aplicabilidade direta, enquanto as diretivas vinculam quanto ao objetivo a alcançar, deixando às entidades estaduais a competência quanto à forma e aos meios: esta função é em larga medida exercida pelas Administrações Públicas estaduais. Para além do mais, também o Direito da UE diretamente aplicável terá invariavelmente de ser complementado por medidas de execução, da parte dos Estados-membros: mais uma expressão da colaboração dos Estados-membros, e que vem prevista no artigo 291º do TFUE, bem como na cláusula de empenhamento do artigo 7º/5 da CRP. Por tudo o que vem sendo escrito, afirma o Professor Fausto de Quadros que os Estados formam a “Administração indireta” (instrumental) da União e do seu Direito, visto ser através dos Estados-membros e respetivas instituições que o Direito da UE tem aplicabilidade; as entidades administrativas, por sua vez, são entidades administrativas comunitárias.

Para além de haver autoridades comunitárias que controlam a aplicação dos fundos comunitários, e de também as Administrações Públicas exercerem controlo externo (em Portugal, o Tribunal Geral de Contas fiscaliza a aplicação dos recursos financeiros provenientes da União, constituindo, portanto, um órgão jurisdicional nacional com expressão funcional europeia, como afirma o Professor Afonso d’Oliveira Martins) – como dizíamos, para além deste controlo explícito, há ainda vias informais de europeízação dos Direitos nacionais a que o mesmo Professor chama de “influências silenciosas”, de que foi exemplo a pressão europeia para a desideologização do Direito Público no pós-revolução de Abril.

 

Influência do Direito Europeu nos Direitos Estaduais:

Tal como os Direitos estaduais constituíram uma fonte de Direito em sentido histórico, para a União Europeia, o Direito da União Europeia é fonte de Direito (em sentido técnico-jurídico) para os Estados-membros. O legislador nacional executa o Direito da UE, criando Direito; a Administração Pública aplica o Direito da União Europeia, por via administrativa, incluindo-o no bloco de legalidade que limita a Administração (princípio da legalidade).

Tem havido esforços no sentido de harmonizar os métodos de gestão administrativa e procedimentos administrativos dos Estados, através de diretivas de coordenação de procedimentos administrativos em domínios como o dos contratos públicos, do ambiente, e da liberdade de circulação de pessoas. Criou-se o ato administrativo comunitário, alterou-se o regime de revogação do ato administrativo, alargou-se a categoria do ato administrativo contenciosamente sindicável. Procedeu-se ainda à alteração do sistema de garantias vigente nos Estados-membros em matéria de Direito Administrativo, consagrando no Direito interno garantias que asseguram a efetividade do Direito da UE e dos direitos que ele confere aos cidadãos (nomeadamente, através da possibilidade de os tribunais estaduais adotarem providências cautelares, para impedirem o desrespeito pelas normas comunitárias que atribuam direitos aos particulares não previstos nas Ordens Jurídicas internas), e ainda através da responsabilidade extracontratual do Estado pela violação do Direito Europeu. Os Estados-membros estão ainda obrigados à revogação dos atos administrativos nacionais contrários ao Direito da União.

Os Estados-membros têm, portanto, de conformar os seus Direitos com o Direito Europeu, pela via negativa de não contrariar o Direito da União, e pela via positiva da obrigatoriedade de transpor as diretivas, bem como pelo fenómeno da aproximação das legislações.

 

Contexto histórico:

Como inicialmente referimos, à europeízação dos Direitos internos e, nomeadamente, do Direito Administrativo, pode-se apontar motivos históricos. Como menciona o Professor Afonso d’Oliveira Martins, ao objetivo primeiro da integração económica, pela Comunidade Económica, seguiu-se, pelo advento do Estado Social de Direito, um alargamento dos objetivos comuns, e, nomeadamente, a vontade por parte dos Estados europeus que foram integrando a depois chamada União Europeia de alargar o âmbito da UE à dimensão política (e administrativa) e, como não poderia deixar de ser, à jurídica, para regular esta integração e os meios para atingir os fins propostos pela Comunidade. As preocupações da União Europeia começaram a incidir sobre domínios das Administrações Públicas nacionais (ambiente, educação, cooperação para o desenvolvimento,... - em suma, o interesse coletivo). O Professor Sabino Cassese indica que inicialmente a Comunidade Europeia não tinha a pretensão de interferir nas Administrações estaduais, mas que, com o alargamento das tarefas da União e necessidade de eficácia na sua execução, as Administrações estaduais foram sendo transformadas em Administrações europeias. Foi através deste processo que a Administração, inicialmente altamente dependente do Estado e até confundível consigo, foi perdendo essa exclusividade, por via de fenómenos de coadministração e de soberania condividida.

Para além do mais, ainda antes da adesão de Portugal à União Europeia, já Marcello Caetano observava que havia uma tendência para a harmonização das Ordens Jurídicas dos Estados europeus, com um progressivo esbatimento das diferenças entre os sistemas jurídicos (e, em especial, jurídico-administrativos) dos Estados europeus. João Caupers, mais recentemente, confirma esse esbatimento, nomeadamente entre os sistemas de Administração executiva e judiciária. Adota também esta posição o Professor Vasco Pereira da Silva, ao fazer notar a progressiva aproximação dos modelos de Direito Administrativo, respetivamente, francês e britânico. Afirma o Professor Vasco Pereira da Silva que esta aproximação entre os ordenamento jurídicos nacionais se dá a nível substantivo, procedimental e processual.

 

Bibliografia Consultada:

  • CAUPERS, João, Direito Administrativo I - Guia de Estudo, 4ª ed., Lisboa, Editorial Notícias, Lisboa, 1999.
  • D'OLIVEIRA MARTINS, Afonso, A Europeização do Direito Administrativo Português, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. II, 2001, pp. 999 ss.
  • FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 2ª ed., Coimbra, Almedina, 1994.
  • PEREIRA DA SILVA, Vasco, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Coimbra, Almedina, 2005.
  • QUADROS, Fausto de, A Nova Dimensão do Direito Administrativo – o Direito Administrativo português na perspetiva comunitária, Coimbra, Almedina, 2001.
  • QUADROS, Fausto de , Direito da União Europeia: Direito Constitucional e Administrativo da União Europeia,3ª ed., Coimbra, Almedina, 2013.
  • OTERO, Paulo, A Administração Pública nacional como Administração Comunitária, in Estudos em Homenagem a Isabel de Magalhães de Collaço, Coimbra, vol. I, pp. 817 ss.

 

Beatriz de Macedo Vitorino

Aluna nr. 28191

Princípio da ilegalidade

1) Será que a administração pública só pode exercer atos que estejam expressos na lei ou pode exercê los, ainda que não estejam estipulados em norma alguma, porém também não sejam controvérsos? 2) Porque tribunais e Direito é controlada a administração pública? 3) Que tipos de normas administrativas existem? No seguimentos das perguntas acima mencionadas e debruçando me sobre a resposta à primeira questão, a administração pública encontra-se submetidas ao Direito pelo que o controle da aplicação deste é realizado pelos tribunais. Desta situação resulta o princípio da legalidade democrática que se encontra patente no artigo 226° CRP. Este princípio, por sua vez, resultou da revolução francesa que, consequentemente, instituiu dois colorários: o princípio da separação e de poderes e a lei como expressão da vontade geral. Relativamente ao princípio da separação de poderes, são parte integrante do mesmo o poder legislativo, executivo e judicial, pelo que os dois primeiros se traduzem em interdependentes e o último totalmente independente com o objetivo de evitar a concentração de poderes.

2) Como já todos teremos conhecimento, existem dois sistemas administrativos, pelo que os tribunais, bem como o controle da aplicação do Direito exercida em cada um é, portanto, distinta. Enquanto que no sistema de administração Britânico ou judicial a administração pública se encontra subordinada ao Direito privado, sendo que o controle da aplicação do Direito é exercido pelos tribunais judiciais, o mesmo não acontece em França, uma vez que no sistemas administrativo francês, a administração pública se encontra submetida ao Direito administrativo e o seu controle é exercido pelos tribunas administrativos. Este última sistema é o que vigora atualmente em Portugal. Porquê o sistema de tipo francês e não o Britânico?! A resposta a esta questão poderá ir ao encontro da finalidade da administração pública, ou seja, esta não poderá ficar à mercê da vontade dos particulares se estivermos a referir nos a uma situação de interesse público. Por exemplo, se estivermos a referir nos à construção de uma estrada estritamente necessária, a administração pública não poderá ficar à mercê de um particular de modo a que este decida ou não avançar com a construção de uma estrada, deste modo entrar se ia num conflito de interesses, por um lado o direito à propriedade do particular, que se traduz num direito de cariz privado e por outro, a prossecução do interesse público. Porém nem sempre é assim, pois mediante um comportamento arbitrário e ilegal por parte da administração pública que consista numa situação de direito civil, penal ou comercial, quem julgará este comportamento serão os tribunais comuns e não os tribunais administrativos como diria a regra. 3) A administração pública rege se, entre outras, por normas orgânicas, funcionais e relacionais, aliás, referindo aqui a doutrina do professor Freitas do Amaral, este é da opinião de que o Direito administrativo é um dos ramos que comporta maior número de normas jurídicas. As normas orgânicas são normas que regulam a organização da administração pública, estabelecendo as entidades e organismos que fazem parte da mesma, definem a sua estrutura e determinam os seus órgãos e serviços. Estas normas, ao invés daquilo que se afirmou durante algum tempo são, efectivamente, normas jurídicas, note se o seguinte exemplo: uma lei administrativa estabelece que a câmara municipal é composta por 1 presidente e 6 vereadores. O partido A conseguiu 4 mandatos, ao passo que o B apenas conseguiu 3, ora , a autoridade competente não pode, pura e simplesmente, retirar um mandato ao partido A para igual a situação entrr os dois, sendo que se tal acontecesse estas normas orgânicas poderiam ser invocadas pelo partido A de modo a que este se defendesse da situação. Com este exemplo, é de fácil conclusão a jurisdicidade das normas orgânicas. Relativamente às normas funcionais, estas regulam o modo de agir específico da administração pública, nomeadamente, os processos de funcionamento, métodos de trabalho , bem como formalidades a cumprir. Também estas têm caráter jurídico e também delas poderão tirar "proveito" os particulares, caso a administração pública não aja em conformidade com as mesmas. Neste último caso, quem julgará o litígio serão os tribunais comuns. Por último e relativamente às normas relacionais, estas regulam as relações entre a administração e outros sujeitos de direito no desempenho da actividade administrativa. Estas por sua vez, submetem a administração a deveres, sujeições ou limitações impostos por motivos dr interesse público; conferem poderes de autoridade e atribuem direitos subjetivos e reconhecem interesses legítimos face à administração. Em suma e de acordo com a pesquisa elaborada, a administração pública encontra se submetida à lei, não podendo , em momento algum, exercer atos que não se encontrem devidamente estipulados na lei de modo a que haja a prossecução do interesse público sem prejudicar os particulares, pelo que caso ocorra todos esses atos se traduzir se ão em desvalores jurídicos. Ana Rita Machado, n°28541. Turma B. Subturma 10.

Relações jurídicas administrativas entre a Administração Pública e os particulares

1. «Administração Pública» enquanto expressão polissémica

 

Consagra o art. 266º/1 CRP que "A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos". Ora, desde logo podemos concluir que incumbe à Administração Pública a satisfação de necessidades colectivas de modo a prosseguir o interesse público, isto é, o interesse da comunidade (o «bem comum»). Essa tarefa de prossecução do interesse público cabe a um conjunto de órgãos, serviços e agentes públicos devidamente regulado e organizado.

 

De um modo bastante consensual, a actual doutrina administrativa (neste sentido, cfr. FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS e REBELO DE SOUSA / SALGADO DE MATOS) encara «administração pública» como uma expressão polissémica, que pode ser apresentada em diversos sentidos, nomeadamente em sentido orgânico, quando nos referimos à Administração Pública enquanto organização ou conjunto de órgãos, serviços e agentes públicos; ou em sentido material, quando utilizada em sentido de actividade ou de operações realizadas pelos órgãos, serviços e agentes públicos com vista à satisfação regular de necessidades colectivas.

 

Interessa-nos agora, porém, um terceiro sentido do conceito de administração pública, que é o sentido formal: a Administração Pública enquanto poder público. Dizem REBELO DE SOUSA e SALGADO DE MATOS: "Na doutrina portuguesa, o sentido formal de administração pública exprime usualmente os modos de actuação da administração pública em sentido orgânico, quando exerce a administração pública em sentido material e usa poderes que lhe dão supremacia sobre os cidadãos". Ou seja, estamos perante uma administração pública enquanto autoridade e que, tal como refere MARCELLO CAETANO, "deixa de se caracterizar como função para se afirmar como poder"

 

Assim, podemos entender a Administração Pública enquanto poder administrativo"sistema de órgãos do Estado e das entidades públicas menores que se caracteriza pela faculdade de, com base nas leis e sob o controlo dos tribunais competentes, estabelecer normas jurídicas e tomar decisões, em termos obrigatórios para os respetivos destinatários, estando-lhe confiado o monopólio do uso legítimo da força pública (militar ou policial), a fim de assegurar a execução coerciva quer das suas próprias normas e decisões, quer das normas e decisões dos outros poderes do Estado (leis e sentenças)" (cfr. FREITAS DO AMARAL).

 

 

2. O conceito de relação jurídica administrativa

 

O art. 212º/3 CRP estatui que "Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais". Surge-nos, deste modo, o conceito de relação jurídica administrativa como modo de definir o âmbito da justiça administrativa, segundo a Constituição.

 

Ao longo dos tempos, tem havido uma evolução da doutrina de Direito Administrativo relativamente a este conceito. De facto, como nos aponta JOÃO CAUPERS: "As explicações tradicionais do direito administrativo português não continham, em regra, qualquer referência à existência de relações jurídico-administrativas". Ora, na época do Estado Liberal (séc. XIX), estávamos perante um Estado mínimo e uma Administração fundamentalmente autoritária e agressiva, sendo o particular considerado um "objecto" do poder soberano, destituído de direitos subjectivos. A Administração Pública modificava unilateralmente as esferas dos particulares, sujeitos à sua actuação, através do acto administrativo, que era considerado a figura central do Direito Administrativo nesta época.

 

Porém, ao longo do século XX, a Administração Pública evolui de uma Administração autoritária para uma Administração prestadora de serviços aos particulares. A actual Constituição da República Portuguesa afasta ainda a hipótese de o indivíduo, enquanto sujeito de Direito, ser tratado como mero objecto dos poderes públicos; este torna-se verdadeira parte do procedimento administrativo, com direitos e garantias face à Administração e aos restantes poderes públicos, como consagrado nos arts. 20º/1, 48º e 268º CRP. Deste modo, face aos inúmeros problemas do Direito Administrativo moderno, a dogmática do acto administrativo deixa de ser suficiente e a base fundamental da dogmática deste ramo do Direito passa a ser a relação jurídica administrativa.

Como refere VASCO PEREIRA DA SILVA: "A relação jurídica apresenta, assim, a vantagem dogmática de possuir um âmbito de aplicação muito maior do que o do acto administrativo, capaz de englobar todas as decisões unilaterais (individuais e concretas) da Administração - e permitindo ainda o enquadramento teórico dos direitos e deveres dos sujeitos jurídicos, anteriores ou posteriores a esses actos -, assim como de abranger também todas as demais situações em que estejam estabelecidas ligações jurídicas entre as autoridades administrativas e os particulares". Este autor defende ainda esta dogmática da relação jurídica visto que, de acordo com esta, "o privado encontra-se perante a Administração, não como objecto de um poder administrativo - um simples "administrado" -, mas como um autónomo sujeito jurídico, que ocupa no mundo do direito uma posição igual à Administração".

 

No mesmo sentido de JOÃO CAUPERS, não concordamos inteiramente com a afirmação supra transcrita, isto porque a Administração Pública, no seu sentido formal, consiste num poder público, dotado de autoridade e, como tal, não podemos considerar que esta esteja, de um modo geral, numa situação de paridade com os cidadãos. Tal não significa, porém, que não possam existir relações tendencialmente paritárias entre Administração Pública e particulares, dado o aumento de direitos dos cidadãos face à Administração e de deveres desta para com os privados. 

 

Relativamente à definição do conceito de relação jurídica administrativa, existem várias na doutrina administrativa portuguesa. Para FREITAS DO AMARAL, trata-se de "toda a relação entre sujeitos de direito, públicos ou privados, que atuem no exercício de poderes ou deveres públicos, conferidos por normas de direito administrativo". Já VIEIRA DE ANDRADE, por sua vez, segue um critério estatutário, definindo a relação jurídica de Direito Administrativo como uma relação jurídica de direito público, na qual "um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público ou de um dever público, conferido ou imposto com vista à realização de um interesse público legalmente definido".

 

 

3. O Poder Administrativo

 

Tal como foi supra mencionado, a Administração Pública pode ser entendida como poder administrativo, isto é, como um sistema de órgãos e de agentes públicos que actuam com poderes exorbitantes ou de autoridade, criando situações jurídicas passivas ou de desvantagem do lado dos particulares, como deveres, sujeições ou ónus (Exemplo: a Administração unilateralmente determina o montante de imposto devido por cada contribuinte). 

 

É, no entanto, importante referir que este poder administrativo não é arbitrário, pois é pautado por diversos princípios que deve seguir ao satisfazer as necessidades da colectividade. Por força do art. 266º/2 CRP, "Os órgãos e agentes estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé". O nº1 do mesmo artigo refere ainda o princípio da prossecução do interesse público, o qual constitui, segundo JOÃO CAUPERS, "o verdadeiro fio condutor da actividade administrativa pública".

 

Assim, concluímos que a Administração Pública dispõe de poderes públicos de índole geral, que são verdadeiros poderes-deveres ou poderes funcionais (neste sentido, cfr. VIEIRA DE ANDRADE), pois são de exercício vinculado e imprescritíveis, dado protegerem interesses de terceiros ou, neste caso, da colectividade - interesse público. Mais ainda, tratam-se de poderes que devem obediência à lei - princípio da legalidade - e, portanto, a Administração Pública apenas pode actuar dentro dos limites da lei, não obstante a possibilidade de o legislador conferir alguma margem de livre actuação e de decisão, isto é, de discricionariedade à Administração.

 

De qualquer modo, são diversas as manifestações do poder administrativo, sendo que actualmente FREITAS DO AMARAL aponta como principais cinco manifestações: o poder regulamentar, o poder de decisão unilateral, o poder de execução coerciva, o conjunto de poderes especiais do contraente público nos contratos administrativos e o conjunto de poderes especiais das autoridades de polícia.

 

 

3.1. O Poder Regulamentar

 

No nosso sistema administrativo, a Administração Pública tem faculdade regulamentária, ou seja, poder de fazer regulamentos, por força dos arts. 199º-c), 227º/1-d) e 241º CRP. Tratando-se de um poder público, a Administração "goza da prerrogativa de definir unilateral e previamente, em termos genéricos e abstratos, em que sentido é que vai interpretar e aplicar as leis em vigor" (cfr. FREITAS DO AMARAL).

 

Os regulamentos têm eficácia externa vinculativa e, como tal, constituem fontes de direito. Em todo o caso, como dizem REBELO DE SOUSA e SALGADO DE MATOS, "não incorporam decisões essenciais para a colectividade política, o que os aparta da lei; e estão sujeitos ao princípio da legalidade, o que significa que têm que se fundamentar numa lei habilitante e que têm como limitesConstituição, o direito internacional e comunitário e a lei, que não podem contrariar"

 

 

 

3.2. O Poder de Decisão Unilateral

 

 

Nesta situação, a Administração tem o poder de definir unilateralmente (isto é, por exclusiva autoridade sua e sem necessidade de autorização ou acordo com o interessado) o direito aplicável a um caso concreto, sendo essa definição unilateral obrigatória para os particulares. Como refere MARCELLO CAETANO, a Administração Pública tem "a possibilidade de traçar a sua própria conduta ou a conduta alheia independentemente do recurso aos tribunais"

 

Contudo, JOÃO CAUPERS, seguindo a perspectiva de PEDRO MACHETE, considera que a Administração Pública de hoje é cada vez menos caracterizada pela decisão unilateral e autoritária, substituíndo-se pela decisão negociada com os cidadãos afectados (cfr. art. 100º CPA, relativo à possibilidade de audiência dos interessados). Trata-se, portanto, de uma administração participada, concertada ou contratualizada, segundo estes autores.

 

FREITAS DO AMARAL, por sua vez, não nega a existência de garantias administrativas impugnatórias dos particulares face à Administração (arts. 121º e ss., 184º e ss. CPA). Porém, estas garantias só são exercidas depois da decisão unilateral já existir, não cabendo à Administração ter de ir a tribunal para legitimar a sua decisão; é, pois, ao particular que incumbe o ónus de impugnar a decisão.

 

 

 

3.3. O Poder de Execução Coerciva

 

Originalmente designado privilégio de execução prévia por MARCELLO CAETANO, consiste no "poder conferido à Administração Pública de, uma vez definido o direito aplicável ao caso, impor as consequências de tal definição aos seus destinatáriosmesmo contra a oposição destes e sem a prévia intervenção de um tribunal (execução coerciva por via administrativa)"  (cfr. JOÃO CAUPERS).
 
A expressão «privilégio de execução prévia» tem sido criticada por alguns autores, nomeadamente por VASCO PEREIRA DA SILVA e por FREITAS DO AMARAL, sendo que este último prefere adoptar o termo poder de execução coerciva, visto que se trata de um poder e não de um «privilégio», por ser atribuído legalmente a quase todas as entidades públicas.
 
A Administração Pública decide unilateralmente o direito aplicável a um caso concreto e, a partir desse momento, pode exigir do particular que cumpra o dever ou encargo que lhe foi eficazmente definido, tendo o direito de executar coactivamente (sem recurso prévio aos tribunais) a decisão que ela própria efectuou em caso de incumprimento da parte do particular. Não obstante, a Administração só pode exercer este poder "segundo as formas e termos expressamente previstos na lei", à luz do art. 176º/1 CPA - princípio da tipificação das medidas de execução.
 
 
 
3.4. Conjunto de Poderes Especiais do Contraente Público nos Contratos Administrativos
 
 
Para SÉRVULO CORREIA, o contrato administrativo consiste num "processo próprio de agir da Administração que cria, modifica ou extingue relações jurídicas, disciplinadas em termos específicos do sujeito administrativo, entre pessoas colectivas da Administração ou entre a Administração e os particulares". O artigo 1º/6 CCP define o contrato administrativo como "acordo de vontades, independentemente da sua forma ou designação, celebrado entre contraentes públicos e co-contratantes ou somente entre contraentes públicos".
 
De facto, existem situações em que não é conveniente a actuação da Administração Pública por via do acto administrativo, enquanto decisão unilateral e autoritária. Por vezes, é necessário um acordo entre os interessados e, assim, a Administração exerce o seu poder administrativo no âmbito da figura do contrato.
 
O contrato administrativo apresenta, no entanto, um regime diferente dos contratos em direito privado. Em primeiro lugar, a Administração Pública, de modo a prosseguir o interesse público, dispõe de direitos e poderes que as partes em contratos privados não dispõem (exemplo: poder de rescindir o contrato por conveniência do interesse público). No entanto, a Administração também fica sujeita a restrições e deveres especiais não existentes nos contratos entre privados (exemplo: dever de fazer preceder a celebração do contrato de um procedimento administrativo tendente à escolha do co-contratante).
 
 
3.5. Conjunto dos Poderes Especiais das Autoridades de Polícia
 
 
As autoridades policiais (PSP, GNR, SEF, ASAE, etc.) têm como principais funções a defesa da legalidade democrática, manter a ordem pública, assegurar o normal exercício dos direitos fundamentais dos cidadãos e proceder à prevenção e investigação criminal, como consagram os arts. 199º-f), 219º/1 e 272º CRP. Segundo JOÃO RAPOSO, estes poderes policiais, em algumas circunstâncias, "compreendem a coacção directa (isto é, o emprego da força física) contra os prevaricadores".
 
Tratam-se, segundo FREITAS DO AMARAL, da "demonstração mais evidente, mais forte e mais perigosa de que a Administração é, na realidade, um verdadeiro Poder". Isto porque os poderes de polícia são, em primeiro lugar, de natureza unilateral, insusceptíveis de negociação ou de compromisso. Além disso, muitas vezes, o exercício destes poderes não está sujeito a regras procedimentais dada a urgência do seu exercício e à natureza humanamente exigente das actividades e operações realizadas e, portanto, são também poderes insusceptíveis de serem concedidos a particulares. 

 

 

 

 

 

4. Garantias Administrativas dos Particulares

 

O Direito Administrativo faculta aos particulares meios jurídicos de defesa contra abusos da Administração Pública, ou seja, garantias. Dentro das garantias, destacam-se as garantias administrativas, que se efectivam através da actuação e da decisão dos órgãos da Administração Pública. A ideia subjacente é a de, existindo certos controlos criados por lei para defesa da legalidade e da boa administração, a lei permitir que esses controlos se coloquem simultaneamente ao serviço dos direitos subjectivos ou dos interesses legítimos dos particulares

 

Para além destas, existem garantias contenciosas ou de contencioso administrativo, que consistem em garantias dos particulares que se efectivam através dos tribunais. Este tipo de garantias não será alvo de análise no presente trabalho dada a ampla e diversificada lista de espécies de espécies de contencioso que existem em consequência de duas reformas importantes do contencioso administrativo, operadas em 2002-2004 (neste sentido, cfr. FREITAS DO AMARAL).

 

 

4.1. Garantias petitórias

 

As garantias petitórias têm por base um pedido, não pressupondo a prévia prática de um acto administrativo. Teremos em consideração cinco tipos de garantias de tipo petitório, nomeadamente:

 

  • direito de petição - faculdade de solicitar aos órgãos da Administração Pública providências que se consideram necessárias, como tomada de decisões ou prestação de informações (exemplo: direito de os cidadãos serem esclarecidos sobre actos do Estado e demais entidades públicas - art. 48º/2 CRP); 

 

  • direito de representação -  faculdade de alertar um órgão da Administração Pública responsável por uma determinada decisão administrativa para as consequências prováveis da mesma (exemplo: direito que funcionários podem exercer quando duvidam da autenticidade de uma ordem dos seus superiores hierárquicos);

 

  • direito de denúncia - faculdade de chamar a atenção de um órgão da Administração Pública para um facto ou situação que esta tenha a obrigação de averiguar (exemplo: quando se tem conhecimento de um crime e se faz a respectiva denúncia à PJ ou ao Ministério Público);

 

  • direito de queixa - faculdade de denunciar o comportamento de um funcionário ou agente da Administração Pública, com o objectivo que se proceda ao apuramento da responsabilidade disciplinar deste (exemplo: queixa de um funcionário público, desencandeando-se um processo disciplinar);

 

  • direito de oposição administrativafaculdade de contestar decisões que um órgão da Administração Pública projecta tomar, seja por sua iniciativa, seja dando satisfação a pedidos que lhe tenham sido dirigidos por particulares (exemplo: direito de certas pessoas e entidades deduzirem oposição a um projecto da Administração de construção numa dada área).

 

 

 

4.2. Garantias impugnatórias

 

Diferentemente das garantias petitórias, as garantias impugnatórias pressupõem sempre um acto administrativo prévio que se pretende atacar com certos fundamentos, visando a sua revogação, anulação administrativa ou modificação (art. 184º CPA). Existem quatro tipos de garantias de tipo impugnatório (cfr. arts. 191º a 199º CPA):

 

  • reclamação - pedido de reapreciação do acto administrativo dirigido ao seu autor (art. 191º/1 CPA);

 

  • recurso hierárquico pedido de reapreciação do acto administrativo dirigido ao superior hierárquico do seu autor (art. 193º/1 CPA);

 

  • recurso hierárquico impróprio -  pedido de reapreciação de um acto administrativo dirigido a um órgão da mesma entidade pública a que pertence o autor do acto recorrido e que exerce sobre este um poder de supervisão (art. 199º/1, alíneas a) e b), CPA);

 

  • recurso tutelar - pedido de reapreciação de um acto administrativo praticado por um órgão de uma entidade pública dirigido a um órgão de outra entidade pública, que exerce sobre aquela um poder de superintendência ou de tutela (art. 199º/1, alínea c), CPA).

 

 

 

4.3. A queixa ao «Provedor de Justiça»

 

A figura do Provedor de Justiça surgiu na nossa ordem jurídica após o 25 de Abril de 1974. Consagra o art. 23º/1 CRP: "Os cidadãos podem apresentar queixas por acções ou omissões dos poderes públicos ao Provedor de Justiça, que as apreciará sem poder decisório, dirigindo aos órgãos competentes as recomendações necessárias para prevenir e reparar injustiças".  O nº3 do mesmo artigo qualifica-o ainda como órgão independente.

 

A característica mais relevante da sua intervenção é a falta de poder decisório: o Provedor de Justiça não dispõe de competência para revogar nem para modificar actos administrativos (art. 22º/1 da Lei nº 9/91), nem pode substituir-se às autoridades competentes para praticar em vez delas os actos que considere legalmente devidos.

 

Como observa JOÃO CAUPERS, "a «grande arma» do Provedor de Justiça é a persuasão". Este estuda cada caso concreto e, se entender que o particular tem razão na queixa, dirige recomendações às autoridades competentes. Pode ainda, segundo FREITAS DO AMARAL, usando a teoria dos poderes implícitos, dialogar com as autoridades postas em causa e «pressioná-las» para que cumpram a lei ou que corrijam os seus erros ou omissões.

 

A grande vantagem do Provedor de Justiça é tratar-se de um órgão do Estado com autorictas e que goza de grande prestígio independência que fazem com que a Administração Pública tenda a seguir as suas recomendações. Trata-se de um órgão da administração central do Estado com carácter de órgão independente (neste sentido, cfr. FREITAS DO AMARAL).

 

 

 

5. Conclusão

 

Em face de todo o ora exposto, podemos concluír que a relação jurídica administrativa é o conceito base da dogmática do moderno Direito Administrativo. É graças à adopção da relação jurídica entre a Administração e os particulares que o particular se torna num sujeito jurídico autónomo com posição tendencialmente paritária à da Administração, podendo, por conseguinte, invocar os seus direitos perante os órgãos públicos. O particular, ao longo dos períodos históricos, foi adquirindo uma tutela jurídica e administrativa cada vez mais plena, tendo acesso a diversas garantias de modo a defender-se de alguns dos actos da Administração Pública.

 

A Administração Pública, por sua vez, é dotada de ius imperii, isto é, de poderes de autoridade que lhe conferem a faculdade de, por vezes, modificar unilateralmente a esfera jurídica dos particulares e estes, por conseguinte, apenas podem suportar essa posição jurídica passiva (isto é, de desvantagem). Concluímos, deste modo, que a Administração Pública, no seu sentido formal, é um verdadeiro poder público e administrativo, capaz de gerar deveres, obrigações, sujeições e ónus aos particulares através das suas várias manifestações.

 

Não obstante, a actuação da Administração Pública é pautada por diversos princípios, enumerados no art. 266º CRP, mas sendo o mais relevante de todos o da prossecução do interesse público. É dever da Administração Pública satisfazer as necessidades colectivas e nunca decair na prossecução do bem comum. Já os particulares são titulares de direitos subjectivos e de interesses legítimos que merecem tutela e, como tal, devem ser respeitados pela Administração Pública durante a sua tarefa contínua e regular de prossecução do interesse da colectividade.

 

Em suma, a relação jurídica administrativa entre Administração Pública e os particulares trata-se, como referiu SÉRVULO CORREIA, de "um sistema complexo de situações jurídicas activas e passivas interligadas", ou seja, de um conjunto de direitos e de deveres recíprocos entre as partes. Por um lado, temos uma Administração Pública que exerce poderes exorbitantes que criam, do outro lado da relação, deveres e sujeições aos cidadãos. Por outro, temos a existência de direitos subjectivos, interesses legítimos e de garantias administrativas que visam proteger os entes privados de actos abusivos da parte da Administração Pública, a qual tem o dever de prosseguir contínua e regularmente o interesse público, bem como um dever geral de respeito pelas posições jurídicas (activas) legalmente adquiridas pelos particulares.

 

O conceito de relação jurídica administrativa, enquanto fundamento do Direito Administrativo, permitiu uma maior aproximação entre cidadão e Administração Pública, que é o que se pretende num Estado de Direito Democrático como o nosso (art. 2º CRP).

 

 

 

 

Bibliografia

 

Diogo Freitas do Amaral, «Curso de Direito Administrativo - Volume I», 4ª edição, pp. 25-36, 68-73

Diogo Freitas do Amaral, «Curso de Direito Administrativo - Volume II», 3ª edição, pp. 16-26, 131-139, 607-641

João Caupers, «Introdução Ao Direito Administrativo», 11ª edição, pp. 26-30, 79-92, 94-99, 205-206, 268-271, 361-370

José Carlos Viera de Andrade, «A Justiça Administrativa», 10ª edição, pp. 62-78

Marcelo Rebelo de Sousa / André Salgado de Matos, «Direito Administrativo Geral - Tomo I», 3ª edição, pp. 52-54, 67-68

 

 

 

João Pinto Ramos - aluno nº 28375
2º Ano, Turma B, Subturma 10

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Função Administrativa

 

 

A FUNÇÃO ADMINISTRATIVA DO ESTADO

 

 

       Índice :

 

  • Funções do Estado;
  • Distinção entre Função Administrativa e as demais funções.
  • Função Administrativa;
  • Mecanismos de controlo;
  • Principios da Função Administrativa

 

 

1.1 O Estado possuí, segundo a classificação do Prof. Dr. Freitas do amaral, quatro funções

 

- a função politica ou governativa

 

- a função legislativa

 

- a função jurisdicional

                                        

- a Função administrativa

 

1.2 Distinção entre a função administrativa e as outras funções do Estado :

 

Função politica vs Função Administrativa: a Função Politica traduz-se na prática de actos que respeitam de modo directo o poder politico , com o fim de definir o interesse geral da coletividade . A função administrativa realiza o interesse geral definido pela função política;

 

Função Legislativa vs Função Administrativa : a primeira consiste na atividade de definição de princípios , tendo um conteúdo meramente politico.; a segunda é subordinada à lei .

 

Função judicial vs Função Administrativa : a função judicial tem como objetivo principal a justiça , ou seja julgar . Por outro lado , a função administrativa não tem como objetivo julgar mas sim , gerir.

 

 

Esta separação e quantificação de funções, não é partilhada por toda a doutrina, existindo quem acrescente a função técnica (Prof. Dr. Marcello Caetano) e , por outro lado,  quem acrescente ,  dentro da classificação do Prof. Freitas do Amaral, duas subclassificações: a função constituinte e a função de revisão constitucional (Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa);

 

Historicamente, no Estado Absoluto , o povo vivia num clima de opressão , onde o Monarca assumia o total controlo do poder , tendo , desta maneira , a “razão” centrada em si próprio.

Contudo , em 1789 ,  a Burguesia (que se destacava pelo facto de possuir terras e bens , não dependendo do Monarca)  une-se  ao povo , dando origem , deste modo , ao conceito de Nação :

  • Igualdade ,
  • Propriedade
  • Livre iniciativa privada.

 

Nascem dois princípios fundamentais :

  • Separação de poderes : decisivo para o Direito Administrativo e que garante imparcialidade e independência entre poderes;
  • Principio da Legalidade de Administração : administração só pode fazer o que está previsto na lei e o administrador só pode actuar nos limites da mesma lei (Vinculação Estrita).

Assim , podemos dizer que a separação das funções do Estado , surgiu com a Revolução Francesa e com a implementação do Principio da separação de poderes – Art. 16º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

 

1.3 A função administrativa consistiria  na realização, em termos concretos, do interesse geral da coletividade , ou seja , o bem comum (Princípio de prossecução do interesse público), sendo subsidiária da função politica do estado, que se traduz no conjunto de opções fundamentais sobre a definição e prossecução dos interesses ou fins da coletividade.

 

Esta definição , hoje em dia e face à organização de que o estado se socorre, tem um interesse substancialmente teórico, uma vez que no plano do direito positivo, ela surge, essencialmente, como uma forma de o Estado manifestar a sua autoridade.

Assim a administração, nas palavras do Prof. Dr. Marcello Caetano, deixa de se caracterizar como uma função para se afirmar como um poder , que consiste na possibilidade de alguém impor aos outros o respeito por uma conduta.

Numa perspectiva, estritamente jurídica, a função administrativa consistiria na emanação de actos de protecção jurídica complementar, sendo resultantes dos actos de criação jurídica primária e abstrata. O órgão estadual agiria em posição de superioridade podendo, unilateralmente, intervir na esfera jurídica de terceiros.

Decisões essas que os terceiros terão de acatar, sob pena da  administração poder impor coercivamente o que decidiu, sem necessidade de uma prévia decisão judicial.

 

No entanto a função administrativa, ou o resultado dela, está sujeita a sistemas diferenciados de controlo , ou seja , um conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos , com o objetivo de fiscalizar toda a atividade administrativa.

 

1.4 Podemos dizer que existem vários tipos de controlo:

  • Como função restritiva e coercitiva , evitando desvios indesejáveis ou comportamentos não aceites;
  • Como função administrativa, fazendo parte do próprio processo administrativo , organização e direcção;
  • Como sistema automático de regulação , detectando irregularidades , proporcionando assim , uma regulação automática , de modo a voltar à normalidade.

 

 

1.5 A função administrativa obedece a alguns princípios, a saber:

 

1) Princípio da legalidade – toda a actividade administrativa deverá enquadrar-se na lei existente;

2) Princípio da neutralidade ou impessoabilidade - que impõe que a actividade seja dirigida a um atendimento impessoal geral ;

3)  Princípio da moralidade – toda a actividade administrativa deve atendà lei, moral, equidade e deveres de boa-fé.

4)  Princípio da publicidade – todos os actos practicados pela administração dever ser alvo de publicidade

5)  Princípio da eficiência – impõe ao administrador critério de boa practica técnica e profissional;

6) Princípio da supremacia do interesse público – por nele se encontrar subjacente o interesse na coletividade, deverá superar-se ao interesse do particular.

7) Princípio da indisponibilidade – limitação ao administrador da practica de actos para os quais não tenha autorização legal.

8) Princípio da auto tutela – possibilidade de a administração rever os seus actos.

9) Princípio da proporcionalidade – os meios devem ser adequados aos fins.

10) Princípio da segurança jurídica – o administrador publico não deve, sem justa causa, desfazer os actos jurídicos sem justa causa.

 

 

Em resumo a função administrativa poderia ser considerada como uma actividade subalterna e instrumental, realizada pelo Estado ( ou por a quem ele tenha dado esse poder) demonstrativa do poder publico, seja ele constitucional ou legal, que emitindo actos complementares dos poderes originários ou primários, sujeita a vários tipos de controlo e dirigida á concretização dos objectivos do direito positivo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

- Bibliografia:

 

Canotilho , José Gomes   – “Direito Constitucional” – Almedina – 1989

Caetano , Marcello  – “Manual de Direito Administrativo” – Almedina – 1980

Freitas do Amaral, Diogo – “Curso de Direito Administrativo” – Almedina - 2015

 

 

 

 

                                                                                                                                                   

                                                                                                        Joana Melo,nº28533

                                                                                                         Subturma 10 – 2ºB

                                                                                                                                                                                                                                                    2016/2017

 

 

 

                                                                                                        

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