Interposição de Garantia Administrativa- Decisão da Administração
Introdução
A Constituição da República Portuguesa, no seu título IX, dedicado à Administração Pública, visa como principal função desta a prossecução do interesse público, com respeito pelos direitos e interesses dos cidadãos, com dever de obediência à lei, bem como aos princípios basilares do Estado, tais como a igualdade, a proporcionalidade, a justiça, a imparcialidade e a boa-fé.
Neste sentido, foram criados, pela ordem jurídica, diversos meios capazes de tutelar os interesses legítimos dos particulares ou as ofensas dos direitos subjetivos, assim como as violações do direito objetivo ou o demérito da ação administrativa, evitando ou sancionando as condutas da Administração Pública.
Estes meios são designados por garantias, havendo essencialmente três tipos: as garantias políticas, as garantias administrativas e as garantias contenciosas.
A consagração dos direitos e garantias dos administrados vem expressamente prevista nos nºs 4 e 5, do artigo 268º da Constituição.
Garantias Políticas
As garantias políticas são efetivadas através dos órgãos políticos do Estado, sendo por isso mais garantias do ordenamento constitucional do que propriamente garantias dos cidadãos. As mesmas repartem-se em duas vias – o direito de resistência, consagrado no artigo 21º CRP e, o direito de petição, quando exercido perante um órgão da soberania, previsto no artigo 52º CRP.
DIREITO DE RESISTÊNCIA
Por este direto entende-se a faculdade de se opor a qualquer ordem que ofenda os direitos, liberdades e garantias e de repelir por força qualquer agressão, em situação de impossibilidade de recurso à autoridade pública. Este tipo de garantia tanto serve para se reagir contra atuações dos privados, quanto contra atos da autoridade pública.
DIREITO DE PETIÇÃO
O direito de petição permite aos cidadãos, individual ou coletivamente, apresentar contestações acerca de problemas de interesse geral, de modo a evocar a atenção dos órgãos de soberania ou entidades públicas, a respeito de atos ou situações, ilegais ou injustas. Quer isto dizer que, o direito em questão, não comporta tanto um caráter impugnatório, quanto reivindicativo.
Este direito não se destina a ser exercido perante os tribunais, contudo pode ser praticado por qualquer pessoa residente em território português, além de que não se encontra sujeito a processos ou formalidades específicas.
Análise do Caso em concreto
O direito de ação popular é reconhecido, pela Constituição da República Portuguesa, como um direito fundamental de participação e intervenção política dos cidadãos. É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, nos casos e termos previstos na lei (artigo 52º/3 CRP). O direito de ação popular é um corolário do princípio democrático e da democracia participativa (2º CRP), na medida em que permite a participação política e a intervenção democrática dos cidadãos na vida política, para fiscalizar a legalidade e defender os interesses da coletividade. Este direito vem também definido na Lei nº 83/95, de 31 de agosto, sobre o Direito de Participação procedimental de Ação Popular (LAP).
A ação praticada pelo grupo de moradores de Listejo, nomeadamente a retirada dos parquímetros, instalados pela empresa municipal EMULTA, por via do uso da “força de braços”, poderia ser vista como uma ação popular, com fundamento nos propósitos elencados pelos particulares e que, por sua vez, estão previstos no nº 2 do 1º artigo, da Lei nº 83/95, de 31 de agosto, bem como na alínea b) do nº 3, do artigo 52º CRP, que tratam da ação popular como fim de proteção da qualidade de vida e do domínio público e, da defesa dos bens do Estado e das autarquias locais. No entanto, nem a LAP nem a CRP preveem como pressuposto da ação popular o uso da força, sendo antes este um requisito da ação direta, previsto no artigo 336º, nº1 do Código Civil. Ainda assim, o uso da força é permitido apenas nas situações em que não seja possível, em tempo útil, o recurso aos meios coercivos normais, não devendo, em caso de tal, exceder o que for necessário para evitar o prejuízo, nem sacrificar interesses superiores àqueles que se pretendem assegurar.
Neste sentido, entende-se não preenchido o pressuposto da impossibilidade de recurso às autoridades públicas, visto existirem outros meios, que não a força, para se prosseguir os fins desejados, nomeadamente o recurso a outras garantias administrativas, tais como o direito de petição (52º CRP), entre outras, a serem tratadas mais adiante.
Parece-nos assim que, a denominada “ação popular” aqui apreciada, é de caráter abusivo, precisamente por exceder os limites impostos pela boa fé e pelo fim social e económico do direito em questão, nos termos do artigo 334º CC. Sendo, portanto, o direito à ação popular, neste caso em concreto, ilegítimo.
Por último, colocando a situação hipotética de se ter praticado o direito de resistência, equiparemos esta situação a um outro exemplo. Tomemos para tal a demolição de um lar de idosos ou de uma escola no decorrer do ano letivo. Em qualquer uma destas posições, os particulares têm todo o direito de praticar a resistência, de modo a impedir a causa de danos e prejuízos maiores para os utilizadores daqueles estabelecimentos públicos, sendo estes a falta de outros estabelecimentos onde os idosos possam habitar, ou onde os alunos possam continuar a frequência das aulas e dos estudos devidos, visto que o direito de resistência tem como ultima ratio a proteção dos direitos e garantias dos particulares em momento útil, urgente e quando a restituição dos direitos tenha um determinado grau de complexidade. Já a retirada de parquímetros com o uso da “força de braços”, sem que antes se tenha tentado uma via mais pacífica, parece dar lugar à prática de atos de vandalismo, pois a existência de tais instrumentos não traz um prejuízo excessivamente gravoso para os particulares, até ao momento da resolução do conflito e da tomada de uma decisão devidamente adequada aos seus interesses. Pelo que estes possuem meios, bem como o tempo necessário, para a resolução deste tipo de litígios.
Assim, consideramos não haver cabimento ao direito de resistência no presente caso.
Garantias Petitórias
As garantias petitórias dividem-se em cinco espécies: no direito de petição, no direito de representação, no direito de queixa, no de denúncia e, por fim, no direito de oposição administrativa. Todas estas modalidades assentam na existência de um pedido dirigido à Administração, de modo a que esta considere o ponto de vista do particular, devidamente fundamentado. No entanto, iremos apenas tecer algumas considerações relativas às garantias que mais se enquadram ao caso.
Em primeiro lugar, o direito de petição está relacionado com a faculdade de dirigir pedidos à Administração Pública para que esta tome certas decisões, preste informações ou permita o acesso aos seus arquivos e a processos pendentes.
Contudo, a petição não tem cariz impugnatório. Deste modo, não se trata de atacar uma decisão já tomada, pelo contrário, pressupõe-se a falta de uma certa decisão ou ainda que é necessário consultar algo que apenas a Administração pode facultar.
Este direito materializa-se, por exemplo, no direito de reagir contra a omissão ilegal dos atos administrativos, solicitando-se a emissão do ato pretendido, nos termos do artigo 184.º, nº1, alínea b) do CPA. Ora, no nosso caso prático, considerámos que existe uma omissão no tocante à requalificação do centro histórico e à construção de parques de estacionamento para a zona em questão, uma vez que estes compromissos nunca foram efetivamente cumpridos pela Câmara Municipal. Por conseguinte, os interessados, neste caso os moradores de Carnitas, têm o direito de reagir contra esse ato omisso, de modo a que se proceda à emissão dos dois atos em questão.
Em segundo lugar, o direito de queixa traduz-se na faculdade de promover a abertura de um processo que resultará na aplicação de uma sanção a uma entidade pública. Esta é uma figura um pouco diferente das restantes: não é petitória em sentido estrito, dado que quem exerce este direito não faz apenas um pedido genérico, mas também não é impugnatória. No fundo, o direito de queixa desencadeia, sim, um verdadeiro poder sancionatório a que um funcionário público está submetido. Em síntese, nestes casos, o particular queixa-se do comportamento de uma entidade pública e não de um ato, sendo que uma sanção futura poderá ser-lhe aplicada.
Prevalecendo-se do direito de queixa, os moradores de Carnitas podem queixar-se da conduta do casal Filião, com fundamento na violação do princípio da imparcialidade, que iremos agora abordar.
Como a defesa alegou, a nomeação do Presidente do Conselho de Administração da EMULTA compete ao município de Listejo, nos termos dos artigos 8º/1 e 11º/1 dos Estatutos da EMEL, aplicados analogicamente à EMULTA. De facto, não houve aqui uma nomeação ilícita de Penélope para o cargo. Todavia, essa não é a questão fulcral. A questão fulcral é a de que, como é evidente, existe uma relação muito estreita e íntima entre a EMULTA e o Município de Listejo, que deve ser assegurada por um critério de imparcialidade. Veja-se também a este propósito o artigo 12.º do mesmo diploma, que prevê analogicamente que os contratos de gestão da EMULTA devem refletir as orientações estratégicas definidas pela Câmara Municipal, que mais uma vez comprova a existência dessa relação. Portanto, não existe aqui qualquer margem para atuações parciais.
Como vimos, logo após Francisco Filião ter criticado a atuação da população, assim como o comportamento do autarca, Penélope ordena a recolocação dos parquímetros, agindo imediatamente no interesse do seu cônjuge, sem ter ouvido os outros interesses em jogo. Assim, decidimos que houve uma violação do princípio da imparcialidade, que decorre do artigo 266.º, nº 2 da CRP e do artigo 9.º do CPA. Deste modo, há um impedimento, nos termos do artigo 69º, nº 1, alínea b). Este artigo prevê situações em que as entidades públicas não podem intervir em procedimento administrativo, em ato ou contrato público ou privado da Administração Pública, se nele tiver interesse o seu cônjuge, dado que seria de esperar uma conduta parcial nestas circunstâncias. Como consequência, nos termos do artigo 76º, nº 1 do CPA, o ato de recolocação dos parquímetros é anulável nos termos gerais.
Por último, existe, ainda, a figura da oposição administrativa. Esta modalidade das garantias petitórias representa a possibilidade de, no âmbito de certos procedimentos administrativos, os contra-interessados poderem combater os pedidos formulados por outra pessoa à Administração e, para além disto, contestar as iniciativas da Administração divulgadas ao público.
Por exemplo, imagine-se que a Administração divulga um certo projeto de interesse público, como a construção de uma estrada ou barragem, de forma a permitir uma margem de oposição a certas pessoas singulares ou coletivas. Essas pessoas poderiam ser os moradores da área sobre a qual incidiria o projeto da Administração, por exemplo. Assim, a lei atribui-lhes o direito de apresentarem motivos válidos que suportem a oposição a esses projetos, cabendo à Administração a decisão final, que tem a obrigação de ouvir os interessados e de ponderar os seus argumentos.
No tocante ao caso em julgamento, a recolocação imediata dos parquímetros, ordenada pela Presidente do Conselho de Administração da EMULTA, apresenta algumas semelhanças ao exemplo descrito. Aqui, ao ordenar a recolocação dos parquímetros, a EMULTA está a divulgar publicamente um projeto administrativo que pretende executar. Deste modo, os moradores de Carnitas podem, em concordância com esta modalidade de garantia petitória, opor-se à recolocação dos parquímetros, de forma fundamentada. Como observado, a lei atribui aos moradores o direito de fazerem valer as suas razões contra esse projeto administrativo. Consequentemente, a Administração teria a obrigação de os ouvir, de ponderar os seus argumentos e explicar detalhadamente por que motivos considera, se for esse o caso, os seus argumentos infundados. Portanto, neste caso, os moradores podem prevalecer-se desta figura de forma a combater a iniciativa administrativa em questão.
Garantias Impugnatórias
As garantias impugnatórias têm por base a impugnação de um ato jurídico já praticado pela Administração, com vista à sua revogação, modificação, ou anulação administrativa. A impugnação pode fundar-se em motivos de ilegalidade ou de mérito cfr. art. 185º/3 CPA, e as autarquias locais têm legitimidade para reclamar ou recorrer, por força do art. 68º/2 c) ex vi do art. 186º/1 b).
Reclamação é o meio de impugnação do ato administrativo perante o seu autor. Esta figura justifica-se pelo facto de os atos administrativos, em geral, poderem ser revogados ou anulados pelo órgão que os praticou. Salvo lei especial, o prazo para apresentar uma reclamação é de 15 dias cfr. art. 191º, nº 3 CPA, e o prazo para o órgão competente decidir sobre a reclamação é de 30 dias cfr. art. 192º, nº 2 CPA.
No caso sub judice é possível efetuar uma reclamação do ato de colocação e recolocação dos parquímetros por parte da EMULTA ao órgão que o praticou. Com base no art. 1º/1 do Estatuto da EMULTA, verificamos que se trata de uma pessoa coletiva própria, dotada de autonomia administrativa financeira e patrimonial. Consequentemente, tem atribuições e órgãos que prosseguem essas atribuições através de competências. As atribuições da EMULTA são as consagradas no art. 3º/2 do seu Estatuto. Através do art. 14º/ 1 c) do Estatuto, verificamos que é a Presidente do Conselho da Administração que representa a empresa municipal em relação aos atos praticados, consequentemente, seria perante este órgão que se reclamaria o ato praticado. Não parece, contudo, que tal possa ser feito mediante juízos de legalidade, uma vez que segundo o art. 5º/1 d) do Código de Estrada, a colocação de parquímetros é da competência da Câmara Municipal, e que esta pode delegar esta competência à EMULTA, por força do art. 5º/1 a) do Estatuto, do art. 5º/3 d) do Código da Estrada e do art. 62º/2 do Regulamento Geral de Estacionamento e Paragem na Via Pública.
O recurso hierárquico consiste tanto na impugnação de atos administrativos praticados, como na reação contra a omissão ilegal de atos administrativos, dirigida ao superior hierárquico do autor do ato cfr. art. 193º/1 CPA. Se o órgão subalterno dispuser de competência exclusiva, apenas pode ser obrigado à prática do ato cfr. art. 197º, nº 1 CPA. Este recurso carateriza-se por uma estrutura tripartida: o recorrente é o particular, o recorrido é o órgão subalterno- órgão a quo- e o órgão decisório é o órgão superior- órgão ad quem. Para poder haver recurso é necessário existir hierarquia e é necessário que tenha sido praticado ou omitido um ato administrativo por um subalterno que não goze de competência exclusiva.
Podem ser classificados em recursos de legalidade, se o particular alegar como fundamento a ilegalidade do ato ou da omissão do ato, de mérito, se o motivo for de mera inconveniência, ou mistos, se o particular alegar ilegalidade e inconveniência.
O recurso tem que ser apresentado ao órgão a quo cfr. art. 194º, nº 2 CPA, e sempre dirigido ao mais elevado superior hierárquico do mesmo cfr. art. 194º, nº 1 CPA, salvo se a competência para a decisão se encontrar delegada ou subdelegada.
Quanto aos prazos para a interposição do recurso, nos casos em que o objeto é a impugnação de um ato, estes encontram-se estipulados legalmente nos arts. 188º, nº 1 e 2 e 198º, nº 1 CPA, sendo, em regra, o prazo de 30 dias. Se o objeto do recurso for a contestação da omissão de um ato, o prazo conta-se da data do incumprimento do dever de decisão cfr. art. 188º, nº 3 CPA. A interposição do recurso pode ter consequências suspensivas ou não suspensivas, ocorrendo a suspensão automática do ato em causa até à reapreciação do superior hierárquico. A autoridade ad quem deve pronunciar-se em 30 dias, podendo alongar-se o prazo até aos 90 dias cfr. art. 198º, nº 1 e 2 CPA.
Consequentemente, a autoridade pode: rejeitar o recurso por questões de forma cfr. art. 196º CPA, negar o provimento, mantendo-se o ato que foi recorrido, ou conceder o provimento, podendo implicar a revogação, anulação, modificação ou substituição do ato recorrido.
No caso sub judice, o ato praticado pela Presidente do Conselho de Administração da EMULTA não é suscetível de ser alvo de recurso hierárquico, uma vez que esta não tem superior hierárquico.
Quanto à omissão, as autarquias locais inserem-se na administração autónoma do Estado, prosseguindo fins próprios. São autarquias locais os Municípios cfr. art. 236º/1 CRP, são pessoas coletivas próprias cfr. art. 235º/2 CRP, cujo órgão executivo é a Câmara Municipal cfr. art. 252º CRP. Uma vez que não há superior hierárquico da Câmara Municipal, não é possível efetuar um recurso hierárquico.
Quanto aos recursos hierárquicos impróprios, o ato administrativo é impugnado a um órgão da mesma pessoa coletiva daquele que praticou o ato, que exerce poderes de supervisão sobre o órgão que praticou o ato. Só admissível nos casos expressamente previstos por lei cfr. art. 199º, nº 1 a) CPA. São aplicáveis a este recurso, subsidiariamente, as disposições que regulam o recurso hierárquico (art. 199º, nº 5 CPA).
Não parece haver órgão da EMULTA que exerça poderes de supervisão sobre o Conselho de Administração ou sobre a Presidente do Conselho de Administração.
Quanto à omissão por parte da Câmara Municipal, é possível efetuar recurso hierárquico impróprio perante a Assembleia Municipal, pois ela fiscaliza a atividade da Câmara Municipal, conforme o art. 25º/2 a) da Lei nº 75/2013.
O recurso tutelar consiste numa impugnação do ato ou omissão de uma pessoa coletiva autónoma a um órgão de outra pessoa coletiva pública, que sobre ela exerça poderes de tutela ou de superintendência. Tem natureza excecional, logo só é possível quando a lei expressamente o previr cfr. art. 199º, nº 1 c) CPA. Só pode ter por fundamento a inconveniência nos casos em que a lei estabeleça uma tutela de mérito cfr. art. 199º, nº 3 CPA. É englobado no CPA nos “recursos administrativos especiais” (art. 199º, nºs 3, 4 e 5). Trata-se de um recurso tutelar, por exemplo, quando a lei sujeita a recurso para o Governo certas deliberações das câmaras municipais.
Quanto ao ato praticado pela EMULTA, verificamos que a Câmara Municipal do Listejo exerce poderes de tutela e de superintendência sobre a mesma cfr. art. 20º do Estatuto, podendo ser feita uma impugnação tutelar do ato praticado pela Presidente do Conselho de Administração à Câmara Municipal. No entanto, dada a relação estrita entre ambos os órgãos, não parece que esta garantia seja a que melhor salvaguarde os interesses dos particulares. No entanto, também a Assembleia Municipal fiscaliza a sua atividade, exercendo poderes de fiscalização sobre a mesma, mediante art. 25º/2 a) da Lei nº 75/2013.
A Câmara Municipal está sujeita a um poder de tutela de legalidade por parte do Estado, e o Estado não se pode imiscuir nas suas atuações. Se a omissão consubstanciar uma ilegalidade, aí o Estado pode controlar e fiscalizar a atuação da Câmara Municipal de Listejo.
Queixa ao Provedor de Justiça
A figura do Provedor de Justiça é bastante peculiar e inovadora na ordem jurídica. Vem prevista no artigo 23º da Constituição, onde a sua atividade é caracterizada como independente do Governo, da Administração e dos Tribunais, tratando-se de uma alta autoridade administrativa, designada pela Assembleia da República. Para além do preceito acima enunciado, esta figura rege-se por um estatuto próprio, que consta da Lei nº 9/91, de 9 de abril (alterada pelas Leis nº 30/96, de 14 de agosto, e 52-A/2005, de 10 de outubro).
O principal foco da sua função é atender às queixas dos particulares, direito este presente no artigo 3º da Lei 9/91, de 9 de abril, contra ações ou omissões da Administração Pública. Para tal, utiliza o seu poder de persuasão para levar as autoridades administrativas a reparar ou a alterar as suas decisões, quando injustas ou ilegais, consideradas de “má administração”.
Este órgão serve de recurso naquelas situações em que as outras garantias não são capazes de satisfazer totalmente o interesse dos particulares. Isto é, enquanto as garantias administrativas apelam para às próprias autoridades administrativas, que muitas vezes agem conforme a sua visão da legalidade ou do interesse público, acabando por não dar razão aos interesses legítimos dos particulares, as garantias contenciosas permitem aos mesmos solicitar aos tribunais a anulação de decisões ilegais da Administração Pública ou obter a reparação dos prejuízos causados por esta. Todavia, acaba por ficar sempre um leque de problemas por cobrir, sobretudo momentos que não estejam relacionados com a ilegalidade das decisões ou os prejuízos por estas causado, mas sim com questões de mérito da ação administrativa. Por esta razão, existe a figura do Provedor de Justiça, que trata de controlar a legalidade, justiça e funcionalidade da atividade administrativa, não possuindo um poder decisório para a anulação ou revogação de atos administrativos, praticando atos que considere legalmente devidos, ou atos injustos e inconvenientes, por aqueles que ache mais adequados; tão pouco se poderá fazer substituir às autoridades competentes para cumprir os seus deveres.
O verdadeiro poder do Provedor de Justiça é persuasivo. Cabe-lhe estudar cada caso em concreto e, se entender que o particular tem razão no seu pedido, deve dirigir recomendações jurídicas às autoridades competentes, para que se faça valer o direito de modo mais acertado. E, também, deve dialogar e incitar a Administração a cumprir a lei ou a corrigir os seus erros ou omissões.
Nas situações em que as suas recomendações não sejam acatadas, o mesmo tem a capacidade de emitir notas oficiosas ou de conferências de imprensa, ou ainda tornar público, através do relatório anual, enviado à Assembleia da República, as denúncias às autoridades administrativas que se recusem a cumprir os seus deveres.
Assim sendo, concluímos que a natureza jurídica do Provedor de Justiça é a de um órgão administrativo central do Estado, com caráter independente, ao qual têm os particulares a faculdade de dirigir queixas, sempre que se encontrem perante casos de insatisfação dos seus interesses.
Análise do Caso em concreto
Feita esta análise, percebemos que os particulares podem, a qualquer momento, dirigir uma queixa ao órgão do Provedor de Justiça, de modo a que o mesmo se pronuncie sobre o caso, no âmbito da sua imparcialidade e independência relativamente a outros órgãos da Administração Pública. Caso o Provedor dê razão aos particulares, este não poderá anular qualquer tipo de ato, nem modificá-lo. Porém, deverá emitir uma recomendação, dirigida aos órgãos da Câmara Municipal, para que esta proceda à modificação ou até mesmo à prática daquilo que fora omitido ou realizado de modo indevido.
Decisão Administrativa
A primeira garantia administrativa, de cariz impugnatório: arts. 184º/1 a) e 191º/1 do CPA, destina-se a combater a instalação dos parquímetros e é fundamentada pela inconveniência do ato praticado, em conformidade com o requisito exigido pelo art. 185º/3 CPA. Os interessados arguiram que a instalação dos parquímetros constituiu um ato grosseiro por não ter sido convenientemente acompanhado pela construção de parques de estacionamento para a população das Carnitas, o que colocou todos os seus residentes e trabalhadores numa situação comparativamente pior com a situação verificada originariamente quando o estacionamento dos seus veículos não acarretava quaisquer custos.
Os munícipes sustentam ainda que a ponderação própria da função administrativa não foi sensata colidindo ipso facto com o princípio de justiça e razoabilidade, elencado no art. 8º CPA. Além da falta de bom senso foram ainda identificadas a falta de tutela dos direitos e interesses dos cidadãos (art. 4º) e a ausência de confiança suscitada à contraparte através da atuação empreendida e do objetivo que a mesma pretendeu alcançar (10º/2).
Corroborados os factos e atenta a fundamentação dos interessados, cumpre ao órgão apreciar a impugnação interposta conferindo provimento à reclamação aduzida.
A impugnação administrativa do Regulamento Geral de Estacionamento poderá ser intentada, caso o ato legislativo contenha normas lesivas de direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos dos particulares, estando também prevista a hipótese da sua modificação ou suspensão (art. 147º/1). Contudo esta garantia terá de ser deduzida perante a autora do regulamento ora contestado, a Assembleia Municipal (art. 147º/2)
A última garantia administrativa, de cariz não-impugnatório ou petitório, pretende opor-se à inércia verificada quanto à admissibilidade inicial da necessidade de requalificação do centro histórico e de construção de parques de estacionamento para a zona em questão: o acordo ora mencionado foi assumido pelo município de Listejo, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visando deste modo produzir efeitos jurídicos externos (148º/1) concernentes à satisfação destas pretensões em particular. Contanto ter sido previamente discutido o problema junto da autarquia e tendo sido inclusivamente tomada uma deliberação positiva referente a este assunto, a omissão do ato subsequente configura uma situação de incumprimento do dever legal de decidir (art. 13º/1 CPA).
Apesar da epígrafe deste artigo ser “Princípio da decisão”, todavia, o mesmo encerra dois princípios: o da pronúncia e o da decisão. Se o primeiro obriga sempre a Administração a tomar posição perante qualquer petição formulada por um particular, correspondendo a tal dever o direito fundamental de petição, em matérias que lhes digam respeito ou à Constituição e às leis dos cidadãos (arts. 52º da CRP e 102º e ss. do CPA e Lei nº 43/90 de 10 de agosto) o segundo liga-se a uma exigência de conclusão dos procedimentos, com a consequente prática de um ato administrativo (arts. 59º e 106º a 109º do CPA). Na mediação semântica da lei ordinária a pluralidade vocabular revela que o dever constitucional de apreciação se cumpre pelo dever de pronúncia e pelo dever de decisão. E, quanto ao âmbito deste último, os autores do “Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2ª ed.” Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, interpretam a lei com o sentido de que, face às petições dos particulares formuladas em defesa de interesses próprios, individuais e concretos, o dever de pronúncia exigido à Administração é um dever de praticar um ato administrativo de aplicação da lei à situação jurídica do peticionante. Quando assim é, o dever de pronúncia do órgão administrativo não pode, pois, quedar-se pelo mero dever constitucional de resposta que existe sempre, para qualquer assunto que lhe seja apresentado, correspondente ao direito fundamental de petição dos cidadãos. Salvo se ocorrer a situação de dispensa, de discricionariedade de silêncio, prevista no nº 2 do art. 13º do CPA, a lei exige-lhe mais do que uma mera resposta. Impõe-lhe uma decisão que, ao abrigo de normas de direito administrativo produza efeitos na situação individual e concreta do pretendente.
Face à diferente natureza destes princípios, também o seu incumprimento tem de ter naturalmente consequências diferentes: assim, o dever de pronúncia e, consequentemente, o direito de pronúncia, sendo um direito de cariz politico-constitucional, é aí que, essencialmente, se encontra o seu regime. Todavia, quando o destinatário de uma petição é a própria Administração Pública, e está em causa uma questão administrativa, a falta de pronúncia pode sancionar-se quer com uma ação para o reconhecimento de um direito, ou porventura, com uma intimação das previstas no art. 86º da LPTA. Bem diferente, é a sanção para o incumprimento do dever de decisão. Em tal hipótese, haverá lugar à ação para reconhecimento de um direito e, eventualmente, a Administração Pública ser responsabilizada civilmente pela prática de um ato ilícito de gestão pública.
A petição termina com a ressalva de que, não obstante serem deficitários os atuais saldos das finanças públicas, na eventualidade da ocorrência de eleições autárquicas existem sempre verbas suficientes para, por exemplo, afetar a uma reabilitação rodoviária implementada de forma ordinal e prioritária. Mas quando é preciso tutelar os direitos subjetivos e/ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, as autarquias acabam por se imiscuir das respetivas atribuições e postergar as competências materiais que lhes foram legalmente acometidas, como resulta ex vi a incumbência de assegurar a manutenção e recuperação do património cultural e urbanístico do município (art. 33º/1/t) LAL) ou a designação para deliberar sobre o estacionamento de veículos nas vias públicas e demais lugares públicos (art. 33º/1/rr) LAL).
Com base na omissão ilegal apurada, o órgão declarou a petição procedente determinando também a emissão dos atos pretendidos pelos interessados ao abrigo dos artigos 184º/1/b) e 191º/1 do CPA.
Trabalho realizado por:
-Ksenia Kvast
-Isa Diz
-Maria Inês Gonçalves
-Tiago Costa